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Estado deve ser persistente na cobrança de mais-valias à Galp, dizem economistas

Economistas Egas Daniel, Clésio Foia e Júlio Saramala defendem que o Governo deve persistir na cobrança de mais-valias à Galp, de forma a evitar que outras multinacionais adoptem a mesma postura de recusa de pagamento destes impostos. Os especialistas, que falavam durante o programa O País Económico desta quinta-feira, na STV, alertam ainda para a necessidade de melhorias na legislação fiscal.

O economista Egas Daniel salienta que a tributação sobre as mais-valias geradas na venda de activos é uma prática normal e prevista pela legislação fiscal, tanto em Moçambique como internacionalmente. Segundo ele, “quando o valor de venda de um activo é superior ao valor contabilístico, este diferencial é tributável”, reforçando que a cobrança da Autoridade Tributária à Galp se encontra dentro das normas. Egas acrescenta que Moçambique é historicamente pouco exigente na arrecadação deste tipo de imposto, o que torna a cobrança actual legítima e coerente com padrões internacionais.

Como primeira situação ilustrativa, Egas explica: “Se eu comprei um activo a determinado valor e o vendo por um valor superior, há um ganho, chamado mais-valia, sobre o qual incide imposto”. Salienta que esta operação é comum em todo o mundo e segue uma lógica simples: o Estado deve tributar o lucro gerado pela diferença entre o preço de aquisição e o valor de venda, garantindo que os recursos retornem à população e ao Tesouro.

Apesar disso, Egas alerta para os riscos da arbitragem internacional, lembrando que “a pressão desta queixa internacional pode fragilizar a posição do Estado moçambicano perante multinacionais com grande poder económico”. Como segunda situação, menciona que, mesmo após a Galp ter transferido os seus activos, o Governo poderá enfrentar dificuldades práticas na execução da cobrança.

Por fim, Egas sublinha a importância de uma actuação firme do Estado, afirmando que “a postura da Autoridade Tributária e a aplicação da legislação nacional conferem segurança e legitimidade ao processo”. Para ele, manter a coerência normativa e cobrar correctamente as mais-valias protege a soberania fiscal de Moçambique, evita precedentes perigosos e garante que os recursos provenientes de operações de exploração de gás beneficiem efectivamente a população, reforçando a confiança interna e internacional no regime fiscal do país.

O economista Júlio Saramala destaca que a questão central da disputa entre a Galp e a Autoridade Tributária (AT) não é a cobrança do imposto sobre mais-valias, pois “existem claramente bases legais, já com histórico”, incluindo regimes específicos de tributação e benefícios fiscais em operações petrolíferas. Para ele, o principal ponto de divergência reside na metodologia de cálculo da base tributável, já que o Estado pode considerar o valor bruto da operação, enquanto a Galp defende uma base líquida, deduzindo empréstimos e investimentos amortizados. Esta diferença metodológica pode gerar uma taxa efectiva distinta da taxa nominal prevista na lei.

Como primeira situação, Saramala menciona a primeira parcela recebida pela Galp, no valor de cerca de 880 milhões de dólares: “Em termos numéricos, a tributação deveria aplicar-se estritamente ao valor já recebido da Galp”. Ele sublinha que, mesmo considerando valores futuros da Coral Norte, a cobrança sobre o montante já recebido deve ser clara e imediata, para evitar atrasos na arrecadação e assegurar a aplicação consistente da legislação fiscal.

O economista alerta ainda para os riscos de recorrer a instâncias internacionais, lembrando que, “se já existe, neste momento, uma empresa portuguesa a ter de recorrer a instâncias internacionais, isso demonstra que, futuramente, outras empresas poderão agir com maior cautela e exigir garantias adicionais”. Como segunda situação, aponta que tal prática poderá levar outras multinacionais a adoptarem medidas de protecção, como seguros ou garantias suplementares, antes de investir em Moçambique, evidenciando a necessidade de proteger a soberania fiscal e evitar precedentes que fragilizem a posição do Estado.

Saramala reforça que os ganhos das operações devem beneficiar a população moçambicana e que a legislação nacional precisa de ser aplicada de forma transparente. “Independentemente de esta alienação ter ocorrido dentro ou fora do país, a lei é clara: deve haver uma mais-valia que beneficie a população moçambicana.” Considera positiva a postura do governo, mas enfatiza a necessidade de prever possíveis disputas futuras, garantindo segurança jurídica e previsibilidade para investidores e para o Estado.

Já Clésio Foia destaca que a questão central da disputa entre a Galp e o Estado moçambicano não é o valor da venda dos direitos de exploração, mas sim a matéria colectável, ou seja, a diferença entre o valor da venda e os custos nos quais a empresa declara ter incorrido. O Estado moçambicano questiona a validade de certos custos, receando que uma sobrevalorização conduza a uma tributação mínima sobre as mais-valias, afectando a arrecadação e a soberania fiscal.

Como primeira situação, Foia cita precedentes de operações bem-sucedidas que beneficiaram o Estado: em 2017, a venda de acções da ExxonMobil à ANI gerou 350 milhões de dólares em mais-valias, e da Anadarko à Total que resultou em cerca de 800 milhões de dólares para o tesouro moçambicano. Estes casos demonstram que, quando a legislação fiscal é aplicada correctamente, o Estado assegura receitas significativas, reforçando a necessidade de tributação adequada das mais-valias da Galp.

O economista alerta, também, para o risco de pressões externas e disputas internacionais. Como segunda situação, menciona que “a Galp poderia recorrer a arbitragem internacional sob alegação de protecção a investidores não residentes, pressionando o Estado moçambicano e criando precedentes perigosos. Esta estratégia poderia permitir que futuras multinacionais minimizassem a tributação ou transferissem ganhos para fora do país, sem contrapartidas em tecnologia ou investimento local, prejudicando a arrecadação e a soberania fiscal”.

Por fim, Foia defende a flexibilização da certificação de custos e a definição clara de regras fiscais. Salienta que “sem flexibilidade e clareza, as multinacionais poderiam inflacionar custos, reduzindo a matéria colectável e comprometendo receitas”. Para ele, a aplicação rigorosa da legislação, a resistência a pressões externas e a previsão objectiva do guião fiscal são essenciais para preservar a soberania fiscal, garantir a justa contribuição das multinacionais e fortalecer o desenvolvimento da indústria de gás e outros recursos naturais em Moçambique.

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