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Entre ecos e ressonâncias, declamadores celebram Craveirinha

Fosse vivo, José Craveirinha teria completado 96 anos de idade no passado dia 28 de Maio. Entretanto, lá vão 15 anos sem o poeta-mor da literatura moçambicana. Então, declamadores, artistas, alunos secundários e o público em geral juntaram-se, ontem à noite, para celebrar a obra de quem cantou Moçambique com palavras que pintam afectos e emoções.

O sarau intitulado “José Craveirinha entre a lírica e o poema manifestatário: o eco e as ressonâncias” aconteceu na sede da Fundação Fernando Leite Couto, em Maputo, num ambiente amistoso, no qual, não se podendo ressuscitar o homem, louvou-se o melhor que se sabe da sua pena. E foi assim: aos “bate e sai” ouviu-se títulos das diversas obras do “velhote”, por exemplo, Karingana ua Karingana, Cela 1, Xigubo e Maria. Entre os declamadores, esses que dizem poesia como quem sobe a um altar, estiveram Guilherme Mussane, Leo Cote, Venâncio Calisto e um trio de amigos cujos versos ofuscaram os nomes. A Fundação Fernando Leite Couto foi um altar e a poesia a canonização de um poeta que, como poucos, descobriu a nação antes mesmo de existir. Craveirinha: J. C., J. Cravo, Mário Vieira ou Abílio Cossa, tudo numa só voz, com ou sem pseudónimos, o consenso na arte da versificação tão bem lembrada na capital do país.

Na Fundação, do primeiro autor africano distinguido com o Camões, o maior prémio literário de língua portuguesa, ouviu-se, entre expectativas e advinhas, poemas como “Grito negro”, “Quero ser tambor”, “Civilização”, “Karingana ua Karingana”, “Subida”, “Reza, Maria” ou “As saborosas tangerinas de Inhambane”, numa alta performance de Leo Cote. Enquanto declamou Craveirinha, o poeta com dois livros publicados tornou-se actor, gesticulando e vibrando a cada força revelada pela palavra: “É sempre uma honra declamar um poeta que não só foi importante para a história política e social como também foi para a história literária. Por isso criou discípulos, casos de Sangare Okapi, Rogério Manjate e, mesmo antes, Luís Carlos Patraquim”, convicção de Leo Cote.

O recital de poesia de ontem serviu e muito para lembrar, como se fosse possível esquecer, que José Craveirinha deixou uma fortuna em espólio literário, com essa capacidade de fazer da sua cultura rhonga ou algarvia um pretexto para conquistar a universalidade.

Além de Cote, quem também se rendeu, com palavras próprias, ao poeta-mor, foi Guilherme Mussane: “Craveirinha é aquele homem que esteve no chão daquilo que nós consideramos vaticínios infalíveis. É de Craveirinha e de outros autores da sua geração que nasceram as ideias que iluminaram a gesta libertadora deste país. Então, celebrar José Craveirinha é olhar para a história e ver de onde nós viemos”. Concordando com essas palavras, Venâncio Calisto, que, esta semana, encenou a peça (Des)mascarado, com Lucrécia Paco e Rita Couto, depois de declamar, acrescentou: “Todos nós que acabamos entrando para arte passamos por José Craveirinha. É um poeta muito forte, profundo e actual”. No entanto, a actualidade, aos olhos dos mais novos, “rejeita-o”. Por isso, não se está a explorar Craveirinha “porque o sistema tem problemas, que o impede de divulgar a literatura e os autores moçambicanos, dentro e fora do país. Não temos livros de Craveirinha a preço acessíveis e muitos dos seus livros não estão no mercado”, Leo Cote.

Além dos poemas do herói da Mafalala, no sarau foram declamados textos de Rui Nogar, Noémia de Sousa e do poeta cubano Nicolás Guillen.

José Craveirinha nasceu na então Lourenço Marques e morreu no dia 6 de Fevereiro de 2003, em Joanesburgo, na África do Sul.

 

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