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Empresas falsas usadas para branquear milhares de milhões em Moçambique

Foto: O País Económico

Trata-se de um esquema fraudulento complexo praticado em Moçambique, que envolve muitos países e várias entidades no território nacional, entre as quais empresas de fachada, advogados, notários, alfandegários, identificação civil, migração, despachantes aduaneiros, contabilistas e bancários.

De acordo com o Relatório de Análise Estratégica (RAE) do Gabinete de Informação Financeira de Moçambique (GIFiM), mais de mil milhões de Meticais (cerca de 16 milhões de dólares norte-americanos) de origem desconhecida terão sido usados em actos de lavagem de dinheiro em Moçambique.

Nos termos da recomendação internacional, 29 do Grupo de Acção Financeira (GAFI), as Unidades de Informação Financeira (UIF), o GIFiM para o caso de Moçambique, devem realizar ou conduzir dois tipos de análise, designadamente, a operacional ou táctica e a estratégica. 

Nesse contexto, para análise dos efeitos legais julgados pertinentes, o Gabinete de Informação Financeira de Moçambique (GIFiM) publicou, a 23 de Dezembro último, o Relatório de Análise Estratégica, um documento que foi assinado pelo respectivo director-geral da instituição.

O documento faz uma análise dos actos suspeitos de branqueamento de capitais com base no comércio, através da introdução de fundos no sistema financeiro com recurso a depósitos em numerário parcelados entre outros, seguido de exportação ilícita de capitais sob pretexto de importação de mercadorias ou bens, entre Janeiro de 2020 e Outubro de 2023.

Segundo a análise, os actos fraudulentos constatados, entre 2020 e 2023, foram realizados com recurso a empresas fictícias, algumas legitimamente constituídas. Em Moçambique, apurou-se que a maior parte das operações são realizadas a partir das cidades de Maputo, capital do país, Nampula e Nacala, ambas na província de Nampula. 

O dinheiro que é “lavado” em Moçambique tem como destino Paquistão, Emirados Árabes Unidos (Dubai), China (Hong Kong), Turquia, Índia, Coreia do Sul, Indonésia, Tailândia, República de Singapura, Portugal e Ilhas Maurícias, segundo revela o relatório do GIFiM. 

“Algumas das jurisdições ora mencionadas são centros financeiros offshores (paraísos fiscais), países considerados de trânsito no tráfico internacional de drogas, bem como países europeus, onde os referidos fundos são aplicados/investidos predominantemente no sector imobiliário”, lê-se no relatório do Gabinete de Informação Financeira de Moçambique.

O dinheiro “sujo” entra e sai do país por via de depósitos bancários em numerário de forma parcelada, cheques de montantes avultados e através de transferências bancárias recorrentes e regulares para o exterior, que são também parceladas, alegadamente, sob pretexto de pagamento de importação de mercadorias, com total indiferença da banca em relação às comissões bancárias cobradas pelo serviço de transferência de valores para o exterior.

Para o alcance dos objectivos, o modus operandi dos criminosos resume-se no depósito do dinheiro “sujo” em numerário de forma fraccionada ou parcelada em contas bancárias de entidades devidamente identificadas, também sob pretexto de pagamentos realizados por clientes.

“Os canais de entrega predominantes para a introdução de fundos no sistema financeiro, através de depósitos em numerário, são o recurso ao atendimento no balcão/caixa, front desk/office e as máquinas ATM que aceitam depósitos”, diz o documento publicado em Dezembro.

Uma vez os fundos introduzidos no sistema financeiro nacional, por via de um esquema bastante complexo de múltiplas transferências para diferentes contas bancárias e bancos, o dinheiro é movimentado por forma a ocultar ou encobrir a sua real origem e o seu destino.

No referido esquema fraudulento, os fundos são, posteriormente, colocados nas contas bancárias de determinadas entidades, que depois ordenam a sua transferência para o estrangeiro,  com o argumento de estes terem como finalidade a importação de diversos produtos e bens de primeira necessidade para serem usados no mercado moçambicano. 

Os grupos criminosos, segundo o GIFiM, fazem-se passar por empresas normais, mas movimentam somas de dinheiro elevadíssimas e completamente desajustadas ao perfil das actividades alegadamente lícitas por si desenvolvidas, quando comparadas com a generalidade de firmas similares dos respectivos ramos e sectores de actividade ou negócio no país.

“Para o efeito, constatou-se que foram criadas várias empresas controladas pelo mesmo indivíduo e/ou grupo de indivíduos, e abertas várias contas bancárias em diversas entidades financeiras na República de Moçambique, em nome das mesmas, que, através de múltiplos depósitos em numerário, introduziram fundos no sistema financeiro nacional, bem como realizaram um emaranhado de transferências bancárias entre si e com outras entidades, cujo desfecho do enredo foi a transferência dos referidos fundos, predominantemente para o estrangeiro, com enfoque para centros financeiros offshores (paraísos fiscais), países considerados de trânsito no tráfico internacional de drogas, bem como países europeus, onde os referidos fundos foram aplicados ou investidos, ao que dados indicam, no sector imobiliário”, conclui o relatório do Gabinete de Informação Financeira de Moçambique.

Para efeitos do relatório, foram analisadas 357 comunicações de operações suspeitas, 30 comunicações de actividades suspeitas, seis comunicações do dever de abstenção/suspensão de transacção/operação, três pedidos de informação provenientes de três entidades, designadamente, Procuradoria Geral da República (PGR), Banco de Moçambique e Autoridade Tributária de Moçambique, e uma revelação espontânea de UIF, uma entidade congénere do  GIFiM, 13 Relatórios de Informação/Inteligência Financeira disseminados, entre outros.

O GIFiM é a autoridade central que recebe, recolhe e analisa as Comunicações de Operações Suspeitas (COS), as Comunicações de Actividade Suspeita (CAS) e as Comunicações de Limiares/montantes, quando se trate de transferência electrónica de fundos de montantes iguais ou superiores a 750 000,00 Meticais e quando se trate de transacções em numerário (depósitos e levantamentos) de montantes iguais ou superiores a 250 000,00 Meticais, provenientes das entidades com o dever de comunicar e disseminar os resultados da competente análise, através de Relatórios de Informação/Inteligência Financeira (RIF’s), às Autoridades de Aplicação da Lei (AAL) e de Regulação e Supervisão, nos termos do disposto, nos artigos 2 e 13 da Lei nº 2/2018, de 19 de Junho conjugados com os artigos 2, 26 e 27 do Decreto nº 49/2019, de 7 de Junho.

De acordo com a análise que temos vindo a citar, as referidas contas bancárias de empresas falsas são abertas no contexto de actividade comercial de Pequenas e Médias Empresas e começam a ser alimentadas de forma regular por valores em numerário em pequenos montantes, cujo balanço/saldo é avultado no que tange aos fundos introduzidos no sistema financeiro. 

“As contas bancárias têm em comum a existência de procurações, dentre irrevogáveis, autorizando terceiros não titulares das mesmas a movimentarem, solicitarem extractos, emitirem ordens de pagamento, substabelecerem (passar ou conferir) poderes para terceiros, e até podendo encerrar a conta, dentre outras prerrogativas conferidas apenas a titulares”, conclui o documento. 

Há ainda registo de casos de contas bancárias inactivas que são activadas e, posteriormente, iniciam com um fluxo transaccional elevado e intenso de dinheiro. 

No acto de cumprimento do due diligence (dever de diligência relativa à clientela) efectuado pelas entidades financeiras em relação às ordens de transferências para o estrangeiro, foram detectadas situações de documentos de suporte falsificados ou obtidos de forma fraudulenta.

Constatou-se ainda que as entidades envolvidas nas operações recorreram a processos aduaneiros preparados de forma fraudulenta para serem apresentados às instituições financeiras, como documentos de suporte às instruções/solicitações de operações de remessa/pagamento antecipado, de modo a validarem-se as transferências para o estrangeiro, cuja prática se suspeita que conte, para o efeito, com a colaboração de eventuais indivíduos ou empresas cuja actividade é o desembaraço aduaneiro, eventuais funcionários bancários, eventuais funcionários públicos (aduaneiros, migração, cartórios notariais e identificação civil, entre outros), de eventuais advogados (que auxiliam no processo de constituição das diversas empresas, actas deliberativas de alegadas assembleias gerias das sociedades, procurações e acções extrajudiciais e judiciais), bem como contabilistas e sem prejuízo de outros. 

Segundo o relatório, a autoridade fiscal moçambicana, Autoridade Tributária de Moçambique, comunicou ao GIFiM que uma entidade tentou, sem sucesso, realizar uma transacção para o exterior, a partir de uma conta bancária domiciliada numa entidade financeira com recurso a um processo aduaneiro forjado, como forma de permitir a exportação ilícita de capital. 

No entender do GIFiM, decorrem suspeitas de que a totalidade de receitas e rendimentos obtidos pelos indivíduos e entidades envolvidas não tenham sido declarados à Autoridade Tributária de Moçambique para o competente pagamento do Imposto sobre o Valor Acrescentado  (IVA), o Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas  (IRPC), o  Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRPS), dentre outras obrigações fiscais.

“Decorrem suspeitas, igualmente, de que as alegadas mercadorias ou alegados bens, objecto de importação, não tenham dado entrada efectiva no país, ou caso tenham dado entrada, não tenham procedido ao pagamento das competentes e proporcionais obrigações aduaneiras”, conforme avança o Gabinete de Informação Financeira de Moçambique. 

Adicionalmente, há, segundo o relatório, ocorrência de sobrefacturação e de subfacturação, sem prejuízo de uso múltiplo (aplicação múltipla) de uma mesma factura, em diversos processos bancários e aduaneiros, alegadamente de importação de bens e produtos, bem como se suspeita que haja fluxos financeiros intensos e elevados para algumas jurisdições, conhecidas como centros financeiros offshore (paraísos fiscais). 

“A existência e implementação de acordos de não dupla tributação jurídica internacional com algumas das referidas jurisdições pode/deve estar a permitir a perda de elevados valores de receita fiscal interna”, alerta a análise.

Ademais, a autoridade reguladora e supervisora do sector financeiro bancário, o Banco de Moçambique, solicitou informação sobre o grau de conformidade na submissão de comunicações de limiares/montantes, previstos na competente de legislação de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo.

Por seu turno, a Procuradoria Geral da República solicitou a realização de diligências de análise, na sequência do exercício do dever de abstenção, decorrente de constatações de suspeitas fundadas de operações constituírem crime de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. 

Do trabalho de análise realizado pelo GIFiM, constatou-se ainda haver indícios para a suspeita da ocorrência da prática de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, infracções tributárias, associação criminosa, exportação ilícita de capitais, falsificação de documentos, actos de corrupção, exercício ilegal de actividade cambial, culminando com a prática de actos de branqueamento de capitais com base no comércio, e sem prejuízo de outros crimes precedentes/conexos, porquanto as entidades singulares e colectivas envolvidas, devidamente identificadas ao longo das referidas comunicações e informações na posse do GIFiM, movimentaram, algumas delas entre si, elevadas somas monetárias, completamente desajustadas ao perfil transaccional das actividades alegadamente lícitas por si desenvolvidas, com substancial opacidade, quando equiparado com a generalidade de entidades similares dos respectivos ramos/sectores de actividade/negócio. 

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