O País – A verdade como notícia

banner_02

Em seis anos, houve mais de 100 tentativas de silenciar o “quarto poder”

Foto: O País

Os actos de agressão contra os jornalistas não são novos. Nos últimos seis anos, foram mais de 100 casos registados não só contra os jornalistas, mas também contra os órgãos de comunicação social.

Isso fez com que Moçambique caísse da 102ª para a 105ª posição em 2023, no ranking do Índice de Liberdade de Imprensa, da organização não governamental Médicos sem Fronteiras, num total de 180 países analisados.

O assassinato de Carlos Cardoso, no ano 2000, foi o mais sonante, mas, desde a morte do jornalista do Metical a esta parte, muitos foram os crimes cometidos contra jornalistas durante o exercício do seu trabalho.

Infelizmente, grande parte foi perpetrada por pessoas que deviam proteger a classe: a Polícia.

Começamos de 2018 até ao que aconteceu na última semana.

 

2018
Naquele ano, o repórter de imagem do Grupo Soico foi agredido durante a cobertura de um trabalho de inspecção de um supermercado da capital do país. O gestor partiu para cima, derrubou-o e destruiu o seu material de trabalho.

Não se passaram nem seis meses, novamente, jornalistas da STV, desta vez sediados em Sofala, foram agredidos por um agente da Polícia durante a repetição das eleições autárquicas em Marromeu, quando reportavam um ilícito eleitoral.

 

2019
Logo, a 5 de Janeiro daquele ano, Amade Abubacar e, no dia seguinte, Germano Adriano, ambos jornalistas da Rádio Comunitária de Nacendje, em Macomia, Cabo Delgado, foram detidos quando retratavam as consequências dos ataques terroristas naquela província.

Amade Abubacar passou 108 dias na prisão, foi maltratado por militares, mantido incomunicável e Germano Adriano esteve detido por 63 dias.
Ambos são acusados de instigação a crime com uso de meios informáticos e de violar segredos de Estado.

Logo no fim de 2019, o jornalista e director-executivo do semanário Canal de Moçambique, Matias Guente, foi agredido e torturado por três homens armados, durante uma suposta tentativa de rapto, depois de o terem retirado à força da sua viatura.

Na altura, o comandante-geral da Polícia, Bernardino Rafael, visitou o jornalista.

De acordo com o relatório do Misa-Moçambique sobre o “Estado das Liberdades de Imprensa e de Expressão em Moçambique (2019-2020), em 2019, houve registo de 20 casos de violações contra jornalistas, caracterizados, na sua maioria, por detenções arbitrárias, agressões, ameaças, roubos e vandalização de órgãos de comunicação social.

Em 2020 houve mais. Foram reportados 33 casos de violação da liberdade de imprensa.

 

2020
Hibraimo Mbaruco foi outro jornalista que sofreu. Não se sabe se está detido ou se foi morto. Desde 7 de Abril de 2020, nunca mais se ouviu falar dele, da Rádio e Televisão de Palma. A última vez que foi visto foi a saída do seu local de trabalho, e antes de desaparecer enviou uma mensagem a um colega de trabalho, informando que estava cercado por militares.

Ainda neste período, precisamente a 14 de Abril, mais um jornalista da STV sofre uma tentativa de silenciamento. Izidine Achá é detido por militares, enquanto fazia imagens de uma operação militar que decorria num dos bairros da Cidade de Pemba. Hizidine Achá ficou detido desde as nove até as 13 horas. Os militares apagaram as imagens e ameaçaram-no dizendo que devia ter cuidado e que não devia revelar que tinha sido detido.

A 28 de Agosto de 2020, indivíduos desconhecidos assaltaram, colocaram dois galões de combustível e atearam fogo sobre o jornal Canal de Moçambique, na Cidade de Maputo.

Em Cabo Delgado, naquele ano, quatro rádios comunitárias foram silenciadas, devido aos ataques terroristas. As Rádios Comunitárias de Mocímboa da Praia; de Macomia, Tomás Nduda e São Francisco de Assis, em Muidumbe, foram encerradas devido a ataques terroristas.

 

2021
O ano de 2021 iniciou-se, e logo no princípio no mês de Fevereiro, o jornalista Afonso Chavo e o operador de câmera Sebastião Ngomane, ambos da STV foram agredidos pelo proprietário de uma pastelaria e restaurante na Cidade de Maputo, durante uma transmissão televisiva em directo, quando reportavam o recolher obrigatório na região do Grande Maputo, no quadro das medidas de contenção da pandemia da COVID-19…

No mês de Junho daquele ano, quatro jornalistas foram agreditos por agentes da Polícia Municipal em Nampula quando investigavam uma suposta detenção ilegal de três jovens pelas autoridades municipais daquela cidade, por terem, durante um programa televisivo, repudiado um vídeo com cenas de agressão física envolvendo agentes da força municipal contra um vendedor informal. Além da agressão, foi apreendido material de trabalho de dois jornalistas.

A 7 de Setembro, sete jornalistas foram agredidos e detidos em Nampula por agentes da PRM. O facto ocorreu quando cobriam um motim de cidadãos que protestavam, junto da delegação provincial do Instituto Nacional de Acção Social em repúdio à alegada falta de transparência no pagamento do subsídio básico para mitigação dos efeitos da COVID-19, ao nível da cidade e distrito de Nampula.

Os agentes da PRM afectos à terceira esquadra da corporação forçaram os jornalistas a permanecer num compartimento do INAS, naquela cidade, como forma de impedir a cobertura do caso. O jornalista da Media Mais ficou algemado durante cerca de 30 minutos, tendo sido obrigado a ceder a sua máquina de filmagem às autoridades policiais.

 

2022
Em Junho de 2022, agentes da PRM, em Inhambane, intimidaram e impediram que um Jornalista do Magazine Independente fizesse o seu trabalho quando cobria uma acção da Polícia Municipal, que culminou como o confisco de produtos de vendedores informais.

Apercebendo-se da presença do jornalista, três agentes da PRM, armados, aproximaram-se dele, exigindo a entrega do telemóvel, instrumento usado para a captação das imagens, ao que recusou. Na ocasião, o jornalista exibiu o seu cartão de identificação profissional, que foi imediatamente confiscado pelos agentes em causa.

Em Agosto daquele ano, repórteres da Tua TV foram agredidos por quatro agentes dos Serviços Nacionais de Investigação Criminal que cobriam as cerimónias fúnebres de um agente da Polícia que teria tirado a própria vida, no bairro Ferroviário, e as imagens do suicídio circularam nas redes sociais, pretendiam impedir a filmagem das referidas cerimónias fúnebres, embora os familiares tenham autorizado a captação de imagens do ambiente exterior. Os jornalistas tiveram o seu material de filmagem danificado e o cartão de memória levado pelos agentes.

Em Novembro, o jornalista do portal online “Pinnacle News”, Arlindo Chissal, foi detido e mantido incomunicável pela Polícia, em Balama, Cabo Delgado, acusado da prática de crime de exercício ilegal ou ilícito de funções tituladas. O facto ocorreu quando este captava imagens de instituições públicas daquele distrito, o que as autoridades interpretaram como sendo um acto com fins obscuros.

 

2023
Com as eleições autárquicas, o contexto das eleições municipais voltou a ser crítico nos ataques a jornalistas. Foram vários casos, entre eles a agressão, por agentes da Unidade de Intervenção Rápida, do repórter da Televisão Académica, na Beira, na noite eleitoral. Como resultado da agressão, o repórter teve entorse e inflamação na zona do tornozelo do pé esquerdo.

Na Cidade de Maputo, uma equipa da Tv Sucesso foi proibida de cobrir a contagem de votos na EPC Polana Caniço B. Quando os membros da mesa se aperceberam da entrada o repórter, fecharam a porta, com o repórter na parte interior, impedindo que o operador de câmara tivesse acesso à sala. Aliás, pouco antes, os membros da mesa tentaram pegar na câmara do repórter.

No interior da sala, o repórter foi agredido, com empurrões de um lado para outro. Pelo menos três agentes da PRM estavam do lado de fora a assistir impavidamente.

Ainda nesse ano, o jornalista desportivo Alfredo Júnior foi agredido pelos seguranças do Presidente da República. A agressão ocorreu no final do jogo que, no sábado, opôs Moçambique ao Benim, quando o jornalista colocou uma questão a Filipe Nyusi, ao mesmo tempo em que filmava com o telemóvel a resposta. A captação da imagem não agradou ao segurança de Filipe Nyusi, que arrastou o repórter do local, acabando por destruir o material de reportagem.

2024
Este também é um ano eleitoral. Ainda não se chegou ao pico, mas já há casos…

Jornalistas que cobriam o congresso da Renamo foram expulsos e agredidos à porta do congresso, por cerca de 10 seguranças. Das vítimas, fazem parte os jornalistas da STV Jorge Marcos e Verson Paulo.

O jornalista da rádio comunitária Ehale, em Nampula, foi detido enquanto cobria o processo de recenseamento eleitoral, alegadamente por não estar credenciado.

Levado à esquadra, as autoridades policiais exigiram que apagasse as imagens de eleitores que esperavam em longas filas para se recensear.

Na última semana, foi o que o mundo inteiro viu, a jornalista do CDD agredida e levada à força pela Polícia e a câmara de filmar da STV roubado diante da Polícia.

Até quando actos como estes, que têm objectivo o de silenciar a imprensa, vão prevalecer?

Porque são poucas as vezes em que os autores são responsabilizados? Será que Moçambique pode ser considerado um país seguro para se fazer jornalismo investigativo, credível, imparcial e que mostra a realidade dos factos?

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos