Os economistas Júlio Saramala e Moisés Nhanombe alertam para a necessidade de reformas estruturais que garantam a sustentabilidade do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) 2026. Ambos consideram que, embora o Governo tenha proposto um aumento de 22,8 mil milhões de meticais no orçamento, a expansão das despesas públicas enfrenta limitações, devido à arrecadação insuficiente de receitas, crescimento económico moderado e inflação persistente.
Segundo os especialistas, a formalização do sector informal é crucial para alargar a base tributária, aumentar as receitas do Estado e reduzir a dependência de financiamento externo. Ambos concordam que grande parte do orçamento continua a ser canalizada para despesas de funcionamento, incluindo salários, aquisição de bens e serviços e encargos da dívida, limitando o investimento em áreas estratégicas como educação, saúde e infra-estruturas.
O Governo moçambicano propõe, para o próximo ano, um orçamento geral de 535,6 mil milhões de meticais, representando um acréscimo de 22,8 mil milhões relativamente ao orçamento de 2025. Cerca de 70% deste valor será destinado às despesas de funcionamento do Estado, evidenciando a importância de racionalizar e optimizar os gastos públicos.
O economista Júlio Saramala considera que o desafio não está apenas nos números, mas na capacidade do Estado de arrecadar receitas e aplicar os recursos de forma eficiente. “Mais do que expandir o orçamento, o Governo deve avaliar a sua capacidade de execução e a real necessidade das novas despesas previstas”, afirma. Segundo Saramala, Moçambique tem essencialmente duas opções para financiar o défice orçamental: aumentar impostos ou recorrer à dívida pública, sendo que ambas apresentam impactos negativos sobre a economia.
Saramala explica que o aumento de impostos reduz o poder de compra das famílias e limita o investimento privado, enquanto a dívida pública “acaba por competir com o sector privado”, num efeito conhecido como crowding out. O economista sublinha que o problema não está na falta de capacidade produtiva, mas na dificuldade do país em reter a riqueza internamente, devido a isenções fiscais, fuga de capitais e negócios realizados fora do país.
Para Saramala, a formalização do sector informal, que representa mais de 50% da economia e emprega cerca de 80% da população, é essencial para garantir uma economia de pleno emprego e aumentar a arrecadação sem necessidade de aumentar impostos. O especialista defende também uma reforma orçamental profunda, eliminando desperdícios e clarificando prioridades, garantindo que os recursos poupados sejam aplicados em sectores produtivos.
O economista Moisés Nhanombe alerta para os riscos fiscais e a necessidade de reformas no PESOE 2026. Ele considera que o baixo crescimento económico, a dependência de poucos sectores para a geração de receitas e a elevada dívida pública externa aumentam a vulnerabilidade do Estado face às flutuações cambiais e às taxas de juro internacionais. Nhanombe sublinha que aumentar a produção interna é crucial para reduzir a dependência externa e controlar o impacto das variações cambiais sobre o endividamento.
Para contornar essas limitações, o economista defende uma reforma fiscal ampla, incluindo o alargamento da base tributária, a formalização do sector informal e a racionalização das despesas públicas. “Os cortes e a redistribuição de recursos devem priorizar sectores com maior impacto social imediato, garantindo eficiência e transparência na execução orçamental”, afirma. Ele acrescenta que a diversificação das fontes de financiamento, equilibrando recursos internos e externos, bem como o desenvolvimento de parcerias público-privadas em projectos estratégicos, são essenciais para dinamizar a economia.
Segundo Nhanombe, estas medidas são fundamentais para assegurar que o PESOE 2026 seja executado de forma sustentável, promovendo arrecadação, investimento e estabilidade financeira do país. A implementação destas reformas permitirá que Moçambique dependa menos de ajuda externa e aproveite ao máximo a sua própria base produtiva, garantindo desenvolvimento económico sustentável e inclusão social.
Maior transparência e execução rigorosa do orçamento público
Em reacção às incongruências na Conta Geral do Estado 2024, os economistas Moisés Nhanombe e Júlio Saramala defendem a necessidade de maior transparência, monitorização e auditoria no processo orçamental, como forma de garantir a eficácia das políticas públicas e a confiança internacional. Ambos sublinham que, sem fiscalização rigorosa, é difícil assegurar que os recursos do Estado sejam aplicados de forma eficiente, evitando desperdícios e promovendo o impacto social e económico desejado.
Para os especialistas, é fundamental que o orçamento siga um ciclo integrado de previsão, execução e monitorização, com auditorias oportunas e alinhadas aos objectivos estratégicos do país. Apenas com uma execução planeada e transparente será possível reduzir a dependência de financiamento externo e fortalecer a autonomia fiscal de Moçambique.
O economista Moisés Nhanombe destacou que “em vários documentos orçamentais, temos visto discrepâncias entre o previsto e o monitorizado, entre as despesas declaradas e aquelas que são realmente efectivadas”. Segundo ele, essas inconsistências evidenciam problemas de transparência no Governo, afectando directamente o volume e a priorização das despesas públicas.
Nhanombe explicou ainda que, sem clareza sobre quais despesas são prioritárias, torna-se difícil avaliar o impacto social e económico de cada alocação de recursos. “Quando as despesas públicas não são transparentes, auditadas ou monitorizadas, acaba por afectar grandemente a sua execução e, principalmente, a priorização”, afirmou. O economista acrescentou que os processos de previsão, execução e monitorização devem ocorrer de forma alinhada, permitindo ajustes apenas quando respeitam as prioridades definidas.
O economista Júlio Saramala, por sua vez, destacou a importância de auditorias eficazes e de uma execução orçamental rigorosa. “O executor do Estado é o Ministério das Finanças, e o auditor é o Tribunal Administrativo. É assim como deveria ser. Dependendo de cada financiamento, pode vir algum auditor externo e até criar-se uma comissão independente de auditoria”, explicou.
Saramala alertou que a implementação de projectos nem sempre segue o planeado, lembrando que, de 138 indicadores previstos para 2025, menos de 50% foram efectivamente executados. “Quando olhamos para o orçamento do Estado, devemos questionar: se alguns projectos não forem implementados na sua totalidade, quem audita os valores correspondentes? É o Tribunal Administrativo. Mas, infelizmente, os timings nem sempre são ideais”, afirmou.
O especialista sublinhou ainda a importância de manter a confiança internacional, essencial para o financiamento externo do país. “Após bloqueios do FMI, tivemos recentemente a visita do CEO do Banco Mundial, assim como a do Millennium Challenge Corporation. É crucial que essa confiança se mantenha estável para garantir um maior balão de oxigénio para o país”, frisou.
Saramala alertou para os riscos de uma execução deficiente no contexto económico atual. “Estamos a atravessar uma recessão económica, devido a diversos factores, incluindo a tensão pós-eleitoral. Sem uma execução orçamental planeada e auditada, existe o risco de agravamento da recessão, aumento do desemprego, inflação elevada e desequilíbrios macroeconómicos. Ainda há muito a fazer para garantir que o orçamento seja implementado de forma eficiente e que o país retome o crescimento económico sustentável”, concluiu.
Os economistas reagiram desta forma durante o programa “O País Económico”, exibido pela STV, na noite de ontem.

