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É momento de pormos “likes” na convenção de Berna (?)

O ano é 2021. Depois das felicitações que auguram um ano próspero, chegam-nos, a partir das duas margens do Atlântico, pombos-correios e a correspondência que nos trazem não nos surpreende mas desola-nos e convida-nos a reavivar Mikhail Backtin, Júlia Kristeva e os tratadistas do famigerado Convênio de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas adoptado em 1886.

Realmente, a surpresa é de longe o que nos acomete nestes dias. Não é para menos: temos também poeira por sacudir e lá pelo piso em que o tapete pousa, vemo-la promiscuindo-se com actas de prêmios, matérias para litígios que resvalaram pelo também salutar acordo entre cavalheiros, enfim, é matéria para outra conversa.

Atemo-nos à desolação a que todos estamos acometidos sempre que desponta uma acusação de plágio mesmo que tal se faça entre a troca de acusações em que o acusado só o é quando no diálogo assume o papel temporário de receptor. A nós outros basta a auscultação do disse que não disse para abandonar a conversa e atentar-nos ao que realmente é material: a ter acontecido, é grave para um sistema literário que se quer sério. Neste caso, não nos referirmos, especificamente, ao da “banda do semba” e sim ao fenômeno em si que é, antes, humano e remonta as primeiras vivências do homem de tal forma que não é ao acaso que Eclesiates 1:9 sentencia: nada há que seja novo debaixo do sol.

Dirão os mais dados a suspeitas que nem Bakhtin nem Kristeva, ao falar de dialogismo e intertextualidade, respectivamente, não criaram apenas tornaram-se copistas daquele livro bíblico. Que se diga, para os radicais não foi algo novo a julgarmos pela intencionalidade. Ora, do ponto de vista de revolução conceptual, é até uma heresia questionar o contributo daqueles conceitos.

Deixem-me abandonar este ecletismo sob o risco de, num ano ainda em embrião, ser-me vestida a beca de advogado do diabo e coloquemos os traços nos ts: a intertextualidade é sublime; o plágio é vil; a disposição de textos sem registo nem possibilidade de arquivo que sirva de evidência é imbecil.

Benditos são estes tempos em que as redes sociais e outras plataformas virtuais permitem que os autores a seu modo e gosto se façam conhecer no mercado literário. Tristemente, nem tudo são rosas. Quantos textos são publicados em plataformas virtuais sem sequer registo? Quantos pseudoautores publicam textos alheios sem assinatura e a cultura do “share” os “canonisa” como sendo legítimos criadores? Quantos plágios ocorrem e minguam no simples facto de não haver evidências sobre a legitimidade das lamúrias do queixoso?

A estas podia, caro leitor, acrescer outras questões se lhe tivesse ocorrido um texto igual ou se pela via do plágio assinasse este mesmo texto mas como de praxe nestas “bandas” resolvíamos isso “cá entre nós”. Novamente, esta conversa não é para hoje.

Estas mesmas questões não só desnudam o nosso desaire pelo “like” sem nos atentar ao perigo da expropriação dos textos por farsantes como também reenvia a nossa conversa ao apelo que se devia fazer norma por parte da Sociedade Moçambicana de Autores no sentido de, primeiro, esclarecer aos incautos sobre as nuances da propriedade intelectual (ou direitos de autor, para ser mais específico) e, segundo, dinamizar o processo de registo dos produtos da criatividade e do engenho humano.

 

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