O 13.º livro de Paulina Chiziane – lançado esta quarta-feira em Maputo, diferentemente de outras 12 criações da considerada primeira romancista moçambicana – é de poesia. Tal como contestou que as obras “Balada de Amor ao Vento”, “Ventos do Apocalipse”, “O Sétimo Juramento” ou “Niketche” fossem romances, a escritora distancia-se do gênero poético neste novo livro. Para ela, a obra em causa é um conjunto de cantos, por isso, “Canto dos Escravos”.
A cerimónia bastante concorrida, com destaque para literatos, artistas diversos e de potenciais seguidores da “utopia paulinista”, trouxe à tona os cantos que a obra aborda na voz da actriz Lucrécia Paco e o seu acompanhante. Os dois prenderam a atenção da assistência por mais de 30 minutos, mas a performance foi bem desenhada que não chegou a fartar. Muito pelo contrário. No fundo, os dois – numa clara exposição daquilo que é a exploração do povo e a negação da identidade africana – apresentaram o pano de fundo desta obra de 120 páginas, que sai pela Matiko e Arte, com a capa e maquetização de Mauro Matsinhe.
A apresentação do “Canto dos Escravos” coube ao seu prefaciador, o crítico literário e filósofo Dionísio Bahule. Na sua locução, Bahule afirmou que Paulina faz-nos o convite para voltar para trás. “O voltar para trás em um sentido de consciência não sou histórica e social, mas também económica”. Para o filósofo, a obra de Paulina Chiziane leva-nos a nossa casa, que, numa linguagem metafórica, é de volta a casa do meu pai, onde nos revisitamos a nós e a nossa situação, para nos compreendermos como pessoas e para discernirmos em volta da nossa circunstância.
Bahule não se posicionou em relação a forma dos textos, nem sequer revisitou poemas. Afinal, o principal objectivo desta obra – tal como se traduz em toda escrita de Chiziane – é a mensagem final: a tomada de consciência em relação a nossa identidade, para que não permitamos ser escravizados.
A escravidão que a autora nos traz nesses tempos não é a física, mas a mental. Para a escritora, este livro é um pretexto para que qualquer pessoa se questione se é realmente livre ou escravo. É que, na colocação de Chiziane, não faz sentido que hoje nos falte pão e que as pessoas não tenham norte. “O canto dos escravos é exactamente uma reflexão: quem somos nós, para onde vamos, o quê que fazemos para preservar esta liberdade”, defende a autora.
O livro é inspirado no hino nacional, que destaca um dos excertos numa das primeiras páginas: “Nós juramos por ti ó Moçambique/Nenhum tirano nos irá escravizar”. O excerto supracitado foi o condão inicial para que Paulina, mesmo depois de jurar não voltar a publicar livro, ter-se aventurado novamente.
Com o seu discurso inflamado, Paulina criticou várias esferas da sociedade. Diz ser inconcebível que as pessoas se retalhem uns aos outros no lugar da unidade e harmonia. Independentemente da raça e do partido político de cada um, o importante – sugere Paulina – é que se desperte e que se lute pela liberdade que foge. Outro assunto que não fugiu a sua comunicação é a questão das dívidas externas: “como ela veio eu não sei. Mas eu sei que ontem, a escravatura e colonização veio planificada num território que não é o meu. Não estará a acontecer o mesmo? Por que não abrimos os olhos? Estamo-nos a matar porquê?”
O que Paulina não entende é o facto de nos anos passados termos ultrapassados crises piores, mesmo sem recurso, e agora com mais recursos não conseguimos ultrapassar este dilema. “É hora de despertar…”, reitera.
A plateia ficou atenta a todo instante, quem Paulina tratou-os de meninos e meninas, mostrando-os que o “Canto dos Escravos” é um diálogo de esperança, onde a solidariedade, independentemente das diferenças, é que vence. “Vamos todos cantar, todas as raças, todos os sexos, pessoas de todos quadrantes do mundo. E nós os moçambicanos vamos chorar juntos. Depois do choro, recobrar energia e reconstruir a esperança.
Como que a dar continuidade à narrativa de Chiziane, o rapper Azagaia – apoiado ao som da guitarra -, cantou o tema “Vampiros”. Aliás, toda assistência cantou junto, como que a concordar com os pronunciamentos dos artistas, de que realmente é hora de despertar.