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Do passeio nocturno da dona Mariana pelas ruas da capital…

Depois de desembarcar do “Chaimite” a dona Mariana  ficou atarantada, ofuscada pela intensidade das luzes da cidade. Os candeeiros públicos jorravam uma luminosidade branco-leitosa que conferia aos objectos o colorido do arco-íris.  Viaturas de todos os tamanhos cruzavam-se nas ruas e buzinavam sinfonias que jamais escutara. Os semáforos alternavam-se em cores e dialogavam em silêncio. Os motoristas entendiam as suas mensagens.

Ao princípio, estacou à saida do cais. Bússola orientadora não possuía, a não ser essa que o Valgi, num telegrama que em tempos lhe enviara: “ …da baixa da cidade  apanha-se o machimbombo número sete para chegar ao Xipamanine…”. A informação era mesmo telegráfica, porém esclarecedora. Atravessou a Praça MacMahon, em cujo jardim flores variegadas exalavam perfumes e cujas cores  carregavam o ambiente de uma garridice invulgar. Deixou o instinto guiar os seus passos. Demorou-se a contemplar a variedade e o exotismo dos produtos exibidos nas montras. Uma espécie de magnetismo imobilizava-a por longos momentos diante das montras de casas de especialidades, da Casa Coimbra, do John Orr’s, da Marta da Cruz e Tavares. Viu multidões a cruzarem-se em todos os sentidos. Uns envergavam trajes em moda e penetravam em cinemas onde iriam exibir-se filmes ou peças de teatro. Outros, abancados ao redor de mesas dos Scala ou do Continental sorviam goles de cerveja, trocavam as novidades do dia e discutiam a chave do Totobola. Deixou-se inebriar pela calidez do ambiente e pelo espectáculo da noite. Era uma sombra que descobria as portas de acesso a esta cidade tão cheia de enigmas, tão distante de tactear com a  mão, quão almejada de conhecer. A cidade de Lourenço Marques estava finalmente ali a seus pés, sentia-a vibrar com todos os seus ruídos, com toda a sua musica.

Ia a caminho das vinte e uma horas e o movimento nos passeios não dava sinais de abrandar.

Contornou esquinas. Leu nomes gravados nos pórticos dos prédios: Santo Gil,  Fonte Azul,  Macau. Identificou as grandes avenidas; a República,  a Dom Luís; deu uma voltar ao Mercado Municipal; conheceu as designações dos grandes armazéns: Gulamussein, Bucellato, Breyner & Wirth.

Nessa ronda sem destino e sem aperceber-se entrou na Rua Araújo. Ao longo dos passeios assistiu ao espectáculo de marinheiros abraçados a mulheres que, pelas indumentárias se associavam às “mulheres da vida”, de que muito se falava em Porto Amélia. Outras destas, percorriam os passeios da via com vagares, ou aguardavam o recrutamento dalgum cliente paradas à beira das esquinas. Em alguns dos estabelecimento alinhados na rua filtravam-se sons de melodias, executadas por orquestras ou de juke-boxes.

Nesta multidão de transeuntes um homem carregado de um trombone bloqueou-lhe o passo e perguntou:

“ Bô-noite. Estás livre?”

“ Eu não sou p… Desculpa-me lá meu caro senhor, mas eu não sou p…”.

“Então o que fazes a esta hora da noite aqui nesta rua?”.

“ Acabo de chegar do norte. Como não conheço a cidade resolvi dar umas voltas antes de ir ao meu destino”.

“Ah!, é nortenha? Vê-se mesmo que és novata aqui na cidade. E o teu sotaque não engana a ninguém. Qual é o teu destino?

“ Vou para o Xipamanine”.

“ É melhor ir andando porque os machimbombos estão quase a recolher”. E escoltou-a até ao terminal da carreira número 7, mesmo defronte à entrada da reitoria dos Estudos Gerais  Universitários de Moçambique.

Naquela hora das vinte e uma e trinta desembarcou na paragem do “Botão Dourado”. Com o auxílio doutros passageiros arribou à varanda da loja do Bhai, ao encontro doutras e mais empolgantes novidades.

in Caderno de Memórias, Volume II.

 

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