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Chang não será responsabilizado em Moçambique por crimes julgados nos EUA

O Procurador-Geral da República disse, hoje, que Manuel Chang não poderá ser julgado em Moçambique, pelos mesmos crimes já julgados nos EUA. Américo Letela explicou ainda que o julgamento do  antigo ministro das Finanças não trouxe nenhum benefício a Moçambique, tanto pela pena aplicada, como pelo ressarcimento ao Estado. “Como se pode constatar, a pena que lhe foi aplicada é

O Presidente da República, Filipe Nyusi, diz que a responsabilidade das dívidas ocultas deve ser partilhada com os credores, porque os mesmos tinham consciência do montante alto que estavam a dar a Moçambique.

Filipe Nyusi falava numa sessão de perguntas e respostas na cimeira da Commonwealth que decorre, em Londres, Reino Unido, e respondia a uma questão sobre as dívidas ocultas contraídas por empresas moçambicanas com garantias soberanas.

Filipe Nyusi falou também da exploração de gás em Moçambique, onde destacou que os benefícios estão garantidos para o povo moçambicano, na medida em que pelo menos 25% da produção do recurso deve ser utilizado internamente.  

 

Próxima semana, o ministro da Economia e Finanças vai a Washington para participar nas reuniões de primavera do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial. Maleiane esclareceu que não vai discutir a questão da dívida com as duas instituições financeiras, mas admitiu que a haver discussão com os credores será à margem das reuniões.

Na quarta-feira, a Renamo sugeriu que o ministro da Economia e Finanças levasse membros do Governo anterior para ir detalhar os contornos da contratação das dívidas ocultas, avalisadas pelo Estado e sem conhecimento do Parlamento.
“Moçambique é membro do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial desde 1984. De lá até agora estamos bem como membros daquelas duas instituições. E a forma como funcionam aquelas instituições, cada país nomeia o seu representante, que se chama governador. Para o caso de Moçambique o governador para as duas instituições é o ministro das Finanças e o governador suplente é o governador do Banco de Moçambique. Aquelas instituições organizam duas reuniões ao ano. Uma é de primavera, a outra acontece em Outubro. Esta de primavera é uma plataforma para trazer várias sensibilidades sobre políticas de desenvolvimento e balanças de pagamento. Nós vamos a Washington como governadores daquelas instituições. Naquela plataforma não se discute dívida. Não é um lugar para ir se discutir dívida. Todas as iniciativas de se discutir será sempre à margem”, explicou Maleiane.

As dívidas ocultas, que correspondem a 17 por cento da dívida pública global, não estão a ser pagas, mas o Executivo esclarece que tem estado a pagar normalmente a restante parte (83 por cento) da dívida pública. “Não é possível, neste momento, fazer este pagamento (dos 17 por cento da dívida pública, referentes às dívidas ocultas). Então, temos que encontrar alguma saída”, explica Maleiane.

O Governo diz ter contratado duas empresas que estão a negociar a restruturação da dívida com os credores.

 

De acordo com a apresentação feita pelo ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, cujo documento tivemos acesso, o Governo explica a necessidade da reestruturação com o argumento de que apesar do ajustamento fiscal empreendido, o serviço da dívida continua um grande fardo para as contas públicas.

Como proposta para a renegociação, o governo apresenta como linhas de reestruturação, a redução em 50% das taxas de juro, sobretudo no que diz respeito às facturas, incluindo as respectivas multas, cuja maturidade está vencida, e a transformação dos juros em capital.

Para a mesa negocial, Maleiane leva três cenários para a consideração dos credores. A primeira alarga a maturidade dos créditos em 16 anos, com as taxas de juro que vão de 2% até aos primeiros cinco anos, subindo para três até ao 10º ano e até 6% até ao final. A segunda opção alarga o pagamento por mais 12 anos, com uma taxa de juro que varia de 1,5% nos primeiros cinco anos, até 5% nos anos subsequentes.

A última opção, a considerada mais apertada para o país, aponta para um prazo de maturação de oito anos. Para este último caso, o Governo pede um considerável desconto do valor da dívida.

De acordo com dados do Governo, estão actualmente em atraso facturas no valor de 637 milhões de dólares, dos quais, 136 correspondentes à dívida da Ematum, 345 da MAM e 154 milhões da Proindicus.

 

 

 

A notícia foi avançada, hoje, pela agência Lusa, que citava um comunicado da Jubilee Debt Campaign, a organização que defende o cancelamento das dívidas dos países em desenvolvimento.

A petição assinada por 100 deputados do Reino Unido “expressa preocupação com os supostos empréstimos secretos concedidos pelos bancos com sede em Londres, em 2013, para empresas moçambicanas, com garantias do governo de Moçambique e sem aprovação do Parlamento”.

O documento “solicita medidas para garantir que todos os empréstimos concedidos pela lei do Reino Unido a governos ou com garantias governamentais sejam divulgados publicamente no momento em que são feitos e cumpram a lei do país em questão”.

Sarah-Jayne Clifton, directora da Jubilee Debt Campaign, referiu que “os credores e funcionários do governo que estão nos bastidores desses acordos ultrajantes precisam ser responsabilizados por suas acções”.

“O povo de Moçambique não deveria ter que pagar um centavo sobre essas dívidas secretas” e “qualquer credor que se sinta enganado deve procurar ser ressarcido pelos bancos que organizaram os empréstimos secretos”, ou seja, o Credit Suisse e VTB, bem como por qualquer pessoa que possa ter lucrado com os negócios.

Roger Godsiff, um dos deputados que assinou a petição, considerou como sendo muito preocupante que os empréstimos tenham sido concedidos sem a supervisão adequada do Parlamento moçambicano.

“No Reino Unido, precisamos reconhecer o nosso papel neste escândalo. A Autoridade de Conduta Financeira deve utilizar todos os meios à sua disposição para manter os bancos com sede em Londres para serem contabilizados”, referiu o deputado.

Ao mesmo tempo, considera necessárias “novas medidas para garantir que todos os empréstimos concedidos a governos pelas instituições financeiras baseadas no Reino Unido ou empréstimos concedidos de acordo com a lei do Reino Unido sejam divulgados publicamente”.

Segundo a agência Lusa, o ministério dos Negócios Estrangeiros britânico não respondeu se estava em contacto com as autoridades moçambicanas sobre o assunto. Já a entidade supervisora do sector financeiro (a Financial Conduct Authority) recusou confirmar a existência de uma investigação à conduta dos dois bancos.

A petição foi divulgada um dia antes da reunião entre o governo de Moçambique e os credores das dívidas ocultas, no valor de dois mil milhões de dólares.

Há duas semanas, o ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, José Pacheco, anunciou que havia “entendimento sobre como sanar a dívida” com o banco russo VTB. Mas esta informação não foi confirmada pelo ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, que negou a existência de qualquer acordo com o VTB.

 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou, esta semana, que o país estude a possibilidade de liquidar as empresas públicas que contraíram empréstimos sem os publicitar, depois de passar os activos dessas empresas para o Estado.

No âmbito das recomendações conjuntas do FMI e do Banco Mundial sobre a economia moçambicana, feitas ao abrigo do artigo IV do FMI, os técnicos defendem que o Executivo deve “apoiar o processo de responsabilização e resolver a questão dos empréstimos não divulgados da Ematum, Proindicus e MAM”.

Estas empresas contraíram dívidas, com aval do Estado, que estavam escondidas da contabilidade oficial, uma situação que colocou o país no centro de uma crise financeira devido à falta de capacidade de pagar essas verbas, conduzindo à quebra de confiança dos mercados.

No documento, os analistas preconizam que esta acção inclui, entre outras medidas, a definição de que uma parte dos empréstimos vai ser incluída no orçamento e outra fica nas empresas, e a disponibilização de “informação clara, abrangente e credível sobre o uso efectivo das verbas dos empréstimos e as práticas de preços exagerados”.

Por outro lado, os técnicos defendem também que o Governo deve garantir “a transferência para o estado dos activos de segurança das três companhias e considerar a viabilidade destas três empresas, estudando a possível liquidação depois da reestruturação dos empréstimos”.

Este conjunto de recomendações surge na sequência da divulgação das análises anual da economia de Moçambique feita pelo FMI ao abrigo do artigo IV, e inclui um conjunto de recomendações para melhorar a governação económica e reduzir o valor da dívida pública, considerado insustentável face à trajectória recente.

Entre as principais recomendações, está ainda, neste âmbito, a introdução de uma moldura de responsabilização orçamental e a gestão eficiente da riqueza proveniente dos recursos naturais, bem como a audição prévia do Banco de Moçambique sempre que uma empresa pública queira contrair um empréstimo acima de um determinado valor.

As contas das empresas públicas, aliás, são um dos maiores focos das recomendações, que defendem também a divulgação de relatórios trimestrais sobre os activos, os empréstimos e as contas não só das empresas públicas, mas também daquelas em que o Estado detenha participações e que podem afectar as contas públicas.

 

A antiga Primeira-Ministra, Luísa Diogo, defende que Moçambique e os parceiros de cooperação devem partilhar as responsabilidades decorrentes das dívidas ocultas contratadas por empresas do Estado. Diogo avança que Moçambique não fez tudo sozinho, na medida em que os empréstimos e a compra de produtos e serviços aconteceram no exterior.

Luísa Diogo, quando se referiu à responsabilidade, falava da solução do problema da dívida que divide o Estado moçambicano e os parceiros de cooperação, particularmente, o grupo dos 16 países e instituições que apoiavam directamente o Orçamento do Estado (OE).

Recorde-se que desde 2016 os parceiros de cooperação suspenderam o apoio directo ao OE, devido ao problema da dívida não esclarecida e que foi contraída sem o conhecimento da Assembleia da República (AR).   

 

O Bastonário da Ordem dos Advogados considera estranho que o processo sobre dívidas ocultas, aberto em 2015, ainda não tenha arguidos constituídos. Intervindo hoje na abertura do ano judicial, Flávio Menete disse haver necessidade de se tratar o processo devida seriedade, sob pena da justiça moçambicana cair em descrédito.

“Relativamente ao processo comumente denominado como o ‘caso das dívidas ocultas’, achamos que constitui um passo importante a remessa de informação ao Tribunal Administrativo”, disse para depois acrescentar: “convenhamos que, para um Processo de Instrução Preparatória identificado como sendo n.º 1/2015, sem arguidos constituídos volvidos três anos, mesmo depois do relatório da Kroll revelar que USD 500.000.000,00 (quinhentos milhões de dólares) tiveram uma aplicação desconhecida, é, no mínimo, estranho”.

No seu discurso, também abordou a questão da revisão pontual da Constituição, tendo referido que esta não deve ser feita para acomodar pessoas. “Não podemos correr o risco de proceder a alterações que se centram na acomodação de pessoas, subalternizando programas de desenvolvimento económico e social. É que, a criação de Assembleias Distritais pode ter um impacto financeiro grande”. E disse esperar que as propostas submetidas ao Parlamento sejam apreciadas depois de uma reflexão profunda em torno da matéria para não se correr o risco de se adoptar soluções precipitadas e inconsistentes, susceptíveis de gerar conflitos no futuro.

 

O Banco Mundial diz que a denúncia da dívida é um passo importante para que a verdade seja apurada. O representante da instituição, Mark Lundell, elogiou hoje a denúncia que a Procuradoria-Geral da República fez ao Tribunal Administrativo no processo sobre as dívidas ocultas.

Mark Lundell avança que esse é um passo para saber onde foram parar os 2.1 biliões de dólares da divida sem aval da Assembleia da República.

O director do departamento dos ratings soberanos da agência de notação financeira Fitch, Tony Stringer, alertou que o país deve resolver o caso das dívidas ocultas para voltar a ser um destino atraente para os investidores.

Em entrevista à Lusa, durante a passagem por Lisboa para a realização de uma conferência, o analista disse que “se Moçambique conseguir resolver a questão das finanças públicas e melhorar a confiança na sua capacidade para garantir isto, deve ser um destino relativamente atraente para o investimento externo”.

O país, criticou, “é uma história lamentável”, e está na classificação de RD – Incumprimento Financeiro Selectivo (Restricted Default, na terminologia original) “desde que foram descobertas as garantias estatais não identificadas a empresas públicas”. Isto, salienta o analista, “revela fraquezas significativas na gestão das finanças públicas”.

Apesar das críticas à gestão do processo que atirou Moçambique para o default por parte das três maiores agências de notação financeira, e que motivou o corte de financiamento por parte do Fundo Monetário Internacional e dos doadores internacionais, o director do departamento de ratings soberanos da Fitch diz, ainda assim, que há aspectos positivos na economia moçambicana.

“Há sinais bons em termos macroeconómicos: o crescimento está a recuperar, o potencial é grande devido aos recursos naturais e o país está a fazer progressos nos megaprojetos”, disse Tony Stringer, exemplificando que “a petrolífera italiana ENI assinou contratos que podem dar 7 ou 8 mil milhões de dólares em receitas nos próximos anos, e a Anadarko conseguiu alguns acordos com empresas chinesas” para a venda do gás explorado em Moçambique.

“A moeda está a recuperar”, acrescentou o analista, referindo-se à valorização do metical desde o segundo semestre do ano passado, depois de ter tido uma das maiores desvalorizações a nível mundial durante a segunda metade de 2016 e os primeiros meses de 2017.

Esta desvalorização do metical levou a um aumento proporcional do rácio da dívida pública face ao PIB, notou o analista: “Outra preocupação é que há muito barulho relativamente ao rácio da dívida sobre o PIB, porque uma proporção muito grande da dívida é em moeda estrangeira, e dependendo da evolução do metical, isso torna o rácio mais volátil”, disse Stringer.

Para o analista, “o maior desafio do país é, de uma forma institucional, lidar com as fraquezas da gestão das finanças públicas, focar-se em garantir que os atrasos nos pagamentos aos fornecedores não aumentam, porque isso prejudica e aumenta os problemas da dívida soberana e, por último, ter um sistema responsabilizante, no qual seja claro para os observadores externos de onde vem o dinheiro do Governo, qual o perfil da dívida e como fazem os pagamentos”.

 

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