O nível de endividamento do Estado moçambicano continua elevadíssimo, embora com algumas melhorias na última década, após a descoberta das dívidas ocultas em 2016. Depois de situar-se em 113% do Produto Interno Bruto (PIB), a dívida pública, contraída pelo Governo, reduziu até 84% em Setembro de 2024, duas vezes acima do recomendado (40%).
Os dados mais actualizados constam do Boletim Trimestral sobre a Dívida Pública, referente ao período de Julho a Setembro de 2024, publicado em meados do mês de Janeiro corrente na página electrónica do Ministério das Finanças, ex-Ministério da Economia e Finanças.
De acordo com o documento, no terceiro trimestre do ano passado, a dívida pública e garantida pelo Estado aumentou em cerca de 819,35 milhões de dólares em comparação com o segundo trimestre, ao passar de 16 532,04 milhões para 17 351,39 milhões de dólares.
O Governo de Filipe Nyusi, que cessou as suas funções no passado dia 15, considera que a trajectória de crescimento da dívida pública é influenciada, principalmente, pela dívida interna por si contraída, com maior ênfase para a emissão da dívida contraída a curto prazo.
Por seu turno, o recém-criado Ministério das Finanças refere, em nota publicada na sua página electrónica, que o Governo está empenhado em honrar as suas obrigações e continuará a gerir a dívida pública de acordo com a sua Estratégia de Dívida de Médio Prazo 2022–2025.
Segundo a referida nota, o objectivo do Governo é reduzir o serviço da dívida a médio prazo (em 2 a 4 anos) e melhorar o perfil de crédito do país. Por isso, no que diz respeito à dívida interna, diz que estão em curso reformas na estrutura e funcionamento do mercado de títulos públicos, com o objectivo de reduzir a eficiência e os custos de financiamento público.
“Essas reformas incluem, entre outros: introdução de leilões de troca de dívida; e, dinamização do mercado secundário através da introdução de novos instrumentos de emissão de dívida que permitam uma maior participação de investidores institucionais, famílias e particulares”, refere o Ministério das Finanças no documento publicado no dia 22 de Janeiro.
No que toca à dívida externa, o Governo de Daniel Chapo, empossado há menos de uma semana, diz que continuará a envidar esforços para negociar a dívida bilateral, a fim de alcançar os seus objectivos de gestão sustentável da dívida pública.
Lembre-se que, em Abril de 2016, a então directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, justificou a suspensão do financiamento a Moçambique com o facto de haver sinais claros de corrupção escondida por parte das autoridades do país.
Na altura, o Governo enfrentava uma grave crise financeira e de credibilidade no mercado internacional, devido à descoberta de dívidas secretas de aproximadamente 1,4 mil milhões de dólares. Como consequência, o FMI, o Banco Mundial, o G-14, grupo dos países que financiam o Orçamento do Estado, e o Reino Unido suspenderam a ajuda a Moçambique.
No entender do economista Firmino Xavier, é a referida crise, que vigorou entre os anos de 2016 e 2020, que criou espaço para o endividamento excessivo do Estado, dentro da economia nacional, tendo como credores as empresas privadas e as famílias.
“Nessa senda de endividamento, principalmente o interno, foram sofrendo as pequenas e médias empresas e as famílias que necessitam de financiamento para a realização dos seus investimentos. Então, esse crédito que devia ser alocado ao sector familiar e empresarial foi para o Estado”, referiu, na quinta-feira, Firmino Xavier, no programa O País Económico, da STV.
No entender de Xavier, dois anos são suficientes para o Governo tornar a dívida sustentável. Para tal, entende que é necessário alargar a base tributária, reduzindo ou isentando alguns custos para as pequenas e médias empresas para se licenciarem num período de seis meses.
“Nesse período, o Estado podia perder a curto prazo, mas ganhar a longo prazo, porque, depois da sua formalização, tais empresas poderão pagar impostos, o que poderá alavancar as receitas fiscais. Porque, neste momento estão a ser cobradas as mesmas empresas, daí que é preciso abrir espaço”, sugeriu o economista Firmino Xavier, como uma das medidas.
Outro aspecto importante para Firmino Xavier é a redução da burocracia e do período para a abertura de empresas. “Moçambique é dos países nos quais se leva muito tempo para abrir empresas. Na África do Sul, é só uma semana, em Ruanda são dois dias apenas. Porque nós temos de levar 30 dias ou mais de 60 dias?”, questionou.
Por seu turno, o economista Moisés Nhanombe entende que, além do alargamento da base tributária, é necessário fazer mais para reduzir o endividamento público excessivo. No seu entender, medidas de diversificação da economia são necessárias, bem como a criação de incentivos fiscais.
“É necessário criar incentivos fiscais para sectores que têm maior potencial de empregabilidade, para permitir que as famílias tenham mais empregos e salários, criando, assim, condições para o aumento da procura agregada e pagamento de mais impostos via IVA ou mesmo IRPS. Então, com mais receitas, é possível que o rácio entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) possa reduzir”, sugeriu o economista Moisés Nhanombe.
Por outro lado, Moisés Nhanombe entende que é preciso que o Estado corte as despesas desnecessárias, como pretende fazer o Governo de Daniel Chapo. “Penso que há um certo exagero nas regalias e nas despesas que o Estado incorre com tais regalias, numa economia onde mais da metade da população enfrenta uma pobreza extrema”, disse, sem assumir quanto tempo será necessário para atingir níveis de endividamento público sustentável.
De acordo com o Cenário Fiscal do Médio Prazo referente aos anos 2025 e 2027, publicado na página do Ministério das Finanças, a dívida pública atingiu 73,8% do Produto Interno Bruto em 2023, o que elevou os custos do serviço da dívida para 3,1% do PIB.
“Projecta-se que a dívida pública diminua para 67,2% do PIB em 2024 e continue esta trajectória de redução, alcançando 60,5% do PIB em 2025. Esta trajectória reflecte uma estratégia fiscal focada em superávits primários e sustentabilidade fiscal”, indica o relatório.
Dívida interna do Sector Empresarial do Estado aumentou no terceiro trimestre de 2024
O nível de endividamento público do Sector Empresarial do Estado (SEE), no III trimestre de 2024, situou-se em 22 086 milhões de Meticais, representando um aumento de 6,83% (1413 milhões de Meticais), face ao registado no II trimestre do mesmo exercício.
“Esta variação resulta da expansão do stock da dívida, tanto das empresas públicas em 8,12% (949,27 milhões de MT) como das empresas participadas em 5,16% (463,94 milhões de MT) comparativamente ao trimestre anterior”, avança o recém-extinto Ministério da Economia e Finanças no seu Boletim Trimestral sobre a Dívida Pública de Julho a Setembro de 2024.
De acordo com o documento, as empresas que mais se destacaram para o aumento da dívida interna foram: CFM, cujo saldo aumentou em 1278 milhões de Meticais (17,61%) decorrente da contratação de novos financiamento para investimento em equipamento; EMOSE, que contraiu um financiamento de 237 milhões de Meticais no âmbito da execução da garantia detida junto ao Banco Mais; e a LAM, pelo atraso no pagamento da prestação vencida em Setembro último, no valor de 207,25 milhões de Meticais.