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Devemos romper o silêncio que aprisiona a coragem 

Com os meus 21 anos, trabalhando como rececionista numa empresa e recebendo um salário mensal de 2.500,00 meticais entre os anos de 2000 e 2010, o Presidente do Conselho de Administração (PCA) da empresa, com 55 anos de idade, teve acesso às minhas informações bancárias e começou a enviar-me, no final de cada mês, um valor extra de 21.000,00 meticais. Quando me apercebi desta situação, procurei o PCA para questionar a razão por detrás do recebimento deste montante tão elevado, tendo em consideração o valor do metical naquela altura. Ele afirmou tratar-se de um incentivo, pois via-me como uma das suas filhas. Agradeci sinceramente, uma vez que a minha família necessitava de dinheiro e aquela ajuda não era ilegal. Esta situação repetiu-se durante mais 8 meses, e a cada final de mês ia ao gabinete dele agradecer. Contudo, numa dessas visitas ao seu gabinete, ao tentar expressar gratidão pelo cuidado do “meu pai” para comigo, ao dar-lhe dois beijinhos na bochecha, ele beijou-me nos lábios. Senti-me tão constrangida que saí do trabalho em lágrimas, incapaz de compreender como é que aquele que me via como uma filha agora me via como mulher.

Dias depois, ele procurou-me e confessou seus sentimentos, expressando a intenção de se casar comigo. Receosa de perder o emprego, pedi conselho à minha avó. Ao saber que ele era muito rico, ela aconselhou-me a casar com ele, justificando que a esposa se habitua ao marido, não necessitando de gostar, apenas habituar-se, e garantindo que eu me acostumaria a ele. Enganada, acabei por aceitar e casar com ele. Durante 10 anos, vivi um verdadeiro inferno, não por falta de amor ou cuidado da parte dele, pois tinha tudo o que alguém poderia desejar naquela época, incluindo viagens, carros de luxo e muito mais. Contudo, o facto de ele me tratar como pai durante o dia, protegendo-me e cuidando de mim, e à noite me querer como mulher, causava-me uma enorme confusão. Até certo ponto, devido ao carinho que tinha por mim, aprendi a vê-lo como pai. Quando ele me procurava como mulher, sentia-me violada pelo meu pai. Apesar da vida luxuosa, repleta de carros, viagens e tudo o que uma pessoa comum poderia desejar, a felicidade estava ausente. Entrei em depressão e busquei ajuda médica. Ao informar a minha mãe sobre a minha intenção de me separar, não obteve apoio; pelo contrário, chamou-me ingrata. Ao conversar com o meu marido, ele acolheu e compreendeu a minha decisão. Propôs comprar-me uma casa e sustentar-me, permitindo que me relacionasse com pessoas da minha idade, desde que estivesse sempre disponível quando ele precisasse. Recusei e separei-me.

Ouvir esta história despertou em mim uma revolta interna, pensando em quantas jovens têm a sua inocência roubada por homens com o dobro ou triplo da sua idade na nossa sociedade moçambicana. O caso que descrevi é menos grave pelo facto da jovem já ter atingido a maioridade. Contudo, há outras que são sujeitas a estas vidas antes mesmo dos 15 anos. Privadas da sua infância, são forçadas a casar e cuidar de um lar, mesmo necessitando de cuidados e proteção que deveriam ser providenciados pelos pais, mas são estes mesmos pais que as vendem e destroem o seu futuro em troca de bens e dinheiro. Moçambique, até quando continuarás a condenar as crianças e adolescentes a realidades como estas?

Recentemente ouvi o relato de uma adolescente de 15 anos que foi violada repetidamente por um homem de 47 anos. Apesar da denúncia, o agressor foi libertado, o que levou ao desespero da mãe da vítima. Não consigo ficar indiferente perante os gritos de socorro da mãe ao ver o agressor ser solto. Não pretendo abordar as questões legais deste caso, mas sim refletir sobre o quão difícil é ser jovem do sexo feminino em Moçambique. Aqui, os homens parecem ter carta branca enquanto as mulheres são relegadas a um pequeno espaço, sem direito a manifestar-se, como se, muitas vezes, a culpa da violação recaísse sobre a vítima aos olhos da sociedade. É frequente culpar as mulheres em casos de violação, insinuando que a adolescente provocou a agressão devido às suas roupas ou ao seu corpo. As mulheres vivem sem paz nesta sociedade.

Relatos como estes revelam as profundas feridas que permeiam nossa sociedade, onde o abuso de poder e a exploração destroem vidas inocentes. É tempo de unir vozes, de erguer-nos em solidariedade pela justiça e pela proteção dos vulneráveis. Devemos romper com o silêncio que aprisiona a coragem e silencia os gritos de socorro. Moçambique, o desafio é nosso, de cada um de nós. Que estejamos dispostos a agir, a nos educar e a proteger uns aos outros. Que a luz da verdade dissipe as sombras do medo e da injustiça. Que cada passo em direção à igualdade e ao respeito seja um farol de esperança para as futuras gerações. O tempo de transformação é agora. Façamos juntos história, erguendo-nos como agentes de amor, justiça e mudança.

Para repudiar este comportamento e trabalhar em direção à mudança, é vital promover programas educacionais e de consciencialização e defender a implementação e aplicação de leis mais rigorosas para proteger as vítimas de abuso e punir os agressores. Oferecer suporte psicológico e social às vítimas é crucial, assim como promover a capacitação económica e a autonomia das mulheres. Através destas mudanças e ações, podemos criar um ambiente mais seguro e protetor para aqueles que sofrem de abuso e violência. 

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