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Destinos escritos à negro (cor de pele)

Sou Filomena Matusse, nasci em Moçambique, sendo assim, moçambicana e negra, com a pele muito escura, marcada pelo sol cuja intensidade aumenta a cada dia. A exposição solar é inevitável, agravando a minha negritude, uma vez que tenho de ficar exposta a ele para garantir sustento para a minha família; e não posso arcar com os custos dos protetores solares, que já ouvi falar por ai, pois são caros demais para o nível em que me encontro, pois, minha situação financeira não é boa.

Nasci em meio à pobreza, um facto que procuro aceitar diariamente, mas que não me impede de sonhar com um futuro diferente. Entretanto,  não quero falar no momento da minha pobreza, pois não é culpa minha ter nascido nesta condição, quero falar de outra questão que inquieta-me e  é ainda pior que a pobreza a mau ver…

Desde jovem, fui testemunha da pressão imposta às mulheres da minha comunidade, província e país, que tentam clarear a pele. Eu própria, num determinado momento, sucumbi a essa tendência, utilizando cremes clareadores acessíveis, disponíveis inclusive nos mercados locais por 100 meticais. Inicialmente, julgava e condenava essas práticas, pois não compreendia a motivação por trás delas. Contudo, após reflexões e experiências pessoais, a minha visão mudou.

Moçambique é um país africano e a raça que predomina é a negra, entretanto não tenho paz na minha própria terra onde tenho o direito de ser negra e deveria viver a vontade…

Uma  experiência dolorosa foi a de uma gestora sénior negra de certa empresa, que, embora competente, foi substituída por uma colega  de pele branca, revelando uma hierarquia baseada na cor da pele. Estas situações evidenciam a desigualdade e discriminação persistentes, influenciando até mesmo o crescimento profissional e pessoal. Passo a expor: Uma jovem altamente capacitada foi contratada por empresários asiáticos em Moçambique para actuar como gestora sénior  na sua empresa, onde os funcionários eram maioritariamente moçambicanos e negros. A convivência inicial entre todos era harmoniosa e produtiva. Todavia, tudo mudou quando o chefe da jovem decidiu contratar duas raparigas também asiáticas para a mesma empresa. Embora as novas funcionárias fossem fluentes em português e simpáticas, o chefe começou a introduzir divisões entre os colaboradores, separando-os pela cor da pele. Ele instituiu regras segregacionistas, tais como direcionar os negros para um lado e os brancos para outro, inclusive designando utensílios diferentes para uso de acordo com a cor da pele. Esta atitude discriminatória gerou desconforto no ambiente de trabalho.

A gestora, injustamente, foi removida do cargo sem motivo aparente para que uma das novas funcionárias brancas assumisse a posição, embora a gestora negra fosse mais competente. Esta era responsável por treinar as novas funcionárias e ensinar o sistema de contabilidade e gestão da empresa, inclusive as duas raparigas asiáticas foram instruídas por ela. Esta situação levou a jovem negra a concluir que, infelizmente, naquele contexto, a cor da pele parecia determinar a hierarquização e as oportunidades de trabalho, acima das qualificações e competências académicas. Este triste desfecho levanta a questão de como as desigualdades e preconceitos raciais ainda influenciam significativamente o ambiente profissional, mostrando que, para algumas pessoas, a pigmentação da pele pode influenciar injustamente as suas carreiras e oportunidades.

Este foi apenas um relato de muitos que poderíamos trazer, porque a discriminação racial é uma realidade na nossa sociedade, é fácil de ver as varias manifestações no nosso dia a dia, desde o acesso as oportunidades, até as suas formas mais graves. 

O preconceito baseados na cor da pele e a discriminação geram divisões e desigualdades profundas na sociedade. Observa-se que, mesmo dentro da comunidade negra, a tonalidade da pele frequentemente determina a hierarquia e o tratamento recebido, perpetuando padrões de opressão. Estas experiências refletem a complexidade e as feridas causadas pela discriminação racial, questionando se a opressão vivenciada resulta, em alguns casos, na perpetuação do ciclo de discriminação e divisão entre os próprios indivíduos de uma mesma comunidade.

A discriminação racial é uma realidade insidiosa que permeia a sociedade de forma profunda, criando divisões e desigualdades que prejudicam a todos. É imperioso reconhecer e confrontar activamente o racismo em todas as suas formas, desde os actos mais evidentes até as estruturas institucionais que perpetuam a injustiça. Apenas com consciência, empatia e acção conjunta podemos construir um mundo mais justo e inclusivo, onde a cor da pele não determine o valor ou as oportunidades de um indivíduo. Façamos a nossa parte para promover a igualdade e a diversidade e lutemos juntos contra o racismo em todas as suas manifestações!

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