Desde que o ano começou, em Moçambique, nota-se um movimento que pretende celebrar o centenário natalício de José Craveirinha. Nelson Saúte e Mia Couto, esta terça-feira, na Fundação Fernando Leite, em Maputo, de algum modo, também fizeram parte dessa pretensão. Partindo dessa necessidade de pensar a obra do poeta da Mafalala, os dois escritores concordaram na seguinte ideia: “De nada vale celebrar o centenário de Craveirinha se a obra continuar pouco conhecida”.
Num encontro com estudantes de Literatura Moçambicana, da Universidade Eduardo Mondlane, Nelson Saúte procurou homenagear José Craveirinha, lendo-lhe a obra canónica toda, desde Chigubo a Babalaze das hienas. Nesse exercício que aconteceu na Fundação Fernando Leite Couto, na Cidade de Maputo, o escritor e editor tentou sublinhar os poemas menos conhecidos do poeta da Mafalala, no entanto, que mostram a sua grandeza e a sua capacidade de construir metáforas e de estabelecer imagens.
Para Nelson Saúte, Craveirinha é daqueles poetas cuja língua e cujas capacidades são resplandecentes. “De facto, ele é um dos grandes poetas da língua portuguesa”. Por isso, “Eu tentei mostrar o melhor Craveirinha, que é o Craveirinha desconhecido. O mais conhecido é aquele que é, eu diria, a voz dos povos oprimidos, dos poemas alegóricos. Mas há um Craveirinha lírico e intimo que é extremamente interessante e instigante. E é esse poeta que eu tentei hoje recuperar e ler para este público jovem, para que o conhecesse”.
Saúte concorda que a importância de Craveirinha também advém de ser um poeta da nação, que lida com questões identitárias. Mas, mesmo esse, é pouco conhecido. O apelo que fez, no final da conversa com os estudantes de Literatura Moçambicana foi que todos voltassem a ler e a estudar Craveirinha. Dito isso, Saúte referiu-se então a melhor homenagem que se pode fazer a um poeta: “A melhor homenagem que se pode fazer a um poeta, não são as proclamações e as celebrações, mas é lê-lo”, afinal, tal como sustentou Mia Couto, “De nada vale celebrar o centenário de Craveirinha se a obra continuar pouco conhecida”.
Publicações póstumas
Existem livros publicados a título póstumo de José Craveirinha. Isso, no entanto, não é necessariamente uma boa notícia. Aliás, Nelson Saúte tem uma opinião clara sobre o assunto. “A publicação de obra póstuma é sempre problemática, se não for acompanhada de estudos que possam intermediar essa obra com o público. No caso, aquilo que eu discuti foi a publicação de textos que já tinham sido canonizados. E dei alguns exemplos. Três poemas que estão no livro Karingana ua karingana, que são versões que o poeta estabeleceu como acabadas, aparecerem num outro livro, Moçambique e outros poemas dispersos ou no livro O Plebiscito”. Segundo Saúte, trata-se de versões anteriores àquelas dadas como terminadas. E, como se na bastasse, são versões menores. “Isso, aparecer sem nenhum enquadramento, é problemático”.
Já a terminar, Saúte referiu que, quando se trata de publicação de livros a título póstumo, um prefácio que explica os critérios e as razões da publicação é importante. “Publicar, simplesmente, poemas dispersos do poeta, sem enquadramento, eu acho problemático, sob perspectiva crítica”.
No encontro com os estudantes de Literatura Moçambicana da UEM também esteve presente Mia Couto. O escritor lembrou que Craveirinha foi tão complexo e tão diverso que é preciso conhecê-lo nessa grande diversidade. “Ele foi poeta do amor, da luta, da descoberta da nação moçambicana, africana e humana. Mais do que esses poemas emblemáticos que muitas vezes não dão conta desta grande diversidade que ele foi, destes vários Craveirinhas, melhor contar com quatro ou cinco poemas que os estudantes e os jovens possam pegar nisso como qualquer coisa que os ajude a descobrir a si próprios”. E criticou: “Nós somos muito produtivos no esquecimento. Ele é o nosso grande poeta, a nossa maior referência. Qualquer nação constrói esses grandes pilares, esses grandes nomes”.