100 páginas fazem a quarta obra literária de Dany Wambire: A mulher sobressalente. A coleccção de 10 contos será lançada em Minas Gerais, no Brasil, a 1 de Maio, no âmbito da 13ª edição do Festival Literário Internacional de Poços de Caldas (Flipoços). Na verdade, Wambire volta a participar no festival depois de, ano passado, lá ter estado acompanhado por outros autores moçambicanos: Paulina Chiziane, Ungulani Ba Ka Khosa, Mbate Pedro, Sangare Okapi e Lucílio Manjate.
Ainda que já tenha lançado o seu primeiro livro no Brasil, A adubada fecundidade e outros contos, desta vez, o escritor leva um título inédito, com uma mão cheia de contos que retratam a mulher, enlevando a condição do eu feminino enquanto poder de resistência, de força e de busca pela liberdade. Com a temática que envolve alguns textos e mesmo com o título da obra, Dany Wambire problematiza a ideia de a mulher ser, muitas vezes, tratada como um sujeito secundário, ou seja, sobressalente, numa clara analogia com o pneu que é guardado apenas para determinadas circunstâncias.
Ao questionar uma realidade, nas narrativas da obra, a personagem feminina consegue superar-se, em alguns casos. Mas noutros, nem por isso. Algo propositado. Com certos desfechos, o que mais excita Dany Wambire é a possibilidade de deixar ficar um espaço de reflexão à volta do qual os leitores podem pensar sobre um conjunto de situações que muitos julgam ser normais. Para contrariar essa normalidade quase institucionalizada, o escritor investe na inserção de passagens que revelam como se perpetuam a subjugação da mulher.
A mulher sobressalente (cujos títulos de alguns contos são “O linchamento dos dólares”, “O bêbado corrigível”, “Melissa”, “O analista drogado”, “Casal de brincadeira”) foi escrita em três meses, logo depois da participação no Flipoços do ano passado. A obra foi escrita na Beira, onde o autor vive, mas há uma influência de perspectivas adquiridas no Brasil.
Além de lançar sua obra mais recente no Flipoços, e, claro, na sede da editora Malê, a que chancela o livro, Dany Wambire vai envolver-se em mais actividades literárias no Brasil, como palestras e conversas (sobre o seu percurso literário, seu envolvimento na Associação Kulemba e na revista Soletras) com estudantes de algumas universidades: de Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Tudo isto faz parte de uma eterna luta, a de levar o livro a mais leitores. “Estas oportunidades dão-nos força para continuarmos a produzir, porque, às vezes, ficamos divididos, interrogados sobre se vale ou não a pena escrever. Este tipo de eventos dá-nos a sensação de que o que produzimos tem algum valor. Por essa razão, sinto-me sortudo por, sendo tão jovem, estar a gozar este tipo de oportunidade, afinal, eventos como Flipoços ajudam-me na construção do meu processo de escrita. Nestes eventos recebo mais do que partilho”, confessa Dany Wambire, que vai ficar duas semanas na América.
Depois de gozar o Flipoços, Wambire regressa à pátria amada, onde vai lançar o mesmo livro no Centro Cultural Brasil-Moçambique, em Maputo, no dia 15 de Maio, no entanto, sob a chancela da editora Fundza, sedeada na Beira.
A mulher sobressalente nas vozes de Mia Couto e Paulina Chiziane
Mesmo antes de ser publicado, já há leituras feitas à nova obra de Dany Wambire. Sobre os contos de A mulher sobressalente, Mia Couto escreve: “A pretexto de um retrato do quotidiano da chamada “periferia”, Dany Wambire constrói uma narrativa leve mas atenta, irónica mas profundamente crítica, universal mas profundamente enraizada. Nestes contos está uma nação inteira”.
Paulina Chiziane também não resistiu a comentar A mulher sobressalente. Na óptica da escritora, Dany Wambire é um imbondeiro que brotou nas margens do Rio Chiveve, cujas raízes crescem gradualmente e já começam a atravessar as fronteiras do mundo. “Dany Wambire constrói os seus contos com suavidade, como quem tece as frágeis pétalas das flores. Muito cedo descobriu-se intérprete dos sonhos mais profundos da sua gente. O grande alcance de Dany é tanger, com olhar crítico, os eternos dilemas do ser humano, sempre gravitando entre a ordem e o caos, sonhos e ilusões, conflitos e preconceitos com que a sociedade foi construída. (…) Em cada página do seu livro, vai narrando os enganos e desenganos da sociedade, mas sempre na perspectiva de construir um mundo mais humano”.
Martins Mapera, poeta e ensaísta, a exercer, actualmente, a função de Director da Faculdade de Ciências Sociais e Humanidades da UniZambeze, no prefácio do livro é categórico: “A mulher sobressalente é, no mais sensato pensamento crítico, uma grande sala de aula onde se aprendem as principais lições de cosmogonia social”.
Outras participações no Flipoços
A 13ª edição do Flipoços, com o lema “A literatura & outros saberes” pretende homenagear a língua portuguesa, e vai ainda contar com a presença de mais um autor moçambicano, Manuel Mutimucuio, quem irá lançar seu livro de estreia: Visão, publicado em Moçambique ano passado, pela Fundza.
Além de Moçambique, estarão ainda os autores João Pinto Coelho e Patrícia Portela (Portugal), a documentarista Ana Ventura Miranda, que vai apresentar o documentário “Portugueses no SoHo”, sobre os portugueses que vivem em Nova Iorque.
A 5 de Maio, Dia da Língua Portuguesa, Dany Wambire e Manuel Mutimucuio participam de uma roda de conversa especial, com os autores João Pinto Coelho e a brasileira Andréa Del Fuego, vencedora do Prêmio José Saramago com o romance “Os Malaquias” e que ano passado participou na Feira do Livro de Maputo, organizado pelo Conselho Municipal local. A mediação será feita pela escritora e pesquisadora Susana Ventura.
O Flipoços é realizado pela GSC Eventos Especiais e acontece de 28 deste mês a 6 de Maio.
Perfil
Dany Wambire nasceu em 1989. É mestrado em Comunicação e licenciado em Ensino de História. É autor de A adubada fecundidade e outros contos, distinguido com menção honrosa no Prémio Internacional José Luís Peixoto (2013); O curandeiro contratado pelo meu edil, colectânea de crónicas; Quem manda na selva, infanto-juvenil e A mulher sobressalente.