O País – A verdade como notícia

Por: António Cabrita

Não há quem, tendo nascido pobre, não inveje a glória de François Villon, essa unidade de poeta e foragido que fazia despontar no vate francês o lume do verbo e a coragem dos intimoratos. Porque quando se nasce pobre e se alcança, não obstante a má posição da linha de partida, um inegável manejo das formas do espírito, não há como transigir com as pequenezes do mundo, com a preguiça e mediocridade que atapeta o chão dos que sabem o preço de tudo, mas não conhecem o valor do que importa.

Daí que, em todas as suas modulações, seja incandescente o percurso de José Luiz Tavares, sem receio da polémica e do sarcasmo quando é preciso, mas também generoso e de uma grande justeza ética. E lembremos aqui a advertência de Wallace Stevens: «a nobreza da poesia “é uma violência interior que nos protege da violência exterior”». E mais não se peça a José Luiz Tavares, porque é daqueles que transporta o fogo e isso, a prazo, é o que dá conforto e fertilidade à morada dos homens. O resto é o gosto fátuo das farófias.

Mais coisas o ligam a Villon, assim como a Nicanor Parra, o poeta chileno com quem José Luiz se farta de conversar nas páginas deste Perder o Pio a Emendar a Morte e em primeiro lugar a “gravitas” que lhes chega desse íntimo convívio com a noção de que a vida (a própria) é perecível e não existe outro mundo para a troca, o que empresta à expressão um carácter de urgência e a busca de uma exatidão na estocada, posto ser demasiado incerta uma segunda oportunidade.

Nicanor Parra que, apesar de ter vivido acima dos cem anos, fez sempre do poema uma ferida coçada até ao osso e construiu a sua obra contra as miragens, contrapondo à dor humana o rosto da dignidade de quem a esta não se furta, desconfiava da metáfora, mas não da parábola e escreveu em 1971 um extraordinário Sermones y Prédicas del Cristo de Elqui, uma espécie de evangelho dos decaídos.

É este o livro com quem José Luiz mais conversa, neste seu testemunho dessa clausura-rente-ao-requiem-coletivo que foi o covid, não só tomando de Parra a epígrafe do livro, como denunciando logo no terceiro bloco deste longo poema quem nele se invoca, ao mesmo tempo que nos apresenta o mote:

3.
Muitos de vós achareis intoleráveis/estes poemas, mas eu que desci da cruz/para retomar a minha caminhada pela terra, /em verdade vos digo: em seu tosco engenho, /são a reencenação das minhas palavras/
há muito descuradas. //Não querem curar um mundo de maleitas, /como quem traz pastilhas para a tosse/ (esses foram sonhos adolescentes, há muito/enterrados lá atrás), mas arreganham-se contra/a humana hipocrisia, leitor, mostrando os dentes/sanguinolentos ao insuportável mote de/ «fraternidade na desgraça». (Eu próprio não disse, /
imperativo, não vim trazer a paz, mas a espada?) //Por isso não sussurram enternecedoras melopeias, /mas o desabalado som do desmoronamento, /
fugindo porém, sempre, ao melodramático, /ao trágico sem vísceras, cultivados /pelos soleníssimos vates da república. /Expulso [cedo] duma ciência dos deuses, /eu arranco as pedras dos baldios da vida /para fazer a contabilidade dos desastres, / (…) pois se o deus diz «põe», o poeta contrapõe, /e nem consente o disfarce de divindade, /
porquanto maior audácia é abrir as comportas/do corpo e sentir nas vísceras essa negra água/– é no estremecimento do fim/que a vida acena ao que apenas sobrevive/no fundo inferno das palavras.

Perder o pio a emendar a morte, como se atesta na nota final ao livro foi «Escrito em março/abril de 2020, durante o primeiro confinamento da pandemia. Retomado em fevereiro de 2021, enquanto o autor padecia de infeção pela covid 19.» O que evidencia que a sua escrita foi contígua à de Um preto de Maus Bofes, o livro inédito que fecha a edição da sua obra (in)completa, recentemente publicado, escrito de Janeiro de 2020 e recapitulado em 2022.

Seria útil um paralelismo entre estes dois livros, mas não temos agora o tempo. Fica prometido. Refira-se apenas que os dois livros perfilham um verso terso, viril, e petiscam a gosto no pires da retórica, sendo que a ambos serve o leitmotiv lavrado em Perder o Pio a emendar a morte:

«Cercado pela peste/ (alguns chamam-lhe/ humanidade) / declarando o poema/ credo mudo/ contra o medo/ sem a ilusão de que vás gerar/ uma qualquer revolução/ com póstumo entusiasmo/ lanças-te à batalha»

Alguns chamam humanidade à peste, explicita o poeta, recordando aí que de uma batalha perpétua se trata e que o percurso da pandemia apenas a desvelou.

Mas falemos antes de mais das correntes alternadas que se divisam no trabalho poético de José Luiz Tavares:
na primeira que poderíamos apelidar de A Vingança de Caliban, José Luiz Tavares apropria-se da língua do antigo colono e faz dela uma festa, no sentido em que quase podíamos evocar aqui o dito de Joseph Brodsky sobre Derek Walcott quando lembrou que o poeta em inglês que melhor prodigalizava a língua era um negro da Martinica. Com os seus primeiros livros, José Luiz (daí o «z» do relâmpago que adotou para o nome) desperta a língua do colono, renova-lhe o brilho;
temos uma segunda corrente alternada, que se diria sob o signo de Ariel, no sentido em que José Luiz Tavares também acrescentou luz ao rincão doméstico, na zona aonde ainda prevalecia a penumbra, a qual corresponde ao labor extraordinário com que o poeta com as suas traduções de Camões e de Pessoa para o crioulo potenciou a sua língua mãe como língua literária, forçando os seus limites expressivos e morfossintáticos, de modo a torná-la mais maleável e enriquecida.

Não esqueçamos que se a coloquialidade dá a medida repentista do veio colectivo, do que é imediatamente partilhável, só o trabalho vigilante da imaginação singular, na sua mescla de invenção e memória, transforma a língua numa liga de virtualidades literárias e endereçada ao futuro. E para isso é preciso forçar as medidas do recipiente que toda a língua é, até se soltarem os ferrolhos dos sentidos pré-fabricados e a imaginação então correr livremente em novas torrentes. Depois de realizar com o seu trabalho de tradução uma verdadeira translação na sua língua, dotando-a de novas ferramentas, José Luiz Tavares produziu a sua primeira (e não é pequena) obra nela: É ka Lobu ki Fase, já inteiramente escrita em cabo-verdiano;
da terceira fase da obra de José Luiz Tavares temos um exemplo neste volume que agora se lança, onde o seu pertencimento já não é só a uma terra ou a uma língua, mas ao mais vasto e universal território do humano, com uma pauta antropológica que segue o sulco no universal. É o que eu chamaria a fase de Próspero – para fechar o cerco às personagens de A Tempestade, de Shakespeare.

Com uma particular e impensável habilidade, José Luiz Tavares entrelaça as sombras de Nicanor Parra e de Martin Heidegger, no sentido em que estes versos assumem sem ilusões ou receio a condição de sermos um ser-para-a-morte, mas dignificam esse pleito existencial ao assumirem o confronto, sem rebuço de se adiantarem na «contabilidade dos seus desastres». Neste pleito, o poeta nem dispensa assumir uma veia imprecatória contra os poderes terrenos e os divinos, como se realça nos versos que abrem o quarto poema deste livro:

(Com a língua que se há de tornar pó)
viemos para escarnecer da mortalidade,
e, sobretudo, da imortalidade.
Escarnecer da mortalidade, porque por mais que as cinzas às vezes pareçam esbrasear ao contágio dos pirilampos será o comum a quem reivindica a lucidez como primeira salvaguarda, como antídoto, sendo esta lucidez proporcional ao peso da humildade que advém ao poeta. Mas Tavares acrescenta-lhe a necessidade de escarnecer igualmente, e sobretudo, da imortalidade. E aqui o desafio pia mais fino.
A covid, o confinamento, essa abrupta redução do homem às suas fragilidades e à medida exaustiva de uma solidão inesperada, espessa, material; situação que impeliu, consoante as experiências, o homem à derrocada ou à sua superação — eis o plateau ideal para José Luiz, muito nietzschianamente, nos oferecer nestas alentadas cento e cinquenta páginas um incomplacente desmantelamento dos mitos, inclusive os pessoais. Ora, veja-se o que se lê na página 149:
«Com a morte toda
na garganta,
despede-se aqui
o animal de pranto.»

O Cristo que dialoga connosco neste livro é todos nós, na orfandade que se segue à rebeldia de perguntar, Pai porque me abandonaste?, e é o poeta a sós com as suas derrotas e a valentia de as nomear com um máximo de sobriedade e despojamento; este Cristo é já Próspero que reabilitou com paciência e porfia a magia de operar a possibilidade de libertar-se de qualquer poder.

Entretanto, a covid metaforiza esse intrincado troço de medo que nos é incutido pelas emboscadas das circunstâncias ao longo do nosso trajeto, e respondendo ao desafio, em contraponto, Tavares ergue o seu campo de honra, o qual se funda numa verdade que só o poeta reconhece e que é o seu verdadeiro às na jogada: os poderes da morte não conseguem cancelar a primavera. O que valida uma ética, inscrita ao longo do livro, mas claramente explicitada no poema final:

Recorda-te/ que habitaste a casa da sombra/ para melhor compreenderes a claridade;/ e escondeste-te na pobreza e no silêncio/ para que fossem puro aço/ as palavras que cospem a tua boca. // Recorda-te/que não traficaste (…) / nem cedeste às volubilidades do corpo/ou às tergiversações do espírito, /mas resguardaste-te/ (…) Só a tua descrença te defende[u]/ das ciladas, / das grades que se elevam/ à altura da cabeça/para matar na boca/
tua fome de comunhão, / teu anátema à servidão, / teu desígnio livre de qualquer convenção.

Os poetas maiores não traficam. É mais uma vez o que cumpre José Luiz Tavares neste novo opus. Leia-se esta declaração de princípios no poema 11: «dizem-me para esquecer/ os delitos do coração/ as traições da mente/ as fraquezas da carne/ os descaminhos da razão// que estes tempos estão/ para além do bem e do mal/ e a vida passa encolhida/
e de olhos semicerrados// aqueles que isto dizem/ se de facto querem dizer/ alguma coisa que abanem/ a cauda aos cometas// e então poderão dizer/ aquilo que não dizem/ exatamente por saberem/ o que jamais ousarão dizer».

Eis um pronunciamento contra a heteronomia, no sentido de uma debilidade de caráter ou de dupla face que ocorre a tantos, em nome afinal dessa patética «vida encolhida» que o poeta denuncia e cujo efeito, erróneo, nem sequer consegue mover «a cauda dos cometas». E este apontar de uma falta, de pequenez moral correspondente à falta de uma ideia que se convertesse em desígnio, alastra do comportamento individual ao coletivo, como se lê no fecho do poema 16: «Tenho de vos dizer, senhores: / eu sou dado às concretas matemáticas/ (mesmo quando fiz de lírico estouvanado), /por isso acabai com essa ladainha a gabar/ o civismo deste povo e dizei-me em simples/ percentagem: quantos não arriscariam/ a própria existência do universo se lhes/ dissessem que muito poucos não serão/ vítimas e quase todos são carrascos?»/

No poema seguinte, o 17, acrescenta-se uma caraterística a esta falência moral, a facilidade com que os “cidadãos” se entretêm a «caminhar de costas». No fundo, a maior carência que o Cristo de Elqui, a figura tutelar deste livro, acusa nas figuras que retrata é a de lhes faltar um rosto.

E esse, na crença do poeta, é o trabalho do homem: edificar o rosto, mesmo que «no «derradeiro detalhe» constate «(…) que não basta uma vida de homem/ para o conhecimento do mundo, / porquanto, mesmo contíguo no tombo, / o mundo é sempre exterior à vida», mas vale aqui o que de dignidade se tracejou no intento.
E este combate neste livro arca ainda com as debilidades naturais, a do homem contra a pandemia e com os medos que lhe assistem. É o que faz deste novo livro do poeta um marco necessário.
Como Epicuro no seu jardim, José Luiz Tavares, não trafica, acolhe a consciência do sentimento trágico com a potência, a alegria do seu verbo. Regozijemo-nos.

 

O Prémio Camões deste ano foi atribuído à poetisa brasileira Adélia Prado, anunciou esta quarta-feira o Ministério da Cultura de Portugal.

“Adélia Prado é autora de uma obra muito original, que se estende ao longo de décadas, com destaque para a produção poética. Herdeira de Carlos Drummond de Andrade, o autor que a deu a conhecer e que sobre ela escreveu as conhecidas palavras ‘Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo…’, Adélia Prado é há longos anos uma voz inconfundível na literatura de língua portuguesa”, salienta o júri, conforme se lê no Observador, que nesta 36.ª edição foi composto pelos académicos Clara Crabbé Rocha e Isabel Cristina Mateus, a representar Portugal, Cleber Ranieri Ribas de Almeida e Deonísio da Silva, pelo Brasil, Dionísio Bahule e Francisco Noa, por Moçambique.

Com 88 anos, Adélia Prado tem uma dúzia de livros, entre poesia e ficção. Tem três livros editados pela extinta Cotovia: Bagagem (2002), o livro de estreia da autora, Com Licença Poética (2003) e Solte os Cachorros (2003), lê-se na mesma fonte.

Segundo o Observador, Adélia Prado nasceu em Divinópolis, Minas Gerais, Brasil em 1935, onde reside. É licenciada em Filosofia. Publicou o primeiro livro aos 40 anos, intitulado Bagagem (1976). Dois anos depois, edita O coração disparado, que é agraciado com o Prémio Jabuti. Estreia-se em prosa no ano seguinte, com Solte os cachorros, e logo depois publica Cacos para um vitral. Em 1981 lança Terra de Santa Cruz. Os componentes da banda é publicado em 1984 e, a seguir, O pelicano e A faca no peito. Em 1991 é publicada a sua Poesia reunida.

Em 1994, após anos de silêncio, ressurge com o livro O homem da mão seca. Em 1999 são lançados Manuscritos de Felipa, Oráculos de maio e a sua Prosa reunida. Em 2010 recebeu o Prémio Literário da Fundação Biblioteca Nacional e o Prémio da Associação Paulista dos Críticos de Arte. Na última semana, recebeu o importante Prémio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras.

O Prémio Camões, instituído por Portugal e pelo Brasil, em 1989, presta anualmente uma homenagem à literatura em português, recaindo a escolha num escritor cuja obra contribua para a projecção e reconhecimento da língua portuguesa.

A Companhia Nacional de Canto e Dança exibiu, na noite desta segunda-feira, o bailado dos 49 anos da Independência Nacional. Denominada “Moçambique Yetho”, a peça é uma criação da coreógrafa moçambicana Pérola Jaime.

Ao som da timbila, rasgava-se o véu e lá estavam os membros da Companhia de Canto e Dança, acompanhados pelas forças de defesa de Moçambique, para um retrato dos 49 anos da Independência Nacional. Perante políticos, críticos e curiosos, entre cânticos e danças, o grupo descreveu a história da criação da Frelimo, nascimento dos movimentos de resistência, luta contra o colonialismo e o desenvolvimento nacional.

Em duas horas, os artistas conseguiram traduzir o trabalho preparado em uma semana pela renomada e já reformada coreógrafa moçambicana Pérola Jaime. Denominado Moçambique Yetho, o bailado foi também uma oportunidade para o encontro das gerações de antes e depois da independência.

A interligação dos principais momentos do país trouxe à memória a resiliência do país em momentos difíceis, o que mereceu uma saudação especial do primeiro-ministro, Adriano Maleiane, que esteve no Centro Cultural Moçambique-China, em representação do Presidente da República.

“Quero em nome do chefe do Estado saudar e felicitar todos, sobretudo os artistas, porque são os que fazem o espectáculo acontecer”, disse Maleiane no seu breve discurso.

O vento saiu como desenhado, de acordo com os organizadores. “Foi muito curto tempo que nós tivemos, desta vez, para a preparação deste bailado, o que nos deixou com um grande desafio, uma vez que tínhamos o objectivo de trazer todo o contexto da história do país, desde a criação da Frelimo até à conquista da da independência. Era importante trazer na peça as figuras que suportam o país desde o início até esta parte”, disse Pérola Jaime, que revelou ter sido resgatada para esta missão irrecusável.

O evento é uma iniciativa do Ministério da Cultura e Turismo, que, para além do bailado, promoveu um espectáculo na parte exterior do Centro Cultural Moçambique-China.

“Para além de ser caminho para as comemorações da independência, o evento é o ideal para enaltecer os feitos que o país conquistou desde a proclamação da independência. Achamos que conseguimos superar as expectativas e conseguimos contar a história do país que se confunde muito com a história da Frelimo”, avançou Eldevina Materula, ministra da Cultura e Turismo.

Quando se pensa na arte produzida na era colonial, é impossível não mencionar o conto “Nhinguitimo”, incluso no livro Nós matamos o cão tinhoso, de Luís Bernardo Honwana. Publicado, pela primeira vez, em 1964, o texto não pôde distanciar-se das problemáticas próprias que os moçambicanos, naquela altura, estavam sujeitos: a humilhação, injustiça, racismo, desigualdades, e etc.

Licínio de Azevedo, reconhecido realizador nacional, adaptou a narrativa de Honwana em uma curta-metragem com o mesmo título, “Nhinguitimo”, que veio a ser projectado nos cinemas nacionais em 2021, tempos de pandemia, em que Jorge Ferrão fez a analogia de nhinguitimo (ventos) com a propagação do Coronavírus, justificando, assim, a razão de o filme ser produzido e lançado nos anos da pandemia.

Ao longo desta crítica, pretendo explorar um possível realismo que o filme nos apresenta ao terminar, sem conclusão, ou, em termos próprios, um final aberto, sem esquecer os vários aspectos que compõem uma curta-metragem: a trilha sonora, a fotografia, e etc.

O enredo começa a desenrolar-se com o protagonista, Vírgula Oito, arrebatado até aos confins da sua negra alma pela previsão duma colheita que enche palhotas, estômagos e olhos azuis. Partilhando a sua felicidade para com os amigos, é-lhe avisado sobre possíveis contornos relacionados à opressão colonial, em que um negro não assimilado, não educado e sem competência linguística, na língua do colono, nunca pode lograr sucessos e ter vida de “branco”.

Conforme previsto pelos amigos de Vírgula Oito, Maguiguana e Matxinguitana, o branco (Rodrigues, proprietário de uma cantina), depois de conversações com administrador, decide arrancar as terras dos moçambicanos, o que gera revolta em Vírgula Oito. Sentido-se injustiçado e ultrajado, nas suas próprias terras, tenta uma revolta colectiva que não sucede muito por conta da resignação dos outros camponeses. Por via disso, assume uma contrariedade incotrolável.

A obra áudio-visual de Azevedo, replicando um clássico da literatura moçambicana, não perde esse estatuto: preto e branco que vai revelando e/ou inserindo essa narrativa em algum lugar do passado colonial. Como, também, a fotografia nos vai possibilitando criar um sentimento apropriado. Tendo em conta que preto e branco, às vezes, pode representar tristeza, melancolia e alguma falta de “cor” da vida, os telespectadores vão-se preparando emocionalmente com as cores que compõem a obra.

A trilha sonora, aliada às cores, liberta sentimentos aos telespectadores ou espectadores, obrigando, assim sendo, a acompanharem a narrativa com expectativa, libertando emoções condizentes com cada momento do filme. A música incidental inicial, acompanhada por pios de pássaros, simboliza uma paz, tranquilidade e um aparente bem-estar, o que é justificado, posteriormente, com a excitação do Vírgula Oito. Mais adiante, outra sonoridade, mesmo de olhos vedados, permite que se perceba a iminência de um momento romântico, entre o protagonista e a Nteasse, a mulher com a qual sonha casar depois da colheita frustrada pelo branco. Outra música incidental prevê um evento específico do filme, intensificando as emoções, no clímax, entre gritarias e apelos à revolta. Aí fica a insinuação de que Vírgula Oito acaba de cometer uma grande asneira e irreversível.

Os elementos estruturais de uma narrativa estão presentes em “Nhinguitimo”: A incitação inicial, na qual se apresentam os personagens, e o contexto está bem colocado, a não apresentação da Ntease logo no íncio revela que o romance do Vírgula Oito é marginal.

O conflito, que é a apropriação das terras dos nativos, representa o obstáculo que o protagonista enfrenta para salvaguardar os seus intentos (ter boas colheitas, casar com a Ntease, vestir como patrão, ser bem sucedido, etc). As acções crescentes, como as reuniões entre nativos, dirigem o enredo até o clímax, em que o protagonista parece ter matado alguém, posicionando-se como um ponto intenso. A intensidade das acções aceleram quando Rodrigues é informado sobvre um eventual crime cometido por Vírgula Oito.

Ora, “Nhinguitimo” não apresenta um fechamento. Quer dizer, o filme termina, a história não. Os espectadores, depois de terminarem os minutos da curta-metragem perguntam-se, “o que aconteceu ao Vírgula Oito?”, “Como a história termina?”, “Vírgula Oito morre ou materializa a sua revolta e o desejo de fazer o uso das terras dos seus ancestrais?”. A falta de um fechamento propriamente dito cria uma certa estranheza no espectador mais tradicional, clássico e que espera sempre por uma moral no final.

Apesar de ser um clássico, “Nhinguitimo” rompe com os ideiais cinematográficos e narrativos da era clássica, com um final aberto. Para Bea Goes (2022), “o final aberto é o filme nos dizendo que não chegará num postulado sobre aquela reflexão; isto fica para o espectador”. Enquanto espera-se um final em que a ordem social e cósmica é restabelecida depois do conflito, o final aberto traz mais indagações e dúvidas do que respostas fixas, o que, pelo contrário, comprometeria a reflexão, enterrando a possibilidade de os telespectadores levarem a narrativa consigo.

O final de “Nhinguitimo” situa-se no nosso tempo (apesar de ser uma narrativa fictícia dos anos 60), no qual os seremos humanos são mais paradoxais e complexos, em que temos várias vozes, talvez anoitecidas, que nos desconstroem. As contradições que reflectem o humano actual são muito bem atendidas com o final do “Nhinguitimo”, além de ser um momento em que o (tel)espectador tem para criar e reflectir o seu próprio fechamento.

Por um lado, a falta de clareza no momento do suposto assassinato confunde os telespectadores, mas, por outro lado, pode ser uma valia para que o filme possa ser apropriado para telespectadores de todas idades, como também esconde a morte, a violência para a construção de uma sociedade mais pacífica.

A ambiguidade, a interpretação a cargo do espectador, a continuidade da história além do que é mostrado, a reflexão e o realismo que evidencia a complexidade da vida real revelam outras qualidades à curta-metragem. Por exemplo, a interpretação íntima da mensagem.

 

*Texto escrito no contexto da Oficina de escrita: crítica de arte, organizada pela Fundação Fernando Leite Couto, com a pretensão de estimular a crítica artística no país.

 

Nesta quinta-feira, às 18h30, o Instituto Guimarães Rosa, na Cidade de Maputo, vai apresentar uma leitura dramática de trechos do conto “A Hora e a vez de Augusto Matraga”, de João Guimarães Rosa, poeta, romancista, contista e diplomata brasileiro.

Segundo uma nota de imprensa, o evento, patrocinado pela Embaixada do Brasil em Moçambique, pretende comemorar os 116 anos de nascimento do escritor Guimarães Rosa, que dá nome aos centros culturais brasileiros no exterior e que é considerado um dos maiores escritores do século XX.

“O texto, um dos mais emblemáticos de Guimarães Rosa e considerado por muitos o mais bem realizado da obra Sagarana (1976), é uma narrativa onde o escritor entra em região quase épica
de humanidade e cria um dos grandes tipos da nossa literatura. Com adaptação e direcção de Venâncio Calisto, traz no elenco os actores Expedito Araujo, brasileiro radicado em Maputo,
Fernando Macamo e Ramadane Matusse. Contará também com a participação do saxofonista Sarmento de Cristo”, lê-se na nota de imprensa.

Narrada na terceira pessoa, a história é protagonizada por Nhô Augusto, homem cruel, que dá uma reviravolta na própria vida e se vê numa luta contra o seu instinto. O texto é marcado
pela violência, vingança e realidade dura do sertão de Minas Gerais e pela escrita com passagens pontuais, em que o narrador deixa o leitor perceber a fronteira entre a invenção e a realidade.

“A hora e a vez de Augusto Matraga”, no Instituto Guimarães Rosa, terá uma duração de 55 minutos, com entrada gratuita.

 

O Presidente da República distinguiu esta segunda-feira a coreógrafa e bailarina Pêrola Jaime em reconhecimento do seu contributo na cultura moçambicana, diz um comunicado da Presidência da República.

Além de se destacar pela dança, o Chefe do Estado reconhece também outras qualidades da também conhecida como “Diva da Dança”.

”A distinção da Pêrola Jaime pelo Chefe do Estado foi feita em reconhecimento da sua participação activa e relevante na vida artística e cultural moçambicana, nomeadamente, pela produção literária de reconhecido valor, pelo empenho destacado na transmissão de valores culturais através da literatura, pintura, escultura, cinema, fotografia, música, dança, artesanato ou teatro, pelo significativo contributo no ensino artístico e cultural, divulgação e promoção de artes e letras moçambicanas”, lê-se.

No mesmo documento, o Presidente da República reconheceu o contributo , no ramo empresarial de Rui Cirne Plácido De Carvalho Fonseca, antigo presidente do Conselho de Administração da empresa Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique, CFM, que foi distinguido com a “Ordem 25 de Junho, do 2º Grau”.

“Em reconhecimento dos actos meritórios e excepcionais, contribuindo para o desenvolvimento e funcionamento do Sector Empresarial do Estado, em particular, o ferro portuário, bem como o sector bancário.”

Rui Fonseca foi PCA dos CFM entre os anos de 1997 e 2010.

O saudosismo não é de todo mau! Quando uma nação pretende perspectivar o futuro, é necessário não perder de vista o seu ponto de partida, o seu percurso, os seus “achievements”, os seus pontos fracos e os seus erros.

Não é possível corrigir o que não se sabe e muito menos corrigir só por mera praxe, senão estragamos. Para corrigir, é preciso ver o quê, como, quando e quem o deve fazer…

Agarrar-se às boas práticas do passado, alguns chamam a isso saudosismo, com uma conotação negativa, como se tudo o que passou devesse cair ao esquecimento e nunca ser rebuscado.

No meu país, os fazedores da política e de políticas públicas parecem não ter feito parte do passado comum desta nação. Há um vício incessante de corrigir (estragar).

A correcção deve ter em vista a melhoria. Quando isso não ocorre, parar e recuar não é uma desinteligência. Muitos aprenderam de Jacques Derrida a ideia da desconstrução.

A desconstrução, para Derrida, é um termo positivo, que se insere numa ideia de reinventar a roda quando esta não está a girar como deve ser, desconstruir conceitos, lógicas, éticas sociais em busca de resolver os males da sociedade como uma colectividade.

Esta desconstrução tem como fim último trazer alento, novos conceitos, novas lógicas na forma de encarar e buscar o bem comum. Nesta desconstrução, não se deve deitar por completo o que está bem.

A desconstrução referida neste contexto é, muitas vezes, confundida quer por distração quer por vontade maléfica dos actores do processo ou por mera incúria.

O termo escangalhar foi normalizado e até visto numa perspectiva positiva nas hostes da política nacional.

Ora, desconstruir não é sinónimo de escangalhar. Podemos até tentar dar sentido positivo ao termo, mas não são sinónimos.

Na implantação da Primeira República (1975–1990), o termo escangalhar derivava de duas situações: a primeira situação, o abandono de toda a máquina colonial que assegurava a administração pública e todo o funcionamento da província ultramarina, que era Moçambique, deixando tudo à deriva, com necessidade de se dar um “reset” ao país e nação recém-criados. Aqui o sujeito era o outro, o que está a abandonar;

A segunda situação, que é da perspectiva de quem ficou, os novos “donos” do país no caso, era a de quebrar qualquer vínculo com o colonizador. Qualquer tradição e práticas coloniais tinham de ser abandonadas, criar o que é novo, até o homem. Perspectivava-se a criação do novo.

A educação foi encontrada nesta encruzilhada, tendo sobrado para ela a segunda opção, aqui entrava em cena o termo escangalhar com vista a criar nova coisa que se pretende boa para a sociedade, até porque há novos valores a implantar, há nova história a ensinar, há o rebuscar da cultura outrora marginalizada, etc…

Criou-se o famoso SNE, Sistema Nacional de Educação, Moçambique foi um exemplo e pioneiro na região.

Como em todos os processos, este também teve prós e contras, mas o que ressaltava, aqui, é que havia e se sentia vontade de criar algo sólido, com bases e objectivos claros.

Os envolvidos na altura, parece que tinham a intenção de desconstruir ou mesmo escangalhar com vista à melhoria. Podiam até fracassar, mas há sensação de que havia preocupação em construir um sistema que se pretendia sólido.

Havia honestidade intelectual. Pedagogos como Paulo Freire foram convidados para ajudar a melhorar de alguma forma este “bebé” recém-nascido.

Estavam bem definidas as competências básicas, requeridas por cada classe, o porquê daqueles conteúdos, o que visam alcançar… havia uma atenção especial para a educação, o foco no professor (embora ainda não fosse o desejável) como um dos pilares do processo de ensino-aprendizagem. Esta atenção perdurou um pouco para além da implantação da segunda República (1990).

Foi neste sistema implantado por Samora Machel, que perdurou até finais dos anos 90 e início do novo milénio, que uma boa parte da geração jovem decisora do país estudou, incluindo-me a mim, autor deste artigo. Arrisco-me a dizer que 90% (estatísticas não confirmadas) da geração de 1975 a 1990 estudou em escolas públicas e os estudantes das pouquíssimas escolas privadas existentes eram ostracizados e, infelizmente, discriminados devido à qualidade de ensino que se presumia existente lá. (Mas isso é o saudosismo puro meu).

A educação deve ser um espaço comum de uma nação que se preze. Deve ser lá, onde estão espelhados os valores mais sublimes de um povo. É lá onde se forja e se lapida o protótipo de sociedade, por isso a falha na implantação de políticas certas leva toda uma geração ao descalabro.
O que se pode construir em dez (10) anos, pode destruir-se num ápice, e o que se destrói em 10 anos pode levar uma eternidade a corrigir. A educação é um sector produtivo, sim.

Se por um lado é saudosismo falar das boas práticas sociais do passado viradas à educação, que perduraram até ao Governo do PR Joaquim Chissano, como o passe escolar, lanche escolar, os quadros de honra, os simpósios académicos, os exames orais (as famosas provas orais), as redacções, as resoluções faseadas das operações físicas, matemáticas e outras ciências (substituídas por multichoice), as olimpíadas académicas, o jornalismo escolar, a rigidez e a permanência dos curricula, entre outras práticas, deve ser também saudosismo referir que o estudante moçambicano era competitivo, era admitido “de caras” a qualquer universidade do mundo e ombreava com qualquer estudante de outras proveniências.

Não estamos a defender que a educação deve ser estática, parada no tempo. Não é esta a visão nem opinião que se procura passar. Ela deve, sim, ser dinâmica, evoluir e acompanhar os desafios dos novos tempos, mas sem abdicar das suas boas conquistas, nem deve ser vítima do seu dinamismo.

Os últimos 20 anos, foram de tentativas e experiências de curta duração neste sector, muitas delas sem se perceber a sua “ratio”, (é verdade que muitas delas foram impostas pelas políticas do Banco Mundial e outras organizações) experiências abolicionistas, mudanças só porque as devemos fazer, sendo que maior parte delas tem como alvo principal o professor.

Num ataque desenfreado, em que não interessa o dano colateral criado ao aluno desde que se atinja o suposto corrupto, o professor.

Isto não é fazer políticas públicas de um Estado, é preciso alto sentido de Estado, elevado senso de responsabilidade e de consequência.

Em Direito, diz-se que ao emanar-se uma norma/lei, é preciso a sua “ratio legis”, então qualquer norma, para além das suas razões históricas, deve definir o problema que esta norma vem resolver, isto é, a sua razão de ser, a “ratio legis”.

É difícil buscar as razões de ser de muitas normas emanadas ultimamente pelo MINEDH, dentre elas a
– Introdução da 7ª classe no ensino secundário;
– A eliminação das famosas provas orais – ainda não vislumbro, o que pretendiam acrescentar à educação!?
– A introdução de testes e exames 100% múltipla escolha – ainda não vejo os efeitos;
– A eliminação das dispensas dos alunos, factor que impulsionava a competitividade;
– A introdução do teste provincial – fomentou mais fuga de enunciados nas vésperas dos testes;
– A redução da carga horária em disciplinas de ciências e outras;
– A eliminação do exame de Desenho.

Mais caricato, houve anos em que o estudante escolhia que exames ele pretendia fazer, onde tinha a opção de escolher substituir o exame de Matemática pelo de Filosofia, totalizando cinco exames à sua escolha.

Ora, respeito de igual maneira as duas cadeiras, mas não acho que uma possa excluir a outra, não vejo a “ratio” disso. (ainda bem que se recuou com essa prática).

Todo o mundo fala da educação, fala do professor, mas ninguém fala com o professor. A sua participação no processo de elaboração dos curricula é insipiente e quase inexistente.

A educação não deve ser um lugar de sucessivos testes e experimentos mal concebidos, uma política educativa. Os curricula, os instrumentos e a atenção virados à educação devem ser construídos sobre bases sólidas, com alto sentido de Estado, com projectos bem definidos do que se pretende alcançar.

Uma nova política, directivas e curricula no sector da educação devem ser experimentados durante um período mínimo de cinco anos ou mais. Não se pode, a cada dia que nasce, lançar apenas ordens e alterações só porque o devemos fazer. É necessário existir a “ratio” destas novas normas emanadas.

O meu pai comprava-me os livros da 7ª classe, eu ainda na terceira classe, porque era uma certeza de que eu os ia usar.

Um simples estudante sabia o que lhe esperava quando chegasse à classe seguinte, quais os requisitos de admissão, dispensa, exclusão de todas as classes, ciclo, etc… Quais as matérias ministradas em todas as classes subsequentes e matérias examinadas, porque o sistema era sólido e com alguma previsibilidade.

Hoje, entristece-me que, para além do aluno, é também o professor que não sabe como e quais são os requisitos para admitir ou excluir o seu aluno quando chegar o fim do ano, porque só nas vésperas do exame é que as ordens superiores vão definir a nota mínima e as constantes ordens “vão todos ao exame”, o brilhante, o medíocre, o faltoso, o ausente e o inexistente.

Entristece-me ainda a falta de giz, material didático, energia, água, em escolas da cidade em pleno século XXI, entristece me que o aluno hoje não saiba retirar os dados, a fórmula resolvente e demonstrar os caminhos usados para a solução numa operação matemática simples, porque hoje já não é preciso, o estudante só tem de dizer se A, B, C ou D.

Moçambique deve ser exemplo único no mundo, onde passados alguns anos, quando regressamos para visitar as escolas que frequentámos, não registamos avanços, apenas retrocesso, escolas destruídas, tecto revirado… o que existia deixou de existir, o brilho esmoreceu… apenas nostalgia.

O professor está desanimado, debate-se com problemas básicos, do tipo dinheiro de transporte… toda uma classe desmoralizada. O professor que outrora era exemplo já deixou de ser, o pontual já não é, o motivado já desistiu.
É caso para uma reflexão profunda como sociedade, se o fruto da educação dos últimos 15-20 anos não estará hoje a tomar lugares de decisão em sectores nevrálgicos do nosso Estado.

Mais ainda, é a ausência da sociedade na fiscalização, monitoria, crítica, apoio à educação, que se vai destruindo perante o olhar impávido e cúmplice de todos nós.

Não existe um jornalismo investigativo na área da educação, não existe uma ONG de defesa da educação, as que existem são amigas da educação, amigas desta educação!

Assiste-se, nos últimos dias, ao encerramento de escolas por falta de pagamento de horas extras aos professores, sem nenhuma reacção enérgica da imprensa, da sociedade, dos escribas, dos pensadores, dos supostos académicos. Parece que ninguém se incomoda com a situação destes jovens todos atirados à sua sorte, a que se retirou um direito fundamental básico, que é também um direito humano plasmado na DUDH.

Se não são os livros que tardam a chegar, é o salário dos professores e as suas horas extras. Tudo isso contribui para o fraco desempenho no sector da educação.

Ignorar todos estes factores é uma desinteligência e inconsequência. Podemos reduzir as consequências de estar a atirar toda uma geração à ignorância colectiva, pelo simples facto de colocar os nossos filhos no ensino privado e de ter uma condição social confortável aqui e acolá, mas isso, para além de sugerir a imoralidade, é, também, um tremendo erro de cálculo.

Esta geração a que se está a dar uma educação deficitária e atirada à ignorância é a maioria da população deste país.

De que vale prover a melhor educação para o seu filho, enquanto amanhã vai coabitar com jovens frustrados por lhes ter negado esse direito básico?

Por mais condições e meios que tenha o filho da escola privada, mas a ter de usar as mesmas ruas onde vai cruzar com a nudez, a frustração, a intolerância, sim a intolerância, porque a educação tem, também, a grande missão de formar bons cidadãos, pois um indivíduo de diligência média, com uma instrução aceitável, tem mais apetência e predisposição a ser tolerante, cauto e consequente.

Como sociedade devemos, também, questionar se a juventude que temos hoje é a juventude que a nação moçambicana merece. É essa juventude fruto da educação da independência?

Juventude que não questiona, não participa no desenho de políticas públicas sérias e futuristas deste país, juventude que não distingue dignidade, integridade da imoralidade, juventude que senta em cada palmo e meio das grandes cidades nas barracas e bares e debater “nonsense”, a discutir qual nova estratégia de adulação ao novo chefe, de que forma bajulou ontem o fulano e o beltrano, de que forma vendeu a sua dignidade por uma caixa de charutos, roupa de griffe e aquele par de benesses fáceis, e por este e aquele cargo público, de que forma vai usar o Estado para a próxima bolada.

Não será fruto da educação dos últimos 20 + (“plus”) anos…???

Não deixemos a educação cair na desgraça. É papel e tarefa de todos nós abraçar. Vamos participar, este é um grito de apelo à responsabilidade de todos nós.

Intervir e fiscalizar a educação é um dever patriótico, não é apenas papel do Estado, nem do novo timoneiro da Ponta Vermelha, é responsabilidade nossa, como nação e sociedade.

É caso para dizer “Pátria Amada, quo Vadis?”

 

Por: Alfredo Cone

 

O conto “A mulher sobressalente” (que intitula o livro de Dany Wambire), faz parte de  uma obra literária constituída por um total de 10 Contos. Nesta narrativa, o escritor dá voz a uma narradora autodiegética, o que pressupõe ser a protagonista.

A narração acontece na primeira pessoa, o que permite que as dores da personagem seja “visíveis” aos olhos de quem lê o texto.

“A mulher sobressalente” é uma história de uma rapariga do campo, que é arrancada da cidade, para onde fora morar, enquanto a menstruação não descia, de modo a assumir a responsabilidade de liquidar as dívidas do pai e salvar o casamento da irmã mais velha. Por isso, Quinita, “A mulher sobressalente”, é obrigada a aceitar as violações do cunhado, com a anuência dos pais e da irmã mais velha,  para gerar um varão.

No conto “A mulher sobressalente”, a vida sofrida da protagonista cabe toda na seguinte passagem textual: “O teu pai te quer como peça sobressalente da família”, e Quinita “ calou-se enquanto dos seus olhos ainda vertiam lágrimas” (Wambire, 2018, p. 47).

Por um lado, os trechos mecionados acima são passagens textuais que configuram uma autêntica detonação de abuso e violação dos direitos da rapariga, que se tornam mais graves por ser perpetuada pelos seus próprios progenitores, o que frustra a possibilidade de Quinita poder desfrutar da adolescência e perseguir os seus sonhos.

Por outro lado, as passagens mencionadas expressam a dura realidade da protagonista, denunciando as fragilidades de uma tradição construída sobre tabus, mitos e lendas.  

Há uma espécie de “estética da angústia” discritas  no mundo das personagem de Wambire. Neste conto, a angústia deixou de ser um fenómeno factício. Quinita não respira livremente, porque vive atormentada pela incerteza. Vejamos o seguintesuspiro da personagem protagonista: “como pangolim,enrolei-me por uns minutos” (Wambire, 2018, p.47).

A força semântica do título remete-nos para um exercício de extrapolação de conflitos de significados entre objectos ou peças de viaturas e o corpo de uma mulher.

Consultado o dicionário online de língua portuguesa, o termo sobressalente refere a um acessório ou item de reserva com que se substitui outro já usado ou defeituoso.

Embora o termo sobressalente exista em outros saberes, em Moçambique,  muitas vezes que se usa esse termo é para se referir a roda de reserva de veículos, carros.

Quinita, ao ser obrigada a relacionar-se sexualmente com o seu cunhado para gerar um filho, ela é usada como uma peça sobressalente, não para veículos, mas sim para o lar. Assim,como um pneu de viatura, uma vez sem ar deve ser substituida, Quinita também substitui a sua irmã, que, como um pneu furado, acredita-se, no enredo, que perdeu ar, isto é, a capacidade de gerar um varão tão almejado pelo marido.

Para a irmã de Quinita, não poder gerar um menino era o mesmo que um pneu furado, sem ar e digna de uma substituição para se reparar o defeito.

Mas porquê a obsessão por um menino? Nas várias comunidades moçambicanas, o menino é uma espécie de garantia da continuidade do apelido paternal, da linhagem e da sucessão. Os excertos a seguir dissipam qualquer dúvida, porquanto confirmam o dever de se gerer um menino: quando o meu pai soube que a criança era um menino, se apressou a abraçar, com muita efusão, ao meu cunhado. E desse abraço, ouvi o seguinte: Dívida paga. Já não vou devolver nada do que me deste pelo lobolo da minha filha[mais velha]”. (Wambire 2018, p. 45).

Depois de nascer, o bebé é arrancado dos braços da mãe, Quinita, afinal. “ – Este bebé fica aqui. Pertence agora à tua irmã. Tu fizeste-o para ela. Assim salvaste-lhe o casamento, pois ela só fazia meninas” (Wambire 2018p. 45).

Diante da indignação de Quinita, o pai responde, autoritário: “ – Isso é tradição e pronto. Vamos para casa” (Wambire 2018p. 45). E a rapariga obedece.

Em Wambire, qualquer esclarecimento que leva a crer que os maus tratos, o sofrimento e o abuso sexual que caracterizam a vida da personagem é normal ao projecto social, na verdade, é deprimente.

As acções da personagem protagonista, o sofrimento que a vida lhe proporciona, enquanto jovem que vive à beira do precipício, condensam, num só momento, as maquinações diegéticas e sentimentais do mundo, inscritas em o Livro do desassossego, quando o poeta afirma que tudo se “tornou insuportável” (Pessoa, s.d., p. 70).

No conto “A mulher sobressalente”, a tradição é uma prisãoque usa, humilha, subalterniza e desgraça a protagonista da história e a própria irmã de Quinita, embora se beneficie da tradição, por ter o lar garantido depois de o marido conseguir o almejado filho.

O conto, A mulher sobressalente, de Dany Wambire cria uma espécie de angústia ao leitor. Entre o imaginário e o real, traz à tona o peso da memória de uma sociedade que oscila entre o passado, presente e o futuro preso numa tradição que busca o seu fundamento em mitos. Não há como o leitor deixar de sentir o nó na garganta e o aperto no coração a cada desfecho de cada parágrafo, a narrativa de Wambire nos remete para um mundo que parece improvável, mas que infelizmente não  é.Pois este cenário acontece ainda nos dias de hoje, sobretudo nas zonas mais recóndidas, como em Maúa, na província do Niassa.

 

*O texto de Alfredo Cone foi escrito no contexto da Oficina de escrita: crítica de arte, organizada pela Fundação Fernando Leite Couto, com a pretensão de estimular a crítica artística no país.

O programa Noite Informativa recebe, dentro de instantes, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau. Este é um país cujo Presidente está em Moçambique numa visita de Estado de três dias. Neste Momento, o governante acaba de chegar aos estúdios centrais da STV e está a ser recebido pelo jornalista António Tiua.

Carlos Pinto Pereira, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, deverá, esta noite, reagir, em exclusivo, às contestações que há em Moçambique com a vinda da sua delegação, alegadamente porque Umaro Sissoco Embaló é um inimigo da democracia. Sobre Isto, Pereira vai dar actualizações sobre a situação política no seu país, a marcação das eleições e a reposição de um funcionamento normal daquele Estado, que tem uma sistema de Governo semi-presidencialista, mas agora está sem primeiro-ministro há seis meses.

Na entrevista a ser conduzida pelo jornalista Afonso Chavo, o governante guineense vai falar das relações com Moçambique, sobretudo os mecanismos através dos quais pretende ajudar-nos no combate ao terrorismo.

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