Sempre tive curiosidade em conhecer Cuba, principalmente depois de ler o livro “O homem que inventou Fidel”, de Antony DePalma, que conta histórias das coberturas de Herbert Matthews, jornalista do New York Times, à revolução cubana, desde a Sierra Maestra até alguns anos depois da revolução. E tive a sorte, ano passado, de finalmente conhecer a ilha numa visita oficial, o que me deu a oportunidade de ter acesso a determinado tipo de informações que em condições normais não teria.
Quando parti para Cuba, tinha a ideia de que ia para um país muito pobre, atrasado em termos de acesso à tecnologia, com a sua capital Havana em ruínas e carros da década de 50 do século passado a circularem pelas estradas, onde o acesso à internet e às comunicações em geral é muito limitado, a par de diversas liberdades, dentre elas de imprensa, de expressão e políticas.
A primeira boa impressão que tive é que os cubanos são sim pobres, mas não há miséria nem fome. Ao mais pobre cidadão cubano não falta comida, entre outros produtos essenciais. A cesta básica para uma família de cinco pessoas – composta por arroz, açúcar, café, pão, leite e batata – custa em Cuba quatro dólares, ou seja, quase 240 meticais. Arrendar uma casa custa 25 a 30 dólares, cerca de 1 800 meticais. A grande diferença connosco é que nós temos tudo o que podemos querer comprar nos mercados à hora que quisermos e os cubanos não. As compras são feitas por escala e com quantidades determinadas para cada comprador.
Há quem diga que entre 70 a 80% de cubanos vivem abaixo da linha da pobreza. Mas quando analisado o Índice de Desenvolvimento Humano, Cuba tem um índice alto, aliás, é o sexto país com melhor Índice de Pobreza Humana, Moçambique está entre os oito piores. As instituições internacionais têm tido dificuldades para analisar a pobreza cubana, porque, em parte, a população não tem acesso livre e abundante a diversos produtos essenciais, mas tem acesso à educação e saúde comparáveis ou até melhor que países mais desenvolvidos, sem ter que pagar nada.
Anos antes da viagem, discuti com um amigo que teria dito que a médio e longo prazo a formação exemplar de médicos cubanos haveria de colapsar, porque não têm acesso à tecnologia. No Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia, eles desmentiram essa percepção. O centro é um dos 15 melhores a nível mundial, produz soluções para diagnóstico, tratamento e prevenção de 29 tipos de doenças e exporta medicamentos para 49 países. Na ocasião, apresentou a Moçambique um tratamento que evita a amputação de doentes com diabetes que tenham contraído o chamado pé diabético. Era único no mundo e evitava a amputação de membros em pelo menos 75% dos casos. Até os países mais desenvolvidos não tinham aquele tratamento, segundo os próprios cubanos.
Aliás, os cubanos gabam-se por ser o único país tropical do mundo que não tem registo de doenças infecciosas, como malária, cólera, dengue, entre outras. Os cubanos morrem por doenças como cancro, diabetes, doenças cardíacas, que são do primeiro mundo. Aliás, o exame de TAC (Tomografia Axial Computarizada), para o qual se fica meses para se fazer no Hospital Central de Maputo, em Cuba, é feito num centro de saúde. Por exemplo, o Centro de Saúde de Marracuene, se fosse em Cuba, teria capacidade para fazer exame de TAC.
Outro local impressionante que visitámos foi a Universidade de Ciências Informáticas. Em 15 anos de existência, formou mais de 14 mil engenheiros informáticos. Desenvolveu um sistema operativo que corre nos computadores produzidos em Cuba e softwares para diversas aplicações também vendidos em diversos países do mundo.
O turismo é uma das principais actividades económica de Cuba. Anualmente, 4 milhões de turistas visitam a ilha e isso representa apenas 50% do potencial que tem. Ou seja, se não houvesse embargo dos EUA, o número de turistas que Cuba recebe haveria de duplicar. 40% dos turistas que visitam a ilha são provenientes da Europa e quase 50% do Canadá, sendo os restantes dos EUA e outros países. Só em 2016, 15 chefes de Estado de diversos países do mundo escolheram Cuba para passar férias.
A cultura é outra actividade económica importante, representando 4% do PIB. gera anualmente receitas avaliadas em 2,2 biliões de dólares e emprega mais de 29 mil pessoas. O governo cubano corre pelo mundo explorando oportunidades para pôr músicos cubanos a tocar nos maiores festivais de música do mundo, coloca os seus artistas plásticos e escultores a exporem e a venderem as suas obras nas maiores galerias de arte do mundo, para além de o fazer a nível nacional. Aliás, nos hotéis e restaurantes por onde passei há sempre uma banda a tocar ao vivo. Isso faz com que a cultura seja rentável.
Este é o legado dos irmãos Castro, que governaram Cuba por quase 60 anos. Fim-de-semana passado, Raúl Castro passou o testemunho a Miguel Díaz-Canela, um presidente que é mais novo em relação à Revolução Cubana. É uma pena que essa mudança aconteça numa altura em que os Estados Unidos da América se afastam cada vez mais de Cuba, depois da aproximação encetada por Barack Obama. Os EUA têm muito a ganhar em ter boas relações com Cuba, e a ilha muito mais.
O exemplo de Cuba é válido para o nosso país. Os cubanos conseguem resistir há mais de 50 anos ao embargo económico da maior economia do mundo, que seria o seu principal mercado e fornecedor, porque apostou no essencial: educação universal e de qualidade. A nível mundial, é reconhecida a qualidade dos quadros formados nas escolas cubanas. Não é por acaso que quase todo o mundo, países desenvolvidos incluídos, mandam os seus quadros formar-se em Cuba. Não é por acaso que cubanos formados nas escolas cubanas têm acesso ao emprego em qualquer parte do mundo.
A educação de qualidade é uma das melhores coisas que um governo pode fazer pelo seu povo, para vencer as principais adversidades da vida. 99,8% dos cubanos sabem ler e escrever, isso é uma obra gigantesca, num país com dificuldades que Cuba enfrenta.
A liderança dos Castro teve certamente os seus pecados, que não são poucos, mas há ganhos concretos para a população local. Educação e saúde de qualidade são essenciais para qualquer povo, a par do mínimo para não passar fome. Oxalá que o novo presidente valorize esses ganhos e avance com reformas que possam permitir que todos os cubanos se sentam em casa naquela ilha e não tenham necessidade de emigrar, pensando que noutros países encontrarão melhores condições de vida, quando tal pode não passar de ilusão.
Uma das reformas que é um desafio para o novo presidente cubano é conceder maior liberdade política aos cidadãos. Não se pode formar intelectuais para depois fazer de tudo para que se mantenham calados e não digam o que pensam sobre como o país deve desenvolver-se. Reprimir vozes contrárias aos ideais castristas é das coisas mais repugnantes na política cubana. Não se pode ter medo de quem pensa diferente, até porque não é possível que duas pessoas pensem igual. É preciso abrir a ilha a ideias diferentes.
Sou dos que defendem e concordam com a política cubana, em que o Estado tem ainda algum papel importante na economia. É o governo que dirige os negócios no turismo, juntamente com as maiores cadeias internacionais no ramo hoteleiro. o mesmo acontece na indústria farmacêutica, assim como na mineração do ferro e níquel. O Estado não pode esperar pelo sector privado para dinamizar a economia.
No caso moçambicano, enquanto não tivermos um sector privado capaz de tirar benefícios da exploração dos nossos recursos naturais, o Estado deve tomar a dianteira, para que esses recursos realmente sirvam os supremos interesses dos moçambicanos. Mesmo no turismo de grande nível, que ainda não temos, o Estado deve entrar e fazer as coisas acontecerem. Com o tempo e à medida que a economia do país vai melhorando, esses projectos podem paulatinamente ser transferidos para a esfera privada, mas sempre com a salvaguarda de que vão continuar a servir os interesses do povo moçambicano.
E Cuba, usando o modelo de “Estado-empresário”, consegue ter uma economia três vezes maior que a nossa e cumprir com distinção as funções de um Estado. Daí que, reitero, se quisermos aprender a melhor governar o Estado moçambicano, temos um exemplo a seguir: Cuba, claro, naquelas coisas positivas e que nos faltam, porque no campo político, a ilha ainda deixa muito a desejar.
Hasta la victoria, siempre!