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Crónica de lana-craprina

Por Valério Maúnde

 

No sofá da sala comum, está Jolson, professor de História numa escola que, mais do que privada, é para poucos, para os nascidos em maternidades prateadas e crescidos em berços de ouro, ou seja, rodeados de metais nobres, assim designados por apresentarem pouca reactividade e, por conseguinte, serem mais resistentes à oxidação, contrariamente ao ferro que reage mais facilmente ao oxigénio, o que resulta em menor resistência à oxidação.

Finda a aula gratuita de química, retomemos o assunto de partida, que é sobre o que o professor Jolson fazia sentado no sofá da sua sala. Como podem imaginar ou supor, ele está a ver televisão, tentando encontrar algo que o ajude a relaxar da estafante jornada laboral, pois, ao contrário do que muitos podem ser tentados a pensar, a escola em que trabalha, embora privada, não o priva de stresses e dissabores, pois quanto mais doirado o berço onde cada aluno cresceu, mais negro tende a ser o seu comportamento.

Dizemos negro cientes da questão racial implícita neste adjectivo, mas não fomos nós que, séculos atrás, forjámos a língua e associámos a cor negra à negatividade e ao mal. Todavia, para equilibrar a balança, talvez valha referir que branco também pode ter uma conotação negativa, como em “estar ou ter um branco”, que significa não estar a par ou não se recordar/reconhecer um dado assunto. Também é branco o verso não rimado.

Voltando ao professor Jolson, ele tem o controlo remoto na mão e vai pulando de um canal para o outro, tentando encontrar um programa que valha a sua atenção e tempo. E sim, dissemos controlo remoto e não controle remote, porque é daquele jeito que se chama e não deste.

Com o olhar fito no telão da sua TV de 54 polegadas, um programa, aparentemente, de entretenimento fá-lo parar. Logo na abertura, o apresentador anuncia o seu nome. Trata-se de um tal puto…, mas com aparência de adulto. Jolson ignora a antítese do nome e da aparência e escuta os destaques do programa do dia. Passados mais de dez minutos e não vendo o desenvolvimento de nenhum deles, senão repetição, divagação e sensacionalismo, Jolson considera a sua primeira tentativa sem sucesso e pula para um outro canal que, por coincidência, também tem como apresentador um outro puto…. Jolson chega a supor tratar-se de um programa infantil, visto que, além de um apresentador puto, como o primeiro, tem também uma apresentadora boneca.

A sua suspeita cai logo por terra ao perceber que, em tudo, o segundo programa se assemelha ao primeiro. São como duas gotas de tão parecidos. Jolson rende-se à repetitividade de conteúdo e de abordagem e decide acompanhar este último até ao fim. Em pouco tempo, são abordados vários tópicos aleatórios, mas com um denominador comum: o populismo e o sensacionalismo que encerram. Neles, os apresentadores começaram por reiterar as condolências à família real que perdera a sua imortal rainha. Eram de tal maneira sentidas as condolências que Jolson chegou a julgar que os apresentadores tinham estado nas Barracas do Museu ou no Pulmão com a finada a beber umas. Mais adiante, deu-se destaque a um irmão nosso com nome chinês, que se tornara importante por namorar uma afamada cantora da praça. Ele virara uma personalidade por isso. Por fim, os apresentadores lastimaram infinitamente o facto de um cantor americano (que, a ter nascido na Mafalala ou em Chamanculo, se chamaria Riquito) ter feito pouco caso da imprensa e dos seus pares moçambicanos. Ainda pior, Riquito recusara-se a dar tratamento especial até aos que tinham adquirido um bilhete VIP a seis mil meticais. Riquito agira com a frieza característica das meretrizes, que não se comovem e têm os olhos fitos, não no prazer, mas no benefício monetário que vem após o dever.

Em jeito de fecho, importa desculparmo-nos aos leitores que tinham a expectativa de encontrar, entre os parágrafos acima, uma crónica com sentido, relevante e capaz de influenciar e transformar positivamente as mentes dos que a lêem. Pelo contrário, esta crónica imita e homenageia a sociedade dos nossos dias, e destaca-se por ser dispersa, desconexa e superficial, como são os conteúdos que, com prazer, ingerimos, partilhamos e debatemos todos os dias!

 

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