Não há, nem com tão bela capacidade de execução, como fintar a realidade: o futebol, ou melhor, a "pelota" cedeu ao coronavírus! Estádios, onde os artistas da bola deleitam vivalmas com o maior espectáculo do mundo, estão com as portas fechadas! Pudera, a vida está ameaçada. Futebol deve esperar! Pelo menos, até que à pandemia do novo coronavírus seja achatada e, causa-efeito, se aligeire as medidas de confinamento e ópio do povo regresse. Enquanto isso, as incertezas assaltam os gestores, jogadores e treinadores.
Futuro incerto. A paralisação do futebol por tempo indeterminado, não havia outro caminho, forçou clubes a se mobilizarem para garantir a sobrevivência financeira. Com a maior parte das fontes de receita a esgotar-se, e patrocinadores a suspenderem pagamentos, houve ordem para cortes salariais.
No burgo, com o Moçambola adiado por tempo indeterminado e os clubes a pagarem salários sem competições, cresce a preocupação de onde “cavar” dinheiro para suportar os activos: jogadores e treinadores. Com o silêncio ensurdecedor do Ministério do Trabalho e Acção Social face à solicitação da Federação Moçambicana de Futebol (ndr: criou uma" task force" para abordar questões contratuais entre clubes e jogadores face ao cenário negro), procura-se uma solução imediata para fazer face aos cenários que se desenham: mudança de época, modelo antes ensaiado e falhado, e extensão dos contratos. Até porque, ao se avançar com a proposta do Gabinete Técnico da Federação Moçambicana de Futebol de se ajustar a época, a maratona iniciaria 1 de Julho e terminaria a 31 de Maio de 20201? Nem tanto, caros patrícios. Tem, de resto, a palavra os jogadores, treinadores, dirigentes, árbitros e Sindicato Nacional de Jogadores de Futebol! Aqui, terá que haver um "win-win" para que estejam salvaguardados os interesses de todos actores.
Com uma estrutura gorda de cerca de 600 trabalhadores, entre atletas e treinadores de várias modalidades e outros funcionários, o Costa do Sol mostra-se favorável ao ajustamento da temporada do futebol moçambicano. Coloca, no entanto, em cima da mesa a possibilidade de corte de salários caso a situação se complique. Em entrevista ao “O País”, o presidente do Costa do Sol, Jeremias da Costa, aborda ainda os prejuízos que o clube com maior palmarés no país está a acumular com a paralisação de todas actividades desportivas por conta da pandemia do novo coronavírus.
O desporto está parado em Moçambique, devido ao Estado de Emergência em vigência até ao próximo dia 30 de Abril. Qual é o impacto da pandemia do novo coronavírus no Clube de Desportos da Costa do Sol, tendo em conta os projectos de formação que geram receitas e a folha salarial de cerca de 600 pessoas?
Nós, pela leitura que fizemos da situação internacional, e da tendência que as coisas iam tomando ao nível nacional. Fomos dos primeiros senão o primeiro clube a parar com todas as actividades. Desactivamos todo o nosso arsenal no sentido de deixar os atletas em casa. Fechamos as escolas de formação. Isso, como deve calcular, teve um impacto directo na nossa estrutura de proveitos. Como deve calcular, não vais exigir a um pai que tem um menino na academia a pagar sem que o menino esteja a beneficiar desta academia. Portanto, este é o primeiro impacto que nós sofremos: a perda de receitas directas que nós gerávamos na nossa academia. A segunda perda: nós, como deve calcular, fizemos um investimento muito forte quer na manutenção na estrutura quer no reforço tendo em conta o Moçambola e as Afrotaças. Fizemos um estágio na África do Sul que representou, para nós, um investimento muito grande. E, neste momento, todo este investimento foi por água abaixo. Portanto, estamos na estaca zero. Se a Liga Moçambicana de Futebol (LMF) e a Federação Moçambicana de Futebol (FMF) decidirem que o campeonato inicia nos próximos dias, temos que fazer praticamente a pré-época.
Todo este investimento, no lugar de ser capitalizado, tornou-se num prejuízo. Há também outros custos directos que tivemos que arcar para deslocar os atletas internacionais para os seus países de origem. O técnico Horácio Gonçalves teve que regressar ao seu país de origem, Portugal, até pela sua idade. Ele está no grupo de risco. Psicologicamente, o treinador não estava preparado continuar cá, então, tivemos que o realocar. Estou aqui a falar de custos directos mas há outros custos indirectos que acabam criando um fosso enorme no clube. E sem contar com o facto de termos que encontrar fontes para remunerar atletas e técnicos que estão em casa.
Como é que o clube irá gerir este momento de crise, no qual está limitado em termos de captação de receitas?
Neste momento, diria, estamos entregues às instruções governamentais. Mas, pela leitura que a gente faz de desenvolvimento da pandemia ao nível internacional, há um período de dois a três meses de maturação. Portanto, normalmente, os períodos de pico ocorrem entre o segundo e terceiro mês e, partir daí, os casos vão diminuindo. Quero com isto dizer que, estando o nosso país na fase inicial, acredito que- Deus queira que eu esteja errado-, depois de 30 de Abril se calhar vamos ter a extensão do Estado de Emergência. Deus queira que esteja errado, mas pela leitura que a gente faz ao nível internacional há sempre uma extensão dos períodos de emergência. Neste momento, o que fizemos foi dispensar os atletas para ficarem em casa e passar uma receita em termos do que devem fazer. Há um acompanhamento, embora de forma remota. Há também uma dieta que foi passada para cada atleta de forma que controle o seu peso. Mas, como deve calcular, mesmo estando em treino conjunto os nossos atletas precisam muitas vezes de estágios, exactamente, porque é difícil controlá-los. Outros atletas não têm condições nas suas casas para treinar. Então, nós sabemos em que condições os atletas estão. Sabemos que estão todos bem, felizmente não temos nenhum caso até à data mesmo os que estão fora. Neste momento, vamos estar à mercê das ordens do Ministério da Saúde e de outras instituições governamentais. Mas, para todos os efeitos, estamos em prontidão para, se na eventualidade do cenário melhorar e as autoridades aligeirarem as medidas, podermos rapidamente retornar com os treinos. Como dissemos na última reunião da LMF, todos os clubes vão precisar depois disto de fazer uma pré-época.
Nem as obras escaparam!
A paralisação de todas actividades desportivas no país, no geral, e no Clube de Desportos da Costa do Sol, em particular, surge num momento em que o clube está a reabilitar as suas infra-estruturas com obras no campo de futebol que comportam a melhoria do relvado, iluminação, bancadas e acessos, assim como cobertura da arena. Quais são as implicações da COVID-19 na componente infraestrutura?
Este é um dos prejuízos indirectos que nós temos. Nós estamos com o sonho de fazer as nossas provas internacionais na nossa casa. É por isso que estamos a investir na iluminação. Temos que assegurar que a iluminação seja suficiente que os jogos sejam realizados de noite e tenham transmissão televisiva. O segundo requisito é ter um piso adequado. Nós estamos em estado avançado de negociações com um parceiro para o patrocínio da renovação do nosso relvado sintético. E, com esta situação, o parceiro colocou as negociações em “banho-maria”. Então, neste momento, estamos a fazer contas a vida no sentido de tentar fazer com que o parceiro possa retomar. Não sabemos, na verdade, quando é que o parceiro vai ter condições para retornar este investimento. Esta situação vai, de facto, criar certas dificuldades de a gente poder fazer face aos investimentos que estão a decorrer. Estes investimentos começaram há duas épocas.
Portanto, o investimento não é só no relvado sintético mas também nas bancadas onde pretendemos intervir com melhorias em todo o campo com colocação de bancadas. Queremos melhorar os balneários não só dos adversários mas também do clube e do público. Este trabalho todo está parado. Temos também a questão dos acessos. A Confederação Africana de Futebol exige que os acessos sejam melhorados. Como bem conhece, o campo tem neste momento um único acesso. Nós estamos a trabalhar para ver se conseguimos ter um segundo acesso para facilitar a evacuação quer antes quer depois dos jogos. Estamos também a trabalhar com outro parceiro para a cobertura da arena, a sua iluminação e colocação do marcador electrónico. Estes projectos todos estão em “banho-maria”. Não podemos dizer que estão parados, mas pelas dificuldades que as entidades privadas têm para fazer face às suas despesas vemo-nos em situação muito delicada para retomar nos próximos dias. É um dos prejuízos que a pandemia tem criado para o clube.
Corte de salários em cima da mesa
Lá fora, há medidas face à pandemia do novo coronavírus como a redução de salários dos jogadores e corpo técnico das equipas. O Barcelona, por exemplo, reduziu em 70% o salário dos seus atletas enquanto continuar o confinamento social. Sem atletas a competir e capacidade de gestão de receitas, como é o Costa do Sol vai se posicionar para pagar salários?
É o que de fora transparece: o Costa do Sol não viver de receitas! Mas nós precisamos muito das receitas. Mas, pela estrutura do clube, posso dizer assim por alto que temos cerca de 600 pessoas entre atletas e técnicos de várias modalidades e funcionários do clube. É uma estrutura muito pesada. Parecendo que não, as receitas quer dos jogos do Moçambola quer da academia ajudam imenso realização das despesas do clube. Quem vê a coisa de fora, pode pensar que não precisamos. Nós precisamos imenso. Indo agora à questão que me coloca, não queria estar a criar pânico nos nossos atletas e técnicos mas é um caso que está na mesa. Nós não sabemos até onde isto vai. Mas vamos aguardar pela decisão das estruturas competentes e vamos ver o que acontece. Se os mais ricos estão a fazer, quem somos nós? Penso que a tendência ao nível global vai ser essa. Nós não olhamos a coisa nesta perspectiva. Penso que é uma coisa que vamos conversar daqui adiante. Nós estamos a olhar numa perspectiva de, se por ventura mudarmos a época, vamos precisar que os atletas sejam compreensíveis em algum momento para os períodos que não estão cobertos pelos contratos. Vai haver aqui uma situação de "win-win" e cedência de cada parte. Mas é uma hipótese que não está descartada.
Falando em mudança de temporada: face à evolução da pandemia e adiamento do Moçambola, a Liga Moçambicana de Futebol enviou recentemente aos 14 clubes que irão disputar o campeonato nacional, duas propostas a disputa da prova. O primeiro modelo é de realização do Moçambola 2020 em uma única volta, seguindo-se “play-offs” entre os primeiros oitos classificadas até se apurar o campeão e os restantes seis últimos classificados disputariam outros “play-offs” até se encontrarem os três clubes despromovidos. O segundo é de um campeonato disputado numa volta, sendo que os primeiros quatro classificados batem-se numa fase final em duas voltas para se apurar o campeão nacional e os últimos quatro posicionados defrontam-se na fase final em duas voltas para se encontrar as três formações despromovidas. Qual é a sensibilidade do Costa do Sol em relação a estas propostas da Liga Moçambicana de Futebol?
Numa perspectiva financeira, talvez seja viável. Não tenho números aqui para tecer uma opinião formada. Mas, em termos desportivos, nós deixámos claro logo à priori na reunião com a LMF que esse modelo feria a verdade desportiva. Se vamos fazer um campeonato numa volta, imaginemos por hipótese: onde será realizado este jogo? Em que campo? Quais são os critérios? O nosso primeiro adversário é o Textáfrica de Chimoio. Vamos jogar na Soalpo ou no "Matchick Tchick"? E, no segundo jogo, para onde é que vamos? Há aqui equipas beneficiadas que vão jogar sempre em casa? Se calhar vão dizer não, vamos a outra cidade, vamos a Beira pois jogamos todos lá. Portanto, os clubes locais vão estar sempre beneficiados. Vimos, então, nesta perspectiva que vai faltar verdade desportiva. A segunda razão que eu encontro é que o regulamento do Moçambola diz, de antemão, que é um campeonato de duas voltas. Se nós vamos fazer uma prova – que eu não chamo Moçambola- tem que ter um outro nome qualquer. Temos que encontrar um nome qualquer mas não é Moçambola. Os clubes fizeram investimento para uma prova clássica que não é em duas voltas. O investimento que a gente fez para realizar uma prova destas não faz sentido. Deixámos claro, logo à priori, que não aprovamos este modelo. Preferimos que usemos este tempo para ganhar a próxima época mudando o calendário de acordo com as recomendações da CAF e FIFA.
O Gabinete Técnico da Federação Moçambicana de Futebol avançou três cenários para o futebol moçambicano pós-Covid-19. O terceiro aponta para a alteração ou adotar a época ao calendário proposto pela Confederação Africana de Futebol (CAF), iniciando nova época em 1 de Junho devendo a mesma decorrer até 31 de Maio de 2021…
Nós recebemos, de facto, os três cenários preparados pelo Gabinete Técnico da Federação Moçambicana de Futebol, liderado por Arnaldo Salvado. Nós respondemos, recomendando para o cenário de mudança de época. É uma oportunidade que devemos aproveitar. Esta pandemia criou-nos uma oportunidade. É um desafio, é uma desgraça. Tudo bem. Vamos ver o que podemos corrigir. Eu penso que na altura em que houve essa tentativa as pessoas não estavam claras naquilo que queriam. Na reunião que tivemos com a Liga Moçambicana de Futebol, pelo menos os clubes do Moçambola estavam todos unânimes que era o momento ideal para a mudança de época. Nós estamos sempre a chorar porque a nossa selecção vai às eliminatórias sem que os jogadores tenham ritmo. A nossa selecção, feliz ou infelizmente, ainda é feita por metade de jogadores que estão fora do país e outra que joga aqui dentro. Nós não somos um Brasil que faz uma ou duas selecções com jogadores que estão fora. O Brasil faz selecção e o campeonato interno continua. Nós vamos ter metade de jogadores com ritmo e outra sem ritmo. Quando vamos às Afrotaças, as nossas equipas ficam na primeira ou segunda eliminatórias porque os adversários têm outra rotina. Haverá aspectos negativos e outros positivos. O que nós temos que fazer é pegar nos aspectos positivos e tentar mitigar no máximo os negativos. Os outros colegas perguntavam: nós já temos os contratos, como iremos fazer? Este é um problema que, fazendo a mudança de época hoje ou daqui a dois ou três anos, vamos encontrar sempre. Os clubes, normalmente, fazem os contratos com os atletas e técnicos em uma época ou até mesmo duas. Há sempre este problema. Para nós, o modelo de campeonato numa volta não se adequa. Nós recomendamos para que se mude de época. Há vantagens para atletas que querem se transferir para Europa, porque quando o atleta moçambicano é contratado por um clube estrangeiro normalmente ele vai à meio da época, já entra em desvantagem porque os colegas já vem com o treinador desde o início da época, já fizeram a primeira volta e dificilmente um jogador moçambicano pode se enquadrar no ambiente para singrar naquela equipa, mudando a época vamos passar a exportar jogadores e a chegar aos clubes europeus na pré-época e a competir em igualdade de circunstâncias com os colegas por uma vaga na equipa”, comentou o presidente dos campeões nacionais. Por outro lado, ao mudarmos a época isso vai possibilitar que a Liga tenha tempo de negociar os seus acordos com as empresas patrocinadoras, como sabemos muitas delas fecham as suas contas e os seus balanços a 31 de Dezembro e quando a LMF vai apresentar as suas propostas a resposta das empresas é que já fecharam o seu balanço e os seus orçamentos. Com esta mudança iríamos dar à Liga mais tempo para negociar com as empresas que iriam incluir os pedidos da LMF antes do encerramento do ano e acredito que nós conseguiríamos encontrar mais parceiros para o Moçambola.