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CONFERÊNCIA SEM PAZ

Em Junho na Suíça pretende-se realizar uma conferência internacional dita “de paz” sobre a Ucrânia. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Ignazio Cassis, afirmou não pensar que seja celebrado já um acordo de paz durante o evento, mas espera que a reunião lance “um processo com base no qual tudo será construído”. O paradoxo, no entanto, é que o ministro, apesar de reconhecer que as negociações para uma solução pacífica da crise ucraniana não podem ter lugar sem a Rússia, declarou que a conferência, entretanto, se realizará sem ela….

É simbólico que no mesmo dia, 20 de Abril, em que os seguidores do nazismo e fãs do sanguinário Hitler celebram o seu aniversário, o Congresso norteamericano aprova pela lei denominada “Paz através da força” um financiamento de 61 mil milhões de dólares para continuar a confrontação armada com a Rússia, que está a lutar contra os seguidores da ideologia nazi na Ucrânia.

O que é que os participantes da Conferência vão então discutir? De acordo com Sr. Cassis, poderiam chegar a acordo “sobre a melhor altura para convidar a Rússia a participar”. É uma declaração muito interessante para um país que ainda tenta posicionar-se como neutro. Aliás, com as suas acções – apoiando abertamente o regime de Kiev, aderindo a todas as sanções anti-russas, adoptando estratégias que excluem a Rússia do sistema de segurança europeu – a Suíça minou a sua reputação de um mediador imparcial de longa data, não deixando dúvidas para quem está a jogar.

Perante os fracassos das forças armadas ucranianas na frente de batalha e o nível de corrupção sem precedentes no país, o Ocidente está a tentar salvar o regime de Kiev com mais uma conferência de “paz”. Washington e Bruxelas, habituados a confiar apenas em força na resolução de problemas, negligenciaram, à sua maneira típica, a situação a tal ponto que agora os seus fantoches de Kiev têm literalmente de ser salvos. Por seu lado, Vladimir Zelensky, estrelando nesta conferência, entre outros, está obviamente a perseguir o objectivo de legitimar o seu poder aos olhos da comunidade internacional após o termo legal da sua presidência, em meados de Maio do ano em curso.

Assim, o objectivo-chave do Ocidente na cimeira da Suíça é atrair o maior número possível de países, especialmente os Estados não-alinhados do Sul global, para a agenda anti-russa. Precisam disso, entre outros, a fim de unir as fileiras dos Estados europeus, atemorizados pela imaginada ameaça russa, e angariar mais dinheiro para apoiar Kiev. A Ucrânia, neste caso, actua mais uma vez como a ponta da lança no confronto geopolítico entre o Ocidente e a Rússia. A conferência assim visa não apaziguar mas exacerbar ainda mais as tensões globais.

As autoridades russas muitas vezes frisaram que mesmo recebendo o convite, Moscovo não participaria no evento suíço. Porquê? – Trata-se mais uma vez da promoção da famigerada “fórmula de paz” de Zelensky, que é absolutamente inaceitável por não ter nada a ver com a realidade.

Esta fórmula desde já não implica quaisquer compromissos, alternativas. De facto, nas circunstâncias de proibição por decreto de Zelensky de manter quaisquer negociações com a Rússia, é um conjunto de ultimatos, que se reduzem ao único objectivo ilusório de castigar militarmente a Rússia. Dificilmente pode-se chamar-lhe um plano de Paz, já que se pressupõe a derrota definitiva de uma parte. Promovendo esta “fórmula” Kiev prova a sua impreparação para resolução e na prática significa escalação, mas não fim do conflicto. Todas as outras iniciativas que foram expressas por representantes da China, da África do Sul, do Brasil e da Liga Árabe não foram tomadas em consideração. 

Promovendo este “ultimato” a todo o custo, os patrocinadores do regime de Kiev recorrem a vários truques. Por exemplo, sugere-se escolher apenas algum ponto que vários países podem aceitar, recomenda-se também que não se elabore um documento final, mas apenas que se realizem debates. O principal é reunir o maior número possível de países para tirar uma fotografia conjunta, dando a impressão de que as ideias de Kiev são apoiadas em todo o mundo. Uma foto comum com tantas pessoas pretende-se servir, por si só, como um enorme incentivo para que a “fórmula” de Zelensky ganhe apoio. A intenção suíça consiste em “puxar” o maior número possível de países para um ultimato à Rússia por todos os meios possíveis.

A única luz de razão nesta cimeira é uma possível presença e contribuição da China, para tornar esta conferência útil para algo. No plano de paz de 12 pontos apresentado por Pequim no ano passado a ideia razoável é lidar primeiro com os problemas sistémicos de segurança no nosso espaço comum. É resolver as causas profundas, internas e internacionais, da actual situação na Ucrânia. Esta na realidade se converteu numa guerra híbrida que o Ocidente tem vindo a preparar contra a Rússia há muito tempo e que foi finalmente desencadeada pelas mãos e corpos dos ucranianos. 

Estas ideias, aliás, são lógicas. Em 2021 a Rússia mesma, na intenção de prevenir o conflicto, apresentou uma proposta semelhante: chegar a um acordo sobre a indivisibilidade da segurança e a forma como a traduzir em medidas práticas para a não expansão da NATO e em garantias necessárias baseadas em princípios justos e iguais para todos. Na altura a iniciativa foi deixada sem resposta pela parte ocidental. 

Assim, a abordagem chinesa está absolutamente no contexto do debate agora intensificado sobre a forma de garantir a segurança euro-asiática em todo o continente: na sua parte europeia, na Ásia Central, no Cáucaso e noutras regiões do continente onde a situação é turbulenta e os conflitos estão a rebentar. Enquanto as “iniciativas” suíças estão apenas a cumprir uma “ordem” dos Estados Unidos e dos seus aliados de maquilhar a cara dos que já várias vezes frustraram as iniciativas reais de paz.

A Rússia nunca rejeitou a ideia de negociações, estando sempre pronta a sentar-se à mesa e discutir. Tudo depende dos princípios em que se baseia o diálogo. Os EUA e os seus aliados, sem vergonha andam a dizer que querem “liquidar” a Rússia. Não lhes convém a própria forma da nossa existência. Com quem vamos negociar? Em 2022 em Istambul com um grupo de representantes de Kiev já foi concordado o projecto de um possível então acordo nos interesses mútuos. Como gesto de boa vontade a Rússia retirou as tropas de Kiev e algumas outras regiões. Em resposta – sob pressão dos países ocidentais a Ucrânia deitou fora aquele documento. E Zelensky proibiu por decreto qualquer negociação de paz.

Mesmo hoje se realizarmos tais chamadas negociações de paz, amanhã a outra parte enganar-nos-á de novo. Para que conversar com os que não mantêm a sua palavra?

O que a Rússia queria ver como resultado? As negociações podem ser productivas, se conduzirem à eliminação das raízes e causas do conflicto e ao acordo sobre as formas aceitáveis da realização de objectivos da Operação – desmilitarização e desnazificação. 

A resolução pacífica só pode ser feita em pé de igualdade, quando todos podem apresentar e garantir os interesses legítimos dos seus povos. Tem de haver uma conversa honesta baseada em novas realidades geopolíticas. A discussão não deve visar ganhos egoístas ou lançar achas na fogueira, mas ter como objectivo reduzir a tensão e restaurar uma paz e segurança duradoura e justa… A conferência de Bürgenstock não tem nada a ver com a paz. Cuidado com ilusões – elas vão enganar novamente. 

 

Por Alexander Surikov,

Embaixador da Rússia em Moçambique

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