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Conexões culturais em “Novas narrativas para Moçambique”

Foto: O País

Na imensidão do cosmos, onde cada estrela carrega um segredo e cada constelação desenha um caminho, as mãos humanas actuam como pincéis, unindo essas partículas em um conjunto harmônico.

Às vezes, o pincel vai além da beleza visível, transformando-se em uma ferramenta que desvela os mistérios mais íntimos da existência. Nessas manifestações artísticas, somos convidados a explorar as profundezas do inconsciente colectivo e a emergir revitalizados.
Foi sob este signo de revelação e transformação que um encontro singular aconteceu, no sábado último (31/08/2024), na Casa do Professor, na Matola, onde vozes de diversas esferas do saber e da criação se uniram em torno de uma visão comum: desenhar novas narrativas para Moçambique.

Neste ambiente, onde o diálogo entre a palavra e a imagem se faz tão natural quanto a respiração, destacou-se a obra de Marcos Mpfuka, um artista cuja visão atravessa o visível para tocar o intangível, revelando verdades universais por meio de cores e formas enigmáticas.

Neste contexto, a obra exposta por Mpfuka não se limita a ser contemplada, com efeito, se oferece como uma chave para decifrar o presente, para reinterpretar os símbolos e os mitos que moldam o espírito de uma nação. Assim, ao examinarmos as subtilezas das cores e das texturas, somos chamados a refletir sobre a intersecção entre arte e realidade, e a questionar: Como podemos, através da arte, tecer os fios do futuro de Moçambique?

Logo à primeira vista, a obra cativa pela vivacidade de suas cores e pela riqueza de suas texturas, oferecendo uma imersão sensorial que demanda uma apreciação prolongada.

A composição do quadro é dominada por formas abstratas, que evocam tanto o movimento quanto a tensão. As linhas que se mesclam e se dobram parecem representar caminhos ou jornadas que, apesar de tortuosas, encontram um ponto de convergência. Este traço sugere uma analogia potente sobre a necessidade de encontrar unidade na diversidade, de reconectar peças dispersas em uma narrativa coerente para o país.

O vermelho e o preto dominam a paleta de cores, destacando uma oposição que pode ser interpretada de várias maneiras. Ora, o vermelho, por um lado, pode ser visto como uma cor de vitalidade, paixão e até de sacrifício, ou seja, aspectos que são centrais na história e cultura moçambicana.

Por outro lado, o preto adiciona uma potência que parece puxar o espectador para dentro do quadro, sugerindo tanto o mistério quanto o luto. Esse jogo de cores pode ser lido como uma representação do passado doloroso do país, mas também como um impulso vital para superar essas sombras e criar novas narrativas.

A textura da pintura é sólida e refinada, quase palpável, o que confere à obra uma tridimensionalidade que chama a atenção.

No entanto, a maneira como a tinta foi aplicada, em camadas espessas, por vezes com traços que parecem rasgos, evidentemente, reforça a ideia de um tecido desgastado, que precisa ser remendado. Isso pode ser interpretado como uma crítica às feridas ainda abertas na sociedade moçambicana, que requerem cura e atenção para que se possa avançar.

Ademais, bem no centro da obra, há uma sugestão de formas que podem ser decifradas como mãos ou figuras envoltas em movimento. Esta ambiguidade é, na verdade, uma força do quadro, pois permite múltiplas interpretações. As mãos, que são frequentemente sinais de trabalho e criação, poderiam representar o esforço colectivo necessário para construir novas narrativas para Moçambique.

Ao mesmo tempo, essas formas em movimento podem simbolizar a fluidez e a incerteza dos tempos actuais, um lembrete de que o futuro é moldado pela acção no presente, “em nome dos povos hoje nós gritamos, liberdade”, como ressoa na música da Iveth Mafundza & Hot Blaze, intitulada “Leave no one behind”.

Dessa forma, o Sarau na Casa do Professor revelou a arte como um meio de transformação impactante. E a obra de Marcos Mpfuka, com suas cores intensas e texturas marcantes, não se limita a uma simples exibição, mas serve como uma ponte para novas interpretações e reflexões sobre o futuro de Moçambique. Como bem observa a escritora Virgília Ferrão, “O facto de poder partilhar a escrita com o leitor é motivador”, efectivamente, este sentimento se aplica igualmente à arte. Portanto, compartilhar a visão artística de Mpfuka com o público é como lançar sementes em solo fértil, que podem germinar em novas ideias e inspirações. O evento demonstrou que a arte tem o poder de envolver e desafiar, incentivando todos a tornarem-se co-autores de uma nova narrativa para o país.

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