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Cerca de 300 mil pessoas podem ser afectadas por inundações na bacia do Zambeze

Foto: O País

Moçambique fez, pela primeira vez, o mapeamento das áreas propensas ao risco de inundações e cheias na bacia do Zambeze, em 14 distritos das províncias de Tete, Sofala e Manica. Cerca de 300 mil pessoas, 400 escolas e 60 unidades sanitárias, entre outras infra-estruras, podem ser afectadas.

A Escola Primária Completa do Aeroporto Chingodzi, na cidade de Tete, erguida numa área de risco, já foi literalmente “engolida” por inundações no início deste ano, tanto que as marcas de água são visíveis nas paredes.

A direcção da instituição de ensino em referência explica o drama que se vive quando há cheias. “A escola está mesmo numa zona de inundações. Em 2019, a escola foi afectada por inundações e, em 2022, voltou a sofrer e, desta vez, com mais gravidade, visto que a água das chuvas foi para além das janelas. Aqui, quando chove, a população sempre recorre às escolas para se albergar, mas, com a nossa, não recebemos ninguém porque também estávamos na mesma situação”, contou Mariamo Tomo, director da Escola Primária Completa do Aeroporto Chingodzi.

As áreas susceptíveis a inundações foram, pela primeira vez, mapeadas na bacia do Zambeze, para a tomada de medidas que possam evitar estragos. São 14 distritos em risco nas províncias de Tete, Zambézia, Sofala e Manica. Das 800 mil pessoas que estão nas proximidades da bacia do Zambeze, constatou-se que 300 mil estão em áreas de risco.

Cinco meses depois das últimas inundações, as marcas ainda não foram apagadas, permanecem na memória de muitas pessoas que viram as suas vidas mudarem. No bairro Chingodzi, há várias casas que foram destruídas no início deste ano.

Nelito, cuja casa desabou no início deste ano devido às cheias, disse que “nós pensávamos que fosse uma água passageira, mas vimos que era maior e muitas coisas nossas foram-se embora com inundações. A casa desabou e nós perdemos”.

Ermelim Gomes Gabriel, estudante de enfermagem, escapou quando, em Março deste ano, a sua casa ruiu. O que resta são montes de tijolos e memórias da jovem que viu o esforço da sua família deitado abaixo. Ainda assim, a jovem e sua família permanecem na área de risco. “Até agora, não consegui reconstruir a minha casa que desabou com as inundações, faltam material e um novo terreno.”

Uma vez que é necessário passar a mensagem e prevenir a ocorrência de danos, a Administração Regional de Águas do Centro (ARA-Centro) já montou três estações hidrométricas para a medição da chuva e, em parceria com o Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres (INGD), já está a montar placas apelativas através de duas línguas – Português e Nyúngè.

“Depois de registarmos os dois cenários de cheias em 2019 e 2022, desenvolvemos um projecto que visa sensibilizar as comunidades que praticam actividades próximo ao rio, para que não construam neste local”, avançou Nélio Zunguze, técnico da ARA-Centro.

O marco vermelho num dos pilares sinaliza o nível atingido pela água em Março, que chegou a deitar abaixo o tabuleiro central da ponte que liga a cidade de Tete e o distrito de Moatize. Desde aquele período a esta parte, pessoas e bens são transportados por embarcações artesanais e há os que enfrentam a ameaça dos crocodilos.

Os resultados do mapeamento das zonas propensas a inundações foram apresentados na Cidade de Tete. “Isto vai melhorar muito o sistema de aviso, porque, no futuro próximo, vamos fazer um aviso direccionado para o indivíduo”, referiu Agostinho Vilanculos, da Direcção Nacional de Gestão de Recursos Hídricos.

O mapeamento trará vantagens no campo de actividades quando for necessário intervir caso ocorram inundações. “Com a conclusão deste trabalho, esperamos ter um valioso instrumento na prevenção e gestão das cheias e inundações na bacia [do Zambeze], como também será um instrumento importante na tomada de decisão a nível local e nas instituições de gestão de risco. E, a breve trecho, esta iniciativa será expandida para as bacias dos rios Púnguè e Búzi, que são altamente susceptíveis a inundações”, disse Custódio Vicente, director da ARA-Centro.

O mapeamento foi feito pela Direcção Nacional de Gestão de Recursos Hídricos em parceria com outras instituições, incluindo a Universidade Eduardo Mondlane. Emílio Magaia, professor universitário da UEM, que participou na elaboração do mapeamento, destaca a necessidade de se expandir estudos de género para outras bacias, para também se ter a dimensão dos impactos que as cheias e inundações podem causar. “De facto, há uma perspectiva de alargar e estão, neste momento, em discussão perspectivas para as bacias de Búzi e Púnguè.”

Aliado às cheias e inundações, há a erosão que está progressivamente a aproximar-se das áreas residenciais, o que agrava a vulnerabilidade das comunidades. Mas a Direcção Nacional de Gestão de Recursos Hídricos tem um pensamento diferente.

“No nosso princípio, não é que as pessoas não podem viver nas zonas de risco, não é essa a ideia, tem que ter como a casa de actividades onde a pessoa pode praticar as suas actividades e, tendo um sistema de aviso, as pessoas com tempo podem retirar-se para as zonas altas, porque nós sabemos que a economia moçambicana é basicamente agrícola, as pessoas precisam das zonas baixas por terem humidade e são altamente produtivas. Não é assim só em Moçambique, agora temos que saber conviver com o fenómeno”, disse Agostinho Vilanculo, da Direcção Nacional de Gestão de Recursos Hídricos.

Nestas zonas de risco, as populações continuam a desenvolver as suas actividades normalmente. Nas terras húmidas, praticam agricultura, no rio as comunidades fazem lavagem de roupa, banho e o gado tem a sua fonte de água.

Elisa Zacarias, secretária de Estado na província de Tete, ciente dos problemas que as inundações causam, instou as instituições que trabalham directamente na gestão de desastres naturais a serem mais proactivas e interventivas.

O mapeamento das áreas propensas a inundações foi desenvolvido a partir desta unidade de controlo de cheias e seca, na Cidade de Maputo, que faz o monitoramento em todo o país.

Vale lembrar que a Direcção Nacional de Gestão de Recursos Hídricos identificou 400 escolas em áreas de risco e há também 60 unidades sanitárias que podem ser inundadas na presente época chuvosa.

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