O Centro de Saúde de Nametil, onde se localizava o Centro de Tratamento de Doenças Diarreicas e Cólera, está encerrado, porque os profissionais de saúde abandonaram a unidade sanitária depois da vandalização da última sexta-feira. Os cinco doentes que ainda estavam internados tiveram de deixar o centro e regressar às suas residências. O Presidente da República lamenta o sucedido e mostra-se preocupado com o possível alastramento da doença.
O Centro de Tratamento de Doenças Diarreicas e Cólera que tinha sido criado no Centro de Saúde de Nametil, em Mogovolas, na província de Nampula, foi vandalizado na tarde da última sexta-feira, por malfeitores que, aparentemente, estavam trajados de fardamento das Forças de Defesa e Segurança.
De acordo com Sérgio Gravício, um dos residentes do distrito de Nametil, houve mortes durante a invasão. “Eles vieram anteontem (referindo-se a sexta-feira), à noite, mataram uma pessoa e levaram dinheiro. Agora, pelo que eu ouvi, os malfeitores tinham usado farda de polícias. Depois, quando amanheceu, a população se reuniu para levar o corpo para o comando. Chegado lá, ao comando, disseram que era para virmos deixar o corpo aqui mesmo, porque foi baleado.”
Gravício disse estranhar o facto de ter sido uma morte com arma de fogo, até porque, “pelo que nós sabemos, os bandidos daqui não costumam ter armas”.
Nada mais sobrou Centro de Tratamento de Doenças Diarréicas e Cólera. Os médicos que davam suporte em termos de meios e atendimento aos pacientes também saíram do local. No momento da vandalização, havia seis pacientes internados.
O administrador de Mogovolas, Emmanuel Impissa, confirmou que o Centro de Tratamento de Doenças Diarréicas e Cólera foi construído com apoio dos médicos sem fronteira, que era para isolar os doentes de cólera das outras enfermidades. “Então, é aqui onde funcionava. Mas, mercê da desinformação, alegando que os profissionais de saúde estão a distribuir cólera, acabou por se criar esta situação. Isto sofreu três tentativas de vandalização e ontem (referindo-se a sexta-feira), infelizmente, foi de vez, porque a população veio para aqui e vandalizou este Centro de Tratamento de Cólera”, disse.
A maior preocupação das autoridades locais prende-se com os doentes, “porque já se estava a controlar o surto”. É que estavam internados seis doentes e tiveram de ser dispensados para as suas casas. “Não sabemos como vão tratar as suas roupas, não sabemos como vão tratar os seus utensílios e onde vão tratar. Então, a nossa preocupação neste momento é que se pode dar o caso de que percamos o controlo desta doença e, ela se alastrar, não só pelo distrito, mas, por causa do medo que se criou, pode ser que um e outro tenha saído do distrito para a cidade de Nampula ou para Angoche ou para qualquer outro ponto da nossa província, à procura de refúgio, e aí vem o receio de perdermos o controlo desta doença”, revela Emmanuel Impissa.
O administrador de Mogovolas esclareceu ainda que a doença estava a ser controlada, tanto que, desde que se abriu o Centro de Tratamento de Cólera, houve apenas quatro óbitos, sendo que os restantes 17 foram ao nível da comunidade, “mesmo por causa dos mitos que iam surgindo, porque há vezes que nós preferimos procurar vias alternativas, como o curandeiro, e só depois, numa fase muito tardia, é que pensamos em ir ao hospital, e as pessoas não chegavam aqui”, concluiu.
Para além do Centro de Tratamento de Cólera, foi vandalizado o bloco operatório. Sem esses serviços a funcionar, é a própria comunidade que vai ressentir-se da falta desses serviços, tal como disse Quisito Armando, também residente em Nametil, que revela que “desde que esse projecto de Médicos Sem Fronteiras chegou aqui, a população começou a dizer que nós não queremos esses Médicos sem Fronteiras, devem afastar. Por isso mesmo, o hospital não foi mexido”.
Devido à situação vivida na sexta-feira, os profissionais de saúde abandonaram por completo a unidade sanitária, que era, no caso, de referência ao nível do distrito de Mogovolas. Trata-se de uma unidade sanitária que atende muitos pacientes, sobretudo de malária. Não estando nenhum paciente internado, não se calcula o que pode estar a acontecer nas comunidades.
Filipe Nyusi lamenta destruição do Centro de Saúde de Nametil
O Presidente da República, Filipe Nyusi, diz ser esquisito o que está a acontecer em Mogovolas, numa altura em que as autoridades sanitárias fazem todo o esforço no sentido de controlar e colmatar cólera.
“Recordo que, em 2016 tive de convocar uma reunião específica de todos os directores provinciais de saúde e o médico-chefe de Maputo, para discutirmos o porquê de a cólera estar a aumentar. Eles disseram o que estava a ocorrer. Fizemos um programa forte, aquele programa que ainda tem de continuar, que é Água para a Vida. Porque o grande culpado da cólera era a água consumida, mais a sujidade, etc. Mas mesmo assim, dirigimos actividades paralelas, e foi isso que nos ajudou bastante a reduzir. Nós tínhamos grandes quantidades de pessoas infectadas com cólera, mas a mortalidade tinha reduzido bastante”, disse Nyusi.
O Chefe do Estado moçambicano fez uma radiografia do que acontece na província de Nampula, em particular no distrito de Mogovolas, tendo dito que “o distrito de Mogovolas é o único do país com surto de cólera activo. Notificou os primeiros casos de cólera no dia 17 de Outubro de 2024. Desde a declaração do surto até ao presente momento, dia 13, quando fiz a avaliação, foram registados 294 casos em Mogovolas, com 21 óbitos. É muito! Em cada 294 doentes, morreram 21”.
Dos 21 óbitos, 17 foram ao nível das comunidades, segundo confirmou o Presidente da República, que frisou que a culpa é da forma como as pessoas encaram a doença, e não da doença em si. “O que significa que, neste momento, a taxa de letalidade geral é de 7,1%, que é bastante alta. E nas últimas 24 horas, isto é, do dia 12 para 13, foram notificados 11 casos novos. Mas tiveram alta 7 e esses 11 estiveram internados no centro de tratamento de cólera, lá em Mogovolas”, explicou Filipe Nyusi.
Sobre as mortes que aconteceram no Centro de Saúde de Namitil, com possível envolvimento de agentes da lei e ordem, Filipe Nyusi diz que o distrito de Mogovolas esteve, em algum momento, envolvido numa situação de jovens recrutados para as fileiras do terrorismo, e isso pode ter contribído para que aparecessem pessoas armadas e com uniforme policial.