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“Cada vez que escrevo um livro, sinto que estou a fechar uma etapa”, Adelino Timóteo

Adelino Timóteo proferiu a frase do título numa conversa (com este jornal) sobre o seu novo romance, O feiticeiro branco, hoje apresentado ao público sob a chancela da Alcance Editores.

 

Aos 14/ 15 anos de idade, Adelino Timóteo decide ser escritor. Entretanto, nessa altura, não julgava que teria tantos livros publicados. Hoje, o autor soma 19 títulos, entre romances, poesia e um conto infanto-juvenil, Na aldeia dos crocodilos, altamente recomendável no Brasil. Considerando o longo percurso trilhado até chegar aqui, 2020 é especial, afinal o escritor comemora 20 anos de carreira literária. Mas não há bolos nem coisas assim. Há livro, apresentado ao público hoje, num evento online.

Intitulado O feiticeiro branco, o novo romance de Adelino Timóteo retrata uma história sobre a memória de Gonçalo Mendes Ramirez, um fidalgo português que esteve na Zambézia, mais ou menos entre 1886 e 1890, especificamente num prazo que desenvolve actividade agrícola a grande escala. Timóteo considera essa vinda a África uma descida ao coração das selvas (num continente puro, virgem) e, simultaneamente, uma descida ao inferno, devido a tantas matanças no romance.

O feiticeiro branco é um romance histórico, e a personagem Gonçalo Mendes Ramirez é apropriada à leitura de Adelino Timóteo à obra de Eça de Queirós. Tendo percebido que o escritor português não investe em profundidade no desenrolar da história, no espaço africano, quando cá traz a personagem, Adelino Timóteo quis desenvolver o que Gonçalo Mendes Ramirez pode ter feito em África. Ao fazê-lo, escreveu um romance que coincide, em termos cronológicos, com o período de vida da protagonista Luiza da Cruz, no romance Os oitos maridos de dona Luiza Michaela da Cruz. “Achei interessante pôr estas duas personagens a encontrarem-se”.

Com o novo livro, escrito em Portugal entre 2014 e 2016, Adelino Timóteo pretendeu encerrar a trilogia sobre o Zambeze, que inclui ainda Os oitos maridos de dona Luiza Michaela da Cruz e O cemitério dos pássaros. Com efeito, O feiticeiro branco é um diálogo com Eça de Queirós, que, segundo Timóteo: “acho que Eça deve ser bem lido aqui, para se perceber como é que um intelectual português daquele tempo pensava”.

Adelino Timóteo decidiu escrever sobre a Zambézia por ser a parte mais antiga de Moçambique. “À medida que vamos para esse Moçambique, ficamos fascinados pelo universo fantástico e surrealista. Ficamos impressionados e é uma bênção entrar naquela atmosfera, com grandes donas e senhores. Escrevi a ver essas pessoas e tive desejos de ter vivido naquele tempo. A forma que encontrei de viver o tempo foi escrevendo os livros”. Ainda assim, o escritor encerrou a trilogia sobe aquele lugar mítico, pois “acho que agora tenho de encarar outros desafios. Sinto que, depois de três livros, já não tenho mais nada a dizer”.

Volvendo aos 20 anos de carreira, Adelino Timóteo lembra que foi um percurso nada pacífico. No princípio, muitas pessoas próximas disseram-lhe que escrever é um voto de pobreza, porque escrever não dá dinheiro. Não cedeu. E hoje, “não sou rico, mas vivo do que a escrita me dá. Não passo fome. Pelo contrário, sou uma pessoa feliz porque faço o que gosto”.

Adelino Timóteo contou que a disciplina foi determinante na sua carreira. “O jornalismo deu-me essa disciplina. O jornalista não tem medo de escrever e não tem rodeios sobre o que constitui a escrita, e o jornalista escreve todos os dias. Então, eu escrevi sempre sem preocupação com o que os outros escreveram ou deixaram de escrever. Sempre segui a minha disciplina”.

Agora, duas décadas depois, o que falta a Adelino Timóteo escrever? Como se tivesse resposta para tudo, o escritor rematou sem hesitar: “falta-me escrever mais uns cinco ou seis livros. Depois disso, acho que não terei mais nada. Cada vez que escrevo um livro, sinto que estou a fechar uma etapa”.

Nestes 20 anos de actividade literária, Timóteo vê um franco crescimento da literatura em Moçambique, em termos de quantidade, qualidade editorial e em termos de autores que estão aparecendo. “Acho que há algum tempo houve um pessimismo em relação à nossa literatura, que agora se confirma ser infeliz. É possível, mesmo fora de movimentos literários, termos escritores interessantes. Penso que, nos próximos 20 anos, a nossa literatura sairá do beco em que se encontra. Está ainda abafada, mas teremos uma literatura a circular mais pelo mundo, com autores moçambicanos a serem mais divulgados. Pouco a pouco, os elementos do romance em voga ao nível internacional vão esgotando, e penso que há uma grande fonte em Moçambique, que ainda não foi explorada. Temos muito material desconhecido. O Brasil já percebeu isso e está a fazer um grande trabalho de divulgação da nossa literatura. Prevejo um boom da nossa literatura em Portugal e no Brasil”.

Por fim, Adelino Timóteo disse que os autores nacionais não devem se limitar nas marcas simbólicas moçambicanas, mas pensar na literatura como um património do mundo. “A nossa literatura tem de dizer alguma coisa aos outros povos”.

 

 

 

 

 

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