Por: Henrique Aly (jornalista da SuperSport)
A seleção de futebol de Cabo Verde representa um país composto por 10 ilhas, localizado a cerca de 400 milhas da costa ocidental de África.
A 14ª posição no ranking da CAF, confere aos “Tubarões azuis” o merecido e arduamente conquistado rótulo de melhor equipa entre as quatro representantes dos PALOP’s na 34ª edição da Taça das Nações Africanas, que decorre na Costa do Marfim entre 13 de Janeiro e 11 de Fevereiro deste ano.
Qualificaram-se para esta edição com bastante tranquilidade, confirmando o apuramento a uma jornada do fim e esperam igualar ou até melhorar o seu desempenho da estreia na CAN 2013, quando chegaram aos quartos-de-final.
EQUIPA DAS “NAÇÕES UNIDAS”
Longe de ser uma seleção candidata ao título, até porque se apresenta apenas pela 4ª vez na maior cimeira de futebol do continente berço da humanidade, numa prova que inscreve 12 campeões das 33 edições anteriores, Cabo Verde chama a atenção por uma particularidade: é a única seleção na CAN 2023 com 24jogadores selecionados de 24 clubes diferentes, baseados em 16 países e apenas o defesas Ianique dos Santos Tavares “Stopira” atua num clube cabo-verdiano.
Isso não é necessariamente incomum, especialmente para países de África com diásporas estendidas e histórias de colonialismo europeu. Por exemplo, 8atletas da Costa do Marfim não nasceram no país sede da Copa africana. A Argélia tem 14 atletas nascidos no estrangeiro, Marrocos apresenta-se com 17.
A ligeira diferença em relação a Cabo Verde é a variedade de locais de onde vem o seu plantel. Todos os oito jogadores da Costa do Marfim, com exceção de um, nasceram na França. Os argelinos vêm de França e dos Países Baixos. Marrocos tem jogadores nascidosem quatro países diferentes, mas é incomum que uma seleção nacional se baseie num grupo tão heterogénio.
A migração generalizada de Cabo Verde, que até 1975 fazia parte de Portugal, iniciou-se nas décadas de 1960 e 70, levando ao estabelecimento de significativas comunidades cabo-verdianas em França, Holanda, EUA e, claro, em Portugal. Os cabo-verdianos nativos espalharam-se, estabeleceram-se e são os seus filhos – ou filhos destes – que hoje formam a base da equipa nacional de futebol.
Mas demorou um pouco até que eles explorassem essa diáspora. A título de exemplo, quando o país se estreou no torneio continental em 2013, dos 23 convocadoshavia 18 nascidos nas ilhas. Foi a partir de 2018, no segundo consolado do selecionador Rui Águas, antigo craque do Benfica, do FC Porto e da seleção portuguesa, que se deu um impulso significativo ao recrutamento de descendentes espalhados pelos quatro cantos do mundo. Estava lançada a matriz do que é hoje uma espécie de seleção global. Em muitos aspetos, Cabo Verde é como um clube cosmopolita moderno. Enquanto muitas equipas nacionais são compostas por jogadores de origens e culturas semelhantes, Cabo Verde é mais cosmopolita.
CRIOULO, A CHAVE DA UNIÃO
Quatro jogadores selecionados para o torneio deste anosão holandeses de nascença, incluindo o meio-campista Deroy Duarte, do Fortuna Sittard. “É algo especial”, diz ele sobre a diversidade dentro do elenco. “Muitos jogadores vêm de países diferentes, tiveram uma educação diferente, ambientes diferentes, mas quando nos concentramos parece que estamos todos juntos há muito tempo.”
O centro-campista Jamiro Monteiro, que também nasceu e cresceu nos Países Baixos, filho de pais cabo-verdianos, acrescenta: “Somos um país pequeno, mas os cabo-verdianos estão em todo o lado. Todos vêm de países diferentes, mas o mais importante é entendermo-nos.”
A chave para isso é a língua que, no caso de Cabo Verde, é o crioulo — ou, mais especificamente, uma versão cabo-verdiana do crioulo que é exclusiva das ilhas. Ajuda-os a sentirem que não só têm algo em comum, mas algo que mais ninguém tem.
“O crioulo é a língua dominante no plantel”, diz o defesa Roberto Lopes, que joga no Shamrock Rovers da Irlanda, país onde nasceu e tem o inglês como língua primária. “No país, tudo é ensinado em português, mas as pessoas falam crioulo. É uma língua muito difícil aprender a não ser que se esteja perto de cabo-verdianos porque não há literatura para estudar. Cria uma sensação de união. Quando estamos a treinar ou no hotel, há sempre música cabo-verdiana a tocar. Ganha-se uma noção da cultura e do património.”
ORGULHO E PATRIOTISMO
Nas equipas nacionais que apresentam um número significativo de jogadores que nasceram e cresceram fora do país, por vezes há um preconceito de que não serão tão comprometidos como os jogadores “nativos”. É algo comum quando as coisas não correm bemculpar-se os jogadores “estrangeiros” pela sua alegada falta de compromisso e patriotismo.
Mas, Cabo Verde projeta um cenário diferente. Aprincipal razão é que a motivação dos jogadores não é apenas pessoal: a razão pela qual eles representamuma nação diferente de onde nasceram são os seus pais. Portanto, na maioria dos casos, eles jogam mais pelo orgulho das suas famílias do que para si mesmos. Trata-se de algo maior do que eles.
“Jogar pela terra dos teus pais, pelo país da tua família, é diferente”, diz Jamiro Monteiro, jogador dos San Jose Earthquakes da liga norte-americana. “Para mim, parece que nasci lá. Não consigo descrever o sentimento quando vou lá e a forma como as pessoas te veem e te respeitam.”
É um sentimento ecoado por Laros Duarte, que salienta que a sua família “também recebe muito amor e crédito porque os seus filhos estão a jogar por Cabo Verde”.
Lá está, novamente, a sensação de que a seleção de Cabo Verde é apenas um ótimo lugar para passar algum tempo, mas os jogadores fazem questão de deixar claro que esta não será uma escapadela para férias, onde todos têm algumas semanas adoráveis longe de casa.
“Queremos fazer história”, diz Duarte. “Desejamoscolocar Cabo Verde mais no mapa. Vai ser muito bomse chegarmos aos oitavos-de-final, mas também a jogar de uma forma que os adeptos gostem.”
Este é o perfil resumido da seleção que Moçambique se prepara para defrontar na 2ª jornada da fase de grupos da CAN 2023, depois de ter arrancado um empate histórico, a duas bolas, contra o Egito, na mesma ronda em que os cabo-verdianos surpreenderam derrotando o Gana por 2-1 para assumirem a liderança do grupo B.
No histórico de confrontos, Mambas e Tubarões azuis venceram dois jogos cada e empataram uma vez. Já não se cruzam desde aquela fatídica tarde de 30 de Março de 2021 quando a jogar em casa e a precisar de vencer para nivelar o confronto direto, Moçambique perdeu com Cabo Verde no estádio nacional do Zimpetopor 1-0 e viu novamente adiado o seu regresso à Taça das Nações Africanas.
Será esta a hora da desforra dos moçambicanos?