Nas próximas semanas, o Teatro Avenida e a Escola Sabura, novo centro cultural de Manuela Soeiro, vão promover um ciclo de cinema. Entre as obras cinematográficas seleccionadas constam oito de um dos grandes realizadores do séc. XX, Ingmar Bergman, e quatro de outros cineastas sobre quem o artista teve uma grande influência: Woody Allen, Lars Von Trier, Soderbergh e Fassbinder.
A inauguração do ciclo está marcada para esta terça-feira, quando forem 18h, no Teatro Avenida, na cidade de Maputo, e o filme escolhido para o efeito é “Fany e Alexander”, de Bergman, premiado, em 1984, com o Óscar para Melhor Filme Estrangeiro.
A anteceder a projecção do filme do realizador e dramaturgo sueco, a sessão cinematográfica prevê intervenção do poeta António Cabrita, que se vai dirigir aos espectadores com a pretensão de estabelecer uma corrente pedagógica e dizer o que lhe parece pertinente, quer para acentuar aspectos temáticos que tornaram o filme importante, portanto realçando o contexto, quer para chamar a atenção para aspectos formais da linguagem do cinema que estão para além dos conteúdos.
A exibição dos filmes acontecerá uma vez por semana, sempre às 18 horas de terça-feira, o que inclui uma conversa sobre a obra levada à grande tela, com convidados destacados para o efeito. Além de “Fany e Alexander”, no Avenida serão ainda projectados outros títulos de Ingmar Bergman, por exemplo, “O desejo”, “Persona”, “Lágrimas e suspiros”, e, claro, “O sétimo selo”.
Na percepção de António Cabrita, Bergman é uma espécie de Shakespeare sueco, no sentido da prolixidade, da diversidade e da dimensão existencial das suas obras. “Um homem que reflecte nas suas obras sobre os problemas de que padecem todos os homens e uma certa condição social que marcha para o desenvolvimento”. E o escritor português acrescenta: “as suas personagens particulares ganham uma universalidade que ressoam da Manchúria à Argentina, com volta pelo Japão e Madagáscar”. Por isso mesmo, “como os moçambicanos têm todos cinco orifícios corporais, o mesmo número de ossos que os demais habitantes do planeta, um idêntico cagaço perante a morte, a mesma reacção face à discrepância entre os sonhos de cada um e a realidade, ou semelhantes atritos de vaidade e as mesmas variantes no que toca à ambição e à ética, sofrendo dos mesmos contrastes em tudo o que se relacione com os curto-circuitos entre o amor e o desejo, julgo que qualquer pessoa inteligente encontrará identificação nas histórias do Bergman. Além disso são tão bem estruturadas e bem escritas que merecem ser desfrutadas por todos”, garante Cabrita.
As entradas ao ciclo de cinema em causa são livres, graças ao apoio da Embaixada da Suécia em Maputo.
Ernst Ingmar Bergman (1918 – 2007) nasceu em Upsália, na Suécia. Desde o início dos anos 60, destacou-se nos Óscares, vencendo prémios para Melhor Filme Estrangeiro com “Jungfrukällan” (1961), “Sasom i en spegel” (1962), “Fany e Alexander” (1984). Pela Academia dos Óscares, é Prémio Honorário Irving G. Thalberg. O realizador destacou-se ainda ao vencer, entre vários galardões, várias edições dos Globos de Ouro, com os filmes “Smultronstället” (1958), “Ansikte mot ansikte” (1971) ou “Höstsonaten” (1979). Foi Melhor Realizador no Festival de Cannes, em 1958, com Nära livet, e Urso de Ouro no Festival de Berlim, no mesmo ano.
De acordo com Cabrita, a excelência de Bergman é tão grande que em todas as listas dos melhores filmes de sempre, desde há cinquenta anos para cá, alguns dos seus filmes são invariavelmente incluídos. “E como se perdeu uma verdadeira tradição de cine-clubes em Maputo e o cinema comercial que resta só passa filmes sofríveis há uma lacuna para colmatar entre as novas gerações e a história do cinema. É neste espaço vago que pensamos trabalhar”.
Ao ciclo que ora inicia, seguir-se-ão outros, com carácter regular, entre os quais um de cinema africano, no Teatro Avenida ou na Escola/Museu Sabura.
Curso para jornalistas e apreciadores de arte
Além do envolvimento na organização do ciclo de cinema marcado para o Avenida, António Cabrita vai, naquele Teatro, orientar o “Curso sobre Arte e Pensamento, desde as Vanguardas do Século XX até hoje”. Segundo o escritor, o curso dirige-se ao público em geral que queira ampliar de forma sistematizada a sua cultura embora tivesse sido concebido tendo como público-alvo jornalistas que se queiram especializar na área cultural. Assim, “em três módulos pretende-se explicar o percurso da arte e dos movimentos sociais, no século que moldou definitivamente o nosso olhar e o nosso quotidiano”.
O curso surge na sequência de Cabrita ter verificado, ao longo dos anos, uma evidente falta de preparação da maioria dos jornalistas para a área cultural. “Como fui jornalista cultural durante 23 anos em Portugal, preparei uma série de módulos para apetrechar quem queira de uma panorâmica geral da arte, da cultura e do pensamento do século XX e das suas extensões neste século. Este primeiro módulo estende-se até aos anos sessenta. Como se diria no Brasil é uma espécie de ‘curso-sanduiche’, que depois decidi alargar a um público geral. Como este curso terá o seu diploma de participação mas não terá notas, espero que vá quem realmente esteja interessado em aprender e não quem só quer canudos. O curso será um pouco multimédia, ou seja, vamos ver muita imagem (de arte, publicidade, excertos de filmes, etc.), ouvir música, fazer leituras comentadas de leituras de obras marcantes, etc. Só não dançaremos porque o intuito não é namorar”.
Para o curso, António Cabrita vai aceitar 25 ou 30 alunos, aos quais vai fazê-los absorver outros níveis de convivência, outros tipos de alegria ou motivar novas perguntas que rompam hábitos.
As inscrições poderão ser feitas a partir da próxima sexta-feira, no Teatro Avenida.