O País – A verdade como notícia

As práticas do adultério jazem ali

Por: Edna Matavel

 

Venho da cidade dos santos, onde tudo é proibido para os mais novos. Criticar aos mais velhos é sinónimo de desrespeito.

Mandoza nasceu e cresceu na Igreja Santo dos Santos, que leva o nome daquela comunidade. Fez os estudos dominicais e teve, sempre, destaque. Jovem aplicado e obediente. Essas são as qualidades que o permitiram alcançar a tão esperada bolsa de estudos para o estrangeiro, onde passou a estudar Teologia. Sempre foi culto e exemplar para os habitantes da sua povoação.

Na cidade do estrangeiro em que passou a viver, frequentou a igreja que seria responsável pelo seu processo de aprendizagem. Entretanto, as práticas que ali se viam eram abomináveis segundo as suas tradições, e, para manter firme a sua fé e seus princípios, via-se obrigado a recorrer às escrituras sagradas em busca de refúgio. Facto curioso: os usos e costumes da religião a que Mandoza passara a professar, eram bastante distintos do padrão, pois a homossexualidade, o adultério e os demais vícios, eram normalizados naquela congregação. O seu processo de ambientação não foi tão difícil, tanto é que, acabou por conhecer uma jovem de nome Laureta. Ela apresentou-o a jovens com os quais passou a partilhar várias experiências sobre assuntos relevantes daquele tempo. A par disso, Mandoza continuava retrógrado, pois, os hábitos do campo resistiam na sua veia.

Com o tempo, ele percebeu que não existe um pecado condenável em relação ao outro. Tudo depende das práticas sociais e a forma como se faz julgamentos ao estilo de vida de cada povo. Pelo que, o que sempre considerou pecado, para outros, era um prazer espiritual.

O seu relacionamento com Laureta foi crescendo e, inevitavelmente, apaixonou-se por ela.

O estilo de vida da jovem era diferente do seu. Ela, de beleza exuberante, levava a vida social assiduamente, o que lhe viria, a posterior, gerar uma estatura degradante. E porque o amor é um sentimento que por vezes nos tolda a razão, Mandoza renunciou tudo e seguiu a podridão de vida da mulher amada. Passou a amá-la. Em detrimento destes acontecimentos, a rotina do pobre homem, sofreu uma metamorfose. As Discotecas e casas de pastos tornaram-se o seu abrigo. Nessas ramboias, Mandoza embriagou-se. Na mesma noite, Laureta traiu-o com um amigo. Foi uma enorme decepção para a vítima do infortúnio. Por causa disso, apelidou aquela cidade como “Cidade dos Amores Ocultos”, pois foi onde descobriu-se e soube que existia uma outra vida além do templo.

Numa manhã de quarta-feira, antes do culto, teve um exame de consciência. Ele percebeu que fugia do foco, que consistia em aprimorar os conhecimentos de modo a que pudesse ajudar no crescimento espiritual dos irmãos que ficaram na cidade Santo dos Santos. Ele pediu perdão diante de Deus, por ter-se deixado levar por um amor ilusório e satánico.

Mandoza pegou na Bíblia para sanar as dúvidas que prevaleciam dentro de si. Pretendia entender se diante de Deus existia distinção entre cultura, porque para os jovens e outros crentes da igreja que frequentava, os vícios faziam parte da modernidade. Para estes, o mais importante era estar presente na missa.

– Será mesmo que há uma escritura sagrada moderna que funciona com base nas virtudes e desejos do mundo? Será mesmo que o desejo de servir a Deus que outrora atraía os homens ainda prevalece? Ou existem, agora, deuses dentro do Deus omnipotente para satisfazer as necessidades individuais.

Estas foram as inquietações de Mandoza até regressar à terra natal, a Cidade Santo dos Santos, onde para ele ainda constituía o verdadeiro tesouro da herança celestial.

Quando chegou à povoação, a primeira coisa a fazer foi visitar a igreja que o viu nascer, para dar vida a aquilo que sempre acreditou e que a cidade dos Amores Ocultos não conseguiu tirar: dar tudo por amor a Cristo.

Para o seu desgosto, as boas práticas com as quais cresceu não mais existiam, o ministério mudou e, nomeava-se membros a cargo de servo mediante as condições financeiras. Passaram a ser os bens da terra a escolher quem servir a Deus. Assim, a mansão celeste passou a ser comprada.

Os cultos deixaram de ser voltados ao pai celeste e passaram a ser uma espécie de exibicionismo, em que os mais sucedidos alcançavam a bênção e os demónios manifestavam-se nos pobres. Mandoza ficou revoltado e a sua fé entrou em crise. Questionava, incansavelmente, para onde perdeu-se a moral da igreja.

Numa dessas madrugadas de vigília, saiu da capela para apanhar ar, e enquanto outros irmãos oravam pedindo protecção, misericórdia e perdão de Deus, os outros, do lado de fora da Capela, faziam amor nos carros aos olhos de Jesus Cristo para de seguida entrar no templo do Senhor e ajoelhar em jeito dissimulado orando “Pai nosso que estás no céu”.

Se é que se zanga com Deus, Mandoza devia estar a carregar a dor de todos. Renunciou a sua fé, julgando que a verdade da religião reside naquilo que nunca foi desvendado. A inveja morava sobre todos os crentes. Os que se revestiam do espírito de Deus para tirar proveito da cegueira espiritual dos fiéis, a igreja virou centro de fofocas. Foi então que Mandoza decidiu abraçar as suas raízes, dizendo que mil vezes servir e andar de acordo com a vontade dos ancestrais a mentir servir a Deus para beneficiar um grupo de homens gananciosos.

A avó de Mandoza era curandeira. No primeiro domingo do mês, ele foi até à palhota para entregar-se à vontade dos espíritos. Foi um momento de júbilo para ela, porque acreditava que o neto havia desperto para a vida e para as raízes. Portanto, ele recebeu a bênção e um ritual de “hoyo hoyo kava kokwana”. Passou a usar seu nome tradicional em jeito de reverência. Os dias passaram a ser diferentes. Apagaram-se todas lembranças da cidade dos Amores Ocultos, duas vezes ao dia ia às campas para servir aguardente aos espíritos.

Num desses dias enquanto dormia, despertou e ouviu vozes ruidosas a chamar por ele em direcção ao cemitério familiar. Quando ali chegou, ficou debruçado na campa do avô e gritou: levem-me às alturas. Foi neste instante que uma serpente apareceu subitamente e o devorou.

No dia seguinte, como era de praxe, a avó foi depositar flores e deparou-se com o corpo do neto no chão, os servos que o acompanhavam manifestaram e os espíritos começaram a disputar. Os espíritos maternos queriam que ele fosse servo de Deus e com práticas modernas para ser motivo de orgulho e representante da família. Entretanto, a família paterna queria-o na palhota ao serviço dos espíritos da família. Os gritos chegaram à aldeia e todos assistiram aquele espectáculo de disputa espiritual.

Minutos depois, chegou-se à conclusão que ele tinha de ser sepultado no mesmo instante sem ser levado à aldeia, porque a sua presença em casa resultaria em outras mortes como recompensa por não ter atendido aos antepassados.

Um mês depois, sua alma começou a perturbar os petizes. O defunto queria ser glorificado a viver numa alma pura. Todas as crianças não resistiram e perderam a vida e a aldeia, desta feita, ficou de luto.

 

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos