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As metamorfoses de Thandi, de Mauro Brito e da existência

A beleza não faz o amor, é o amor que faz a beleza.

Tolstoi

 

Até 2019, Mauro Brito publicou dois livros de poesia: Passos de magia ao sol, pela Escola Portuguesa de Moçambique, e O luminoso vôo das palavras, pela Kuvaninga Cartão d’Arte. Desta vez, o escritor aparece em livro com um conto que coloca a rapariga e a mulher como protagonistas da vida e do que isso pode sugerir.

O título do mais recente livro de Mauro Brito é A estranha metamorfose de Thandi, ilustrado pelo artista plástico Samuel Djive. Esta é uma história de amor entre mãe e filha, Mbali e Thandi, personagens agrestes que constantemente enunciam lições universais, atinentes às circunstâncias domésticas e até mesmo comunitárias.

Thandi é um menina cujo corpo é preenchido de porções consideráveis de barro, consequência de certas acções da mãe quando esta estava grávida. Por isso, a menina não deve deixar-se molhar pela chuva tão relevante para a sementeira. Todavia, sem querer, na tentativa de salvar um celeiro com produtos, Thandi molha e começa a passar mal. Numa sequência de eventos bem encadeados, aí institui-se, na verdade, uma narrativa instigante, a qual, tendo a criança na mira de uma eventual intenção textual, deve envolver qualquer adulto em imprescindíveis metamorfoses.

Com doses anacrónicas assinaláveis, ora antecipando o futuro da narrativa (prolepse), ora recuando ao passado importantíssimo para o presente das personagens (analepse), A estranha metamorfose de Thandi exibe um narrador cuja vocação não se limita a contar uma história formidável. O narrador de Mauro Brito tem um discurso esclarecido, essa perspicácia omnisciente na manipulação psicológica do leitor, com recurso ao que as personagens sentem, anseiam, perspectivam ou temem. Há aí um enunciador do discurso muito atraído por conduzir viagens pelo tempo, pelos arquétipos culturais de uma comunidade possível e, claro, pelos espaços às vezes feitos de esperança intermitente.

A escrita deste conto destaca um autor atento ao pormenor do que serve no enchimento do universo diegético, sempre carente de cor e sensibilidade: “A brisa carregava o pólen das flores. O orvalho ainda cintilava por cima das folhas das árvores. O conselheiro já se tinha acomodado num tronco de árvore e tentava ressuscitar uma fogueira já vencida pela madrugada, enquanto observava a natureza a espreguiçar-se” (p. 13). Numa passagem posterior: “No novo dia, a Lua ainda emprestava o seu encanto ao céu azul-cinza quando o Sol, como uma flor amarela, sobrevoou lentamente os campos, até galgar o horizonte, mais tarde que o habitual. Talvez por isso, o orvalho ainda se estendia sobre as folhas como uma película fina” (p. 18).

É assim em A estranha metamorfose de Thandi. Além de uma história repleta de imaginação, subtil, o conto de Mauro Brito estimula uma aventura pela obediência e pelos efeitos perniciosos causados pelo inverso disso. Aí há, seguramente, uma tentativa consciente (ou não) de o autor fortalecer a autoridade dos pais e/ou encarregados de educação em relação aos filhos. No entanto, sem aquele desfecho já gasto sobre a moral nas histórias infanto-juvenis. Brito foge a isso ao mesmo tempo que constrói a beleza dos cenários, dos impasses narrativos e dos suspenses fundamentados no amor recíproco entre Thandi e Mbali.

Este conto é sobre as metamorfoses de Thandi, é certo, e também sobre tantas outras metamorfoses da existência decorrentes das escolhas ou das decisões que se tomam. Em 31 páginas Mauro Brito lembra que para cada acção há uma consequência. Ainda assim, sugere o conto, o que eventualmente é um fim, pode apresentar-se como oportunidade. As personagens desta história são determinadas: vencem a dor, o medo, a angústia e o ressentimento. Tudo em prol de uma voz que, se for ouvida, ensinará o leitor a amar nesta época estranha.

 

Título: A estranha metamorfose de Thandi

Autor: Mauro Brito

Editora: Escola Portuguesa de Moçambique

Classificação: 16

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