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Aplicação de Penas Alternativas à Prisão aos Crimes Contra a Vida Selvagem

António Sitole

 

Com a entrada em vigor da Lei nº 16/2014, de 20 de Junho, Lei de Protecção, Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Biológica (Lei de Conservação-LC), republicada pela Lei n.º 5/2017, de 11 de Maio, as infracções contra o meio ambiente, mormente contra a vida selvagem e flora, que antes eram punidas como contravenção pela Lei n.º 10/99, de 07 de Julho (Lei de Florestas e Fauna), passaram a ser tipificados como crimes.

Condutas como as de abate sem autorização de espécies proibidas e protegidas de flora e fauna; posse, transporte, comercialização, importação, exportação e venda sem permissão legal de recursos florestais e faunísticos, entre outros, deixaram de ser punidas apenas com multa e passaram a ser sancionadas com penas de prisão que variam de 8 a 16 anos e multa correspondente (art. 62 da LC).

Por forma a desencorajar os prevaricadores, os Tribunais têm sido implacáveis na punição, existindo casos em que são aplicadas penas concretas de até 30 anos de prisão.

No entanto, em 2020 um tribunal nacional aplicou uma pena não privativa de liberdade, concretamente a de prestação de serviços socialmente úti, a um maior de 21 anos por ter ficado provado que o mesmo cometeu um crime de abate ilegal de espécies protegidas de fauna, ilícito punível com pena de 12 a 16 anos de prisão.

Não se vai aqui questionar o mérito da decisão do Tribunal, mas tão-somente a possibilidade de aplicação ou não de penas não privativas de liberdade aos agentes de crimes contra a vida selvagem.

O Código Penal (CP) enumera no seu artigo 71 as penas não privativas de liberdade. Assim, são penas não privativas de liberdade: a multa; a prestação de serviços socialmente útil; e a interdição temporária de direitos. No entanto, o legislador penal proibiu que se aplicasse penas alternativas a prisão a determinados tipos de crime, dos quais há que destacar a caça, abate ou pesca de espécies de flora e de fauna protegidas ou proibidas – vide al. l) do nº 1 do art. 69 do CP. Não só proibiu a aplicação de penas não restritivas de liberdade aos crimes contra a vida selvagem, mas também limitou o seu uso aos delitos cujas penas a serem aplicadas não excedam a 3 anos.

Diferentemente do que acontecia com o anterior CP, aprovado pela Lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro, em que dedicava alguns artigos aos crimes contra a vida selvagem, mormente a exploração ilegal de recursos florestais (art. 352), abate de espécies protegidas e proibidas (art. 353) caça e pesca proibida (art. 359 e 360), a previsão dos mesmos não consta do actual CP. Contudo, engana-se aquele que pensar que os mesmos deixaram de ser crime, visto que, a Lei de Conservação não se aplica apenas aos crimes ambientais e contra a vida selvagem cometidos dentro das áreas de conservação, pois nos termos do nº 1 do seu artigo 3, o seu regime jurídico “aplica-se a todos valores e recursos naturais existentes no território nacional e nas águas sob a jurisdição nacional”.

Ora, a LC, no nº 2 do art. 53, contém uma disposição legal que prevê a aplicação de penas alternativas à prisão, segundo a qual: “em casos devidamente justificados, ao infractor pode ser aplicada pena alternativa, incluindo de trabalho para a compensação ao esforço da conservação”.

Da formulação constante da disposição legal citada, resulta que, em regra, se pode aplicar todas penas alternativas à prisão constantes do CP, incluindo a da compensação ao esforço da conservação.

Questão por resolver é a de saber se a norma contida no já referido n.º 2 do art. 53 da LC está em vigor, tendo em conta que o actual Código Penal é uma Lei nova, comparativamente a LC, limita a aplicação das penas alternativas aos crimes contra vida selvagem e aos ilícitos criminais puníveis com penas superiores a três anos. Ao conversar com o actual CP, para encontrar uma resposta à questão suscitada, constatou-se que não existe uma norma que expressamente revogou o nº 2 do artigo 53 da Lei de Conservação, ou quaisquer normas deste diploma legal que a contrariem.

Nos termos do n.º 3 do art. 7.º do Código Civil: “A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra fora a intenção inequívoca do legislador”. Desta disposição legal resulta que o actual código penal ao não declarar de forma expressa a revogação do já referido nº 2 do art. 53, a norma nele contida mantém-se em vigor.

Assim, partindo das premissas segundo as quais: (i) o actual código penal não contém uma norma que expressamente revoga as disposições da LC; (ii) A Lei geral não revoga a especial; a conclusão óbvia é de que, enquanto não existir uma revisão pontual da LC, aos crimes contra a vida selvagem é permitida a aplicação de penas não privativas de liberdade independentemente da pena aplicável, cabendo, em cada caso concreto, ao juiz decidir tendo em atenção, entre outra circunstâncias atenuantes, as constantes do art. 56 da Lei de Conservação, designadamente: (i) a gravidade do facto; (ii) os antecedentes do infractor; (iii) conhecimento ou noção das consequências do acto praticado.

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