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António Marcos: o enganador de luvas brancas

 

Há muito por se dizer da carreira deste senhor. Sinto-me minúsculo demais para rabiscar o que quer que seja sobre ele. Quem sabe, um dia ganhe coragem para tal. São muita histórias que ele partilhou desde que cedo abandonou Chiconela usando Oliveiras, cheio de sonhos e ilusões, na esperança de para lá retornar. A primeira música de Antoninho que eu ouvi era mesmo sobre a ideia de voltar a Choconela, ainda que tenha saído decepcionado, porque a filha de Caim lhe fez entregar tudo que tinha, para nada. Depois de entregar o gado para lobolo da moça, ela foi “pilar” noutra família. Pobre dos pais que são cantados por Antoninho. Eles aceitaram o espólio sabendo que a menina não era boa de palavra.

Ficou esperto, Antoninho. Para a segunda menina fez uma promessa. “Vou a Maputo e regresso com coisas boas e lindas. Vou pegar Nkondjane de Xitonhana e vou lutar pela vida”. A menina de Chiconela nunca via o Antoninho regressando com as prometidas coisas boas. Até os madjoni-djoni iam e vinham com saias, vestidos, lenços e mais benesses, mas o seu querido Marquitos, nada. Ensaiou a bela prometida de Antoninho uma ida a Maputo, para ver com os próprios olhos as moças que se alimentavam de saladas para manter os corpos fitness enquanto ela descia a baixa de Limpopo para ajeitar uma couve e depois beber água, como recomendou Eugênio Mucavele em Mali ya Phepa e secundado por aquele outro, para lembrar aos professores que estão de greve desde 1990. A moça sente-se enganada por Antoninho. seduzida e com promessas brilhantes, ela vive sofrimento e solidão. Avisa ao António Marcos que outros poderão achar graça a menina triste, suja e abandonada.

Quando isso acontecer, o corajoso que tirar a moça da sarjeta vai levantar a voz para defender a sua fêmea e não mais o Antoninho terá direito de dizer “voltei, amor”. Ra bonga duna.

O que a menina não sabe é que ele chegou a Maputo e teve que usar as luvas para lutar pela vida. António Marcos lamentou-se pelo facto da mãe não o ter levado à escola. Chegado a Maputo teve que carregar chapas de 12 pés para se sustentar. Não restava muito, nem mesmo para levar uma menina nas faras de Malhangalene. Só lhe restava aceitar para aguentar com a dureza da vida na capital.

A vida dele era mesmo um Tsatsaztsa em Mafalala, vendo meninas e rapazes dançando Msakazi. Adiava-se cada vez mais o regresso para encontrar a menina de Chiconela. Andou no boxe, andou na igreja até encontrar o conforto na música. A viola la mina la vula-vula. é com a viola que terá os valores que precisa para retornar a Chiconela. Até porque a maronga que o distraiu em Maputo é duma conduta duvidosa. Para ela há sempre cultos nocturnos na igreja. Precisa ser enquadrada tipo Garakunha (fémea de peru) que só entra na capoeira depois de umas boas pancadas.

Está difícil a trajectória deste senhor. Já não é um Antoninho. Saiu de casa e deixou a mãe com muitos filhos, um team de futebol, diga-se. Entretanto, ao regresso, todo Xikwata (Squad) desapareceu, só resta ele, tipo cria de uma rola que escapou dos predadores que atacam, o ninho.

Este é António Marcos Matusse, grande músico, grande dançarino e … uma voz sem igual. Ele não é enganador. Maputo é que foi duro para com ele. Pode até não parecer, porque as luvas estão tão limpas e branquinhas, mesmo depois de muitos combates.

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