Dois médicos moçambicanos reanimaram um paciente que teve paragem cardíaca em pleno voo. O avião saía de Maputo para Pemba, mas teve de aterrar de emergência em Nampula.
Naquela voz típica do pessoal de tripulação que se ouve pelos altifalantes, o jovem comandante Norton Nhantumbo anunciava aos seus passageiros que a aeronave (Boeing 737/700) estava a sobrevoar o espaço aéreo da cidade de Quelimane. Era o voo TM172 do dia 24 de Abril de 2024. O voo saía de Maputo com destino à cidade de Pemba, e a viagem era agradável.
Tudo muda quando, por volta das 13h00, um passageiro começa a convulsionar, morde a língua e entra em paragem cardíaca. O pânico toma conta dos passageiros, sobretudo os que estavam nos assentos próximos.
Os assistentes de cabine accionam no telefone do avião e informam a tripulação sobre o que estava a acontecer e aguardam por uma tomada de decisão imediata.
“A partir do momento em que tomámos conhecimento de estar a ocorrer uma emergência médica a bordo, preparamo-nos para os diferentes cenários possíveis e estudamos rapidamente as opções que temos. A acção final a tomar dependerá sempre de alguns factores: a evolução do estado do passageiro, a posição em que nos encontramos em relação ao voo. O objectivo é que o passageiro tenha a melhor assistência médica possível, o mais rápido possível”, descreve o comandante, falando em exclusivo ao nosso jornal.
O avião estava a uma altitude equivalente a 11 900 metros (quase 12 km). O comandante Norton era coadjuvado pelo co-piloto Djair Faquirá, a chefe de cabine era Manuel Chitata e as assistentes de bordo Amélia da Cruz e Nilza Balate. Todos tinham de tomar uma decisão concertada.
“A tripulação de cabine tudo fez para que rapidamente o passageiro tivesse a ajuda de que necessitava”, diz o comandante, mas, no meio dessa operação de emergência, surge a ideia de perguntar se entre os passageiros havia profissionais de saúde.
“O facto de ter médicos a bordo é tranquilizador, porque, embora os nossos colegas (tripulação de cabine) tenham formação em primeiros socorros, a ajuda de profissionais da área da saúde é sempre bem-vinda, deixa-nos mais confortáveis e certos de que o passageiro terá a melhor assistência possível, dentro das condições específicas de um voo”, detalha.
É nesse momento que dois personagens entram em cena: o médico gineco-obstetra Dinis Viegas Manuel e o médico internista Calima Muagerene que se prontificam a ajudar a reanimar o passageiro que virara paciente.
“Quando nos pediram socorro, eu e o meu colega dissemos ‘vamos ajudar o doente’. Teve uma paragem cardiorespiratória clássica”, explica o Dr. Calima, e o seu colega o Dr. Dinis detalha que “tínhamos que abrir as vias aéreas porque ele tinha mordido a língua e por via disso também fechou as vias aéreas, então não conseguia respirar.
Tivemos de o colocar na posição lateral enquanto o colega iniciava as manobras de massagem cardíaca. Eu fui junto ao pessoal de cabine, identificamos a caixa de emergência que eles tinham e identificamos alguns medicamentos que são utilizados para a reanimação e fizemo-lo.”
A operação durou cerca de dois minutos – tempo que, se se tivesse perdido, podia ter resultado em óbito. O passageiro/paciente ganhou consciência, mas continuava agressivo, pelo que o comandante Norton decidiu levar o aparelho a aterrar de emergência no aeroporto de Nampula, às 13h28, para que o paciente tivesse uma assistência especializada que acabou acontecendo, ao cuidado do Dr. Frederico, o médico neurologista afecto ao Hospital Central de Nampula – aliás, os dois “anjos do avião” também estão afectos a esta unidade sanitária e iam reforçar a equipa do Hospital Provincial de Pemba.
O paciente é um docente universitário que tem um histórico de ataques de epilepsia.
Com tudo controlado, o comandante Norton Nhantumbo – há 11 anos na aviação civil – decidiu promover os dois médicos da classe económica para a executivo, de Nampula a Pemba. “O comandante do voo acabou por tomar esta decisão de passarmos da classe económica para a executiva para mim e o meu colega, e assim se efetuou”, anotou o médico internista, com risos à mistura, não só por ter terminado a viagem na melhor posição no avião, como também pelo final feliz que fez jus ao slogan do Ministério da Saúde: o nosso maior valor é a vida.