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Algumas linhas sobre A caneta do balcão 1

Quando você se apaixona por correntes de prata, você pode se apaixonar por correntes de ouro.

Você pode se apaixonar por belos estranhos e pelas promessas que eles fazem.

Dire Straits

 

 

Zaiby Manasse pode até ser um escritor pouco conhecido, mas já tem três livros lançados. Depois de O mel do meu passado presente (poesia – 2013) e Devaneios ensanguentados pela globalização (poesia – 2014), em Junho estrou-se como ficcionista com A caneta do balcão 1. Chancelado pela editora Kulera, a obra literária aduz uma história de amor entre Inácio e Felícia. Ambos se amam, no entanto, entre eles existe Ernesto, marido de Felícia, o maior entrave na relação entre os protagonistas. Ernesto é áspero e infiel, porém, para a família da esposa, isso nem é um problema, pois há um outro adjectivo a qualificar aquele vilão: rico. Por isso, sem qualquer limite, Ernesto ofende, humilha, viola e violenta a parceira sempre que o apetece. Logo à partida, está aqui uma história sobre realidades comuns, destacando-se personagens que se apaixonam por correntes de prata e por belos estranhos.

  1. Aspectos negativos

Bem ou mal, Zaiby Manasse tem fôlego para escrever uma história interessante. O escritor goza de boa imaginação e até consegue atribuir a pequenos acontecimentos relevância fictícia oportuna. O problema (grave) é a falta de consistência narrativa. Em A caneta do balcão 1 estão reunidos elementos que tornam o exercício do autor frágil. Honestamente, o livro não deveria ter sido publicado como está, com gritantes erros ortográficos ou atropelos à boa pontuação. Além disso, Manasse, muitas vezes, precipitou-se na urgência de aproximar os protagonistas. A grande consequência disso é simples: Inácio e Felícia encontram-se exageradamente em contextos dispensáveis, tornando alguns episódios supérfluos, principalmente quando o autor tenta introduzir imagens sensuais à história através de má selecção vocabular.

A caneta do balcão 1 tem um problema de verosimilhança acentuado, para um texto bem assente à realidade. Paralelamente, mesclam-se no mesmo universo diegético muita falta de apuro lógico aos encontros entre os protagonistas (em lugares e horários pouco prováveis, considerando o tipo de matrimónio de Felícia) e uma perspectiva redutora do narrador em relação às outras personagens. O princípio, o meio e o fim da ficção é Inácio e Felícia. Logo, o narrador desvaloriza, por exemplo, o passado de Ernesto, o que poderia até ajudar a compreender o seu carácter. Na verdade, o passado das personagens, neste livro, quando surge, é fugaz e próximo ao presente da história. Por conseguinte, a construção de Ernesto e da sua amante Cátia, importantes como vilões, falha frequentemente devido à essa urgência em aproximar os protagonistas.

Os diálogos entre as personagens também merecem atenção, devido à inconsistente elaboração discursiva. Neste aspecto, pode-se reparar no caso da velha Alzira, a avó de Felícia, ou nas intervenções dos familiares de Inácio. Faltou precisão, aquele toque mágico que cativa e deslumbra. Manasse poderia ter trabalhado mais as personagens (explorando mais as suas histórias), o discurso do narrador e investir em anacronias, por exemplo, pois isso impediria a ficção ser tão linear.

  1. Aspectos positivos

A representação do espaço é dos aspectos bem conseguidos em A caneta do balcão 1. Através do livro, percorre-se os bairros das cidades de Maputo e Matola, retratados como são, numa espécie de registo do lugar no tempo. Esta abordagem, de facto, é capaz de estimular alguma imaginação no leitor, levando-o a conhecer espaços reais através da ficção ou a repensar nesses mesmos espaços estando virtualmente distante.

No retrato do espaço não escapa à mira do narrador particularidades sociais quotidianas dos munícipes personificados pelas personagens. Nisso é possível observar-se o drama do transporte, as fragilidades do Sistema Nacional de Saúde, os comportamentos das ruas e dos lares moçambicanos. Não obstante, a escrita de Zaiby Manasse projecta elementos propícios para um debate sobre a tradição, a família e o lugar da mulher enquanto sujeito (que se pretende) emancipado. Felícia é um modelo de alma esclarecida, todavia encarcerada pelo fardo que a família a coloca nos ombros. Sem poder de escolha em relação ao homem com quem quer se casar, a personagem é obrigada a hipotecar a sua própria felicidade em troca do bem-estar dos seus. Nesta condição, a história de Manasse lança um alerta sobre que tipo de sociedade os moçambicanos estão a construir ao condicionarem o futuro das raparigas, quando são ensinadas a servir sem questionamentos. Na história, esta asserção tem uma consequência. Conhecendo a família, Felícia, mesmo agredida e humilhada pelo marido, resiste até ao limite à infelicidade, sem denunciar a violência.

Pecando em questões atinentes à forma, em A caneta do balcão 1 Manasse acerta na contextura ficcional aparentemente dedicada a um certo público literário, provavelmente menos preocupado ao rigor estético. Este não é um livro para satisfação de leitores exigentes. É daquelas histórias românticas juvenis, carregadas de fragilidades, é certo, mas que entusiasmam leitores com outro tipo de interesse narrativo.

A caneta do balcão 1 é uma história com peripécias rápidas, como que a acompanhar o ritmo da vida urbana actual, sobre a esperança e sobre o amor enquanto pretexto para a liberdade. Na narrativa, a solidariedade e o perdão são outras qualidades destacadas. Certamente, Zaiby Manasse sabe como vai o mundo materialista e, por essa razão, adiciona à sua ficção uma personagem que nunca desiste de amar, mesmo quando o amor parece impossível. Felícia carrega consigo os destinos de várias mulheres moçambicanas, condicionadas por uma falsa ideia de bem-estar. Felícia não se apaixona pelas correntes de prata e nem de ouro ao casar-se com Ernesto, como Cátia, mas por um belo estranho e pelas promessas que ele faz: Inácio. Neste sentido, há muitas lições enriquecedoras n’A caneta do balcão 1.

 

Título: n’A caneta do balcão 1

Autor: Zaiby Manasse

Editora: Kulera

Classificação: 11,5

 

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