Albino Magaia nasceu há, precisamente, 75 anos. Foi jornalista, um dos nomes estelares do nosso jornalismo. Quis ser médico. Era o seu sonho. A mãe sonhava para o filho a vida de pastor da Igreja Presbiteriana. No entanto, ele queria ter direito à palavra. Foi esse impulso que o levou ao jornalismo. Chegaria à redacção da revista TEMPO, semanário que haveria de dirigir muitos anos depois, pela mão da sua irmã Lina, que também foi um nome ínclito na nossa imprensa. Pertenceu ao NESAM, que foi um núcleo de estudante historicamente relevante e foi prisioneiro político no tempo da PIDE.
Magaia assumiu, desde sempre, um compromisso: ser patriota. O seu espírito crítico não lhe tolhia esse entendimento. Defendeu um jornalismo patriota onde Moçambique adquiria primazia. Antes de tudo estava a Pátria. A Nação. Isso não impediu que a revolução praticasse sobre ele a sua furiosa insídia. Sobretudo no Niassa, que era uma espécie de Gulag moçambicano. Ele resistiu. Continuou a escrever e fê-lo sem acrimónia. O nosso processo ainda tem páginas que permanecem obscuras. Uma delas foi a purga dos intelectuais assumidamente engajados.
Foi poeta e ficcionista. Foi um cronista brilhante e um interventor assíduo na nossa imprensa. As suas crónicas são memoráveis. Os seus textos na revista TEMPO são exemplares. Publicou duas obras de poesia: “Assim no Tempo Derrubado”, em 1982, e, muitos anos depois, em 1999, “Trilogia do Amor”. De permeio, duas ficções narrativas: “Yô Mabalane” (1983) e “Malungate” (1987).
Pensou e escreveu sobre a informação moçambicana. “Informação em Moçambique – Força da Palavra”, um ensaio editado em 1994. Postumamente, seria publicado o seu livro “Moçambique: raízes, identidade, unidade nacional”. Recentemente, num tributo da Fundação Fernando Leite Couto, foi dada à estampa “Duas Vidas a procura do mar e outros contos” (2019).
Magaia era um homem preocupado com o destino da informação e a sua função transversal e indispensável no devir moçambicano. Também via na memória um papel indeclinável no nosso destino colectivo e procurava preservar os seus referenciais. Sonhou biografar o escultor Chissano, mas este morreu cedo. Porfiou, posteriormente, a ideia de fazer a biografia do músico Eusébio João Tamele.
Albino Magaia era um conhecedor bastante competente da música moçambicana. Mas era também um cultor do jazz e da música clássica. Aliás, ele escrevia a ouvir Händel, Georg Friedrich Händel. Essa paixão levou-o a fechar-se em casa durante cinco horas para ouvir “O Messias”, o tempo que dura a famosa composição do músico germano-britânico. Um grande melómano este moçambicano magnânimo.
Tinha uma particular preocupação no estudo e valorização das línguas moçambicanas. Foi editor de “Zabela”, uma das primeiras obras de ficção de Bento Sitoe. Quis editar os textos de João Albasini, o fundador de “O Africano” e “O Brado Africano”. Incumbiu ao jovem Catigo Zita a tarefa de coligir os textos. Diligente, minucioso, Castigo recolheu os textos, copio-os dos jornais no Arquivo Histórico ou das microfilmagens do centro cultural português. O projectado livro emperrou na fase de composição (à época feita à chumbo) na Tempográfica.
Castigo Zita, que haveria de encontrar o infortúnio da morte, numa viagem ao Zimbabwe, em 1988, aos 27 anos, preparava-se para fazer o mesmo exercício com os textos de Estácio Dias, outra figura do nosso jornalismo, pai do escritor João Dias, autor de “Godido e outros contos”. O repto vinha do mesmo incumbente: Albino Magaia.
Devemos ainda a Albino Magaia a revelação de Isaac Zita, que morreu prematuramente aos 22 anos, autor de “Os Molwenes”. Antes dele, o poeta Fernando Couto se entusiasmara com o talentoso jovem, tendo-o publicado nas páginas do “Notícias”. A despeito, o prefácio que Magaia haveria de redigir para o livro póstumo de Isaac Zita é um dos raros documentos sobre a vida efémera e fulgurante daquele jovem escritor.
Haveria muito a dizer a favor de Albino Magaia. Sobretudo da forma como acarinhou os jovens e os encaminhou nos labirintos do jornalismo e da escrita. Como os amparou. Ou as suas iniciativas notáveis. A GAZETA da TEMPO, um dos esteios da literatura moçambicano, é uma delas. Mais tarde, enquanto secretario geral da AEMO, a publicação LUA NOVA, titulo que acena ao poema “Quenguelequêze” do precursor Rui de Noronha.
Isto diz muito da personalidade de Albino Magaia. Era generoso. Homem culto, cultíssimo. Discreteava sobre muitas e diversas matérias. Gostava de ouvir os outros. Mesmo os mais novos. Era um excelente conversador. Não se furtava a uma boa polémica, discutia ideias. Estava sempre do lado da justiça. Defendia os seus jornalistas. Era um director exemplar, preocupado e empenhado. Sabia criticar e apontar os erros dos seus profissionais. Elogiava quando gostava das peças dos seus repórteres ou redactores. Foi dos grandes editores deste país. Abominava a injustiça. Era de uma grande correcção. Um homem probo. Um homem cordial. Não tinha soberba. Era humilde. Um homem bom.
Albino Fragoso Francisco Magaia nascera a 27 de Fevereiro de 1947. Morreu a 26 de Março de 2010 aos 63 anos. Para além da sua extensa obra na imprensa, dos seus livros, deixou a sua marca, a sua postura, o seu largo riso (tinha os zigomas pronunciados e os olhos vivíssimos que lhe ampliavam o sorriso), o seu afecto e o seu exemplo. Como vivemos num país que não preza a memória e não cultiva os seus mestres praticamos sobre o seu nome um prodigalizado silêncio, o mesmo desafecto que destinamos aos melhores. Cá por mim – e faço quezília nisso – lembro-o, aqui e sempre. Como hoje, no dia dos seus 75 anos.
Maputo, Domingo, 27 de Fevereiro.