Fevereiro de 1974. Fim de tarde. Abel Faife, um dos poucos jornalistas negros, que se conseguiu “infiltrar” em razão das suas capacidades na Redacção do Notícias, entre profissionais com a “cor adequada de então”, acompanhado de um amigo, sentaram-se no Restaurante Abadia em Lourenço Marques (situado por detrás da Casa da Sorte) e pediram dois copos de cerveja. Mas porque os serventes, todos negros, tinham orientações para seleccionar os clientes a partir da cor nunca mais os atendiam, foram reclamar junto do proprietário.
Condescendentemente, o visado indicou um espaço escondido, junto à cozinha, onde poderiam ser atendidos. Isto porque ele não queria que a presença de negros na esplanada “afugentasse” a clientela.
RECRUTADORES DA FRELIMO
Faife, lutador e contestatário contra uma discriminação que apesar de absurda era ainda uma prática corrente, decidiu usar a única arma de que dispunha: a escrita. Dirigiu-se à redacção e passou o episódio para o papel.
Foi então que Guilherme de Melo, então Director adjunto do jornal, que aos domingos ocupava um espaço de alto a baixo, na 1.a página, muito lido e respeitado, designado “Folhas Dispersas” decidiu pegar no assunto. Com a sua pena incisiva e cheia de originalidade, catalogou os donos do Restaurante Abadia de “recrutadores da Frelimo”.
O assunto chegou ao Governador-Geral, que de imediato mandou fechar o Abadia. Seguiram-se outros procedimentos como multa e publicitação do caso, como exemplo.
FEITIÇO CONTRA O FEITICEIRO
Posto isto, o Governador-Geral mandou um emissário transmitir ao Abel Faife as medidas tomadas e, simultaneamente, procurar saber o que é que ele gostaria de obter, para se ressarcir do episódio de que fora vítima.
Muito embora o então jornalista do Notícias se tivesse manifestado feliz com o desfecho, a verdade é que Sua Excelência queria “ganhar” para o seu lado, um dos mais criativos e prestigiados “escribas” dessa altura em Moçambique. Daí que…
Sem margem de escolha, ao jornalista foi dado um prémio: passar a pertencer à ANP (Acção Nacional Popular), o Parlamento de então, que a todo o custo o regime tentava encontrar formas de “colorir”, com negros e mulatos dóceis. Repórter com vocação para assuntos da cidade, amigo de toda a gente, o Abel viu-se envolvido em política, que não era o seu forte.
Veio a Independência Nacional. Com poucos meses de “Parlamento”, sem nunca ter usado da palavra, passou a constar da lista dos comprometidos. O que dizer e o que fazer?
No meio de Comandos, PIDES e outros que tais, o Abel Faife teve que dar explicações sobre o seu envolvimento na ANP, enfrentando o duro olhar do então Presidente Samora Machel.
Falecido a cerca de três décadas, Abel Faife (cujo filho, Hélder, herdou a veia jornalística) merece ser visto como uma referência, pois a sua imaginação e capacidade, num tempo em que a um não branco as exigências eram redobradas, tem uma história de vida que merece ser (re)conhecida pelas novas gerações de jornalistas moçambicanos.