O País – A verdade como notícia

A start-up de Arão Matenje

Heróis não há mais

Nem depois nem antes

Há é marechais

Vendendo purgantes

Tenentes tementes

Bons comerciantes

 De pasta de dentes

 João Pedro Grabato Dias

Ao Léo Cote!

Arão Cipriano Matenje decidiu criar a sua própria empresa como quem está a vingar-se do desemprego três dias depois do patrão entregar-lhe a chave da rua. Matenje pegou naquela chave, novinha em folha e abriu a sua start-up, com a missão de difundir informação sobre a actualidade dos bairros em expansão e alguns devaneios amorosos. Arão Cipriano criou aplicações para os seus clientes desenvolverem aptidões para falar com Deus e terem sorte no emprego. A empresa de Matenje tem como parte da responsabilidade social, aplicações que difundem informação gratuita sobre exames de admissão, a cursos médio e superior. Um dos ramos concorridos é dos aplicativos electrónicos para o povo aceder a títulos de direito de uso e aproveitamento da terra, os famosos DUATS. Matenje está a liderar uma iniciativa de criação de aplicativos de apoio à campanha de testes para diagnósticos da malária, tuberculose, HIV-Sida e outras doenças. Arão Cipriano Matenje inaugurou uma agenda do xitique electrónico semanal dos mercados da zona suburbana da capital. O nosso empreendedor criou aplicativos sobre notícias da bola, funerais, venda de casas, carros e artigos diversos para os caprichos da ala feminina. A start-up de Matenje cresce a olhos vistos no bairro Zé-galinha.

O segmento com mais visitas nestes dias é o misterioso desaparecimento da Gita, a mãe de todas as virtudes. E para além da divulgação de Matenje, há um ruidoso reforço informativo nas conversas matinais de esquina, sobretudo nos mercados informais, reportando que, afinal Gita foi gwevar para os lados da China. Uma outra ala das comadres, actualizadíssima, diz que ela está em Magude numa consulta a um curandeiro de reconhecido mérito nos místeres da cura…

Arão Cipriano Matenje foi ao meu consultório confirmar que a Gita cometera, como tantos outros, um inexplicável suicídio. Desde esse dia deixei de seguir a esfera pública criada por Matenje, nem sequer dar ouvidos à rádio que de boca em boca dá notícias, investindo até em antenas modernas de batons berrantes e tons que tais.

Numa tarde incerta a curiosidade convocou-me para o bastião de tupilas, a relva de um verde-alface sem fim. Tal é a beleza do imenso jardim que circunda a casa de Saugineta Antónia Fróis Mambasso. E assim de repente uma ruidosa gargalhada apossou-se dos meus ouvidos. Naquele instante Gita surgiu diante dos meus olhos com uma luminosidade sufocante, o sorriso aflorando-lhe o rosto. O perfil da Gita era de cortar a respiração. Saugineta trajava um vestido branco. Ela convidava-me a entrar no seu palacete, sem dizer palavra. Justo eu que não acredito neste mundo onde a vida transforma-se, dia-após-dia num festival incessante de surpresas que sufocam as minhas emoções. Permaneci ali especado fazendo concorrência às estátuas em memória dos artistas moçambicanos, que ainda carecem de aprovação por quem de direito.

Depois da visita ao bastião da Gita consultei a página electrónica de Matenje. Para o meu espanto a notícia da morte está disponível, 24 horas por dia. As criações deste cidadão conciliaram famílias, harmonizaram funerais de gente desavinda e fizeram com muita gente tivesse muitos números à direita nas suas contas bancárias.

 Conheci Arão Cipriano Matenje na noite que Cachela marcou, num disparo notável, um golaço no FNB Stadium, qual mamba solta na galáxia futebolística! Matenje chegou-se junto de mim, todo gabarolas dizendo que aquele puto da selecção moçambicana tinha já um contrato feito para as europas, logo que terminasse o amigável com os Bafana-Bafana. Acreditei, tal era a convicção do fulano.

Hoje nos cruzamos pela manhã e, pelas minhas contas passam já vinte e três anos que conheço o Arão. Cumpri a missão de saudar e escutar Matenje. Este não perdeu tempo pôs-se a divagar, recordando os faustosos momentos da sua vida, do seu voo recente na indústria da comunicação. O meu herói transformou-se num novelo de fumo já dissipado. A start-up de Arão Cipriano Matenje faliu, sem antes publicar na causa de tal destino.

– Estou tão tchonado, irmão. Só tenho mil paus. Isto nem dá para comprar um ovo… – E depois rematou.

– Não pagas uma, senhor embaixador?

Encontros fortuítos com Arão Matenje sucederam-se a uma velocidade incontrolável para o meu desgosto. Avistei-o descendo de uma viatura de alta cilindrada numa bomba de combustível. Saudamo-nos num aceno breve. Outro dia Arão estava na varanda no restaurante Matháta com companhias de alto calibre financeiro, algures na avenida Pássaro da Madrugada. E, mais recentemente, encontrei-o no Cala-a-boca. E depois na sala de jogos do já decadente restaurante militar A Luta-continua. A última vez foi no Espinafre, uma tasca recém-aberta.

– Aquela gaja morreu, meu irmão. – Fuzilou Matenje.

– O quê? – Reagi aturdido, respirando à rasca para poder conter as emoções.

– A Guida, perdão a Gita suicidou-se esta manhã, compadre.

– Vai lá ver se chove lá fora, Matenje. Então a Gita de todas vezes que nos encontramos morre na tua boca, de todas formas e feitios? Tenha o mínimo de controlo nas palavras, irmão. Fazes isto só para cravares dinheiro, Matenje?

Arão Cipriano Matenje meteu-se na primeira boleia que surgiu à frente. Não mais tive notícias dele. Quem estiver interessado pode consultar o google, desde que escreva o nome do artista no motor de busca cibernético.

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