A savana política de Moçambique nunca dorme, mas a Girafa quer descansar. Com o seu longo pescoço, ela enxerga de longe os perigos e os aliados, mas não vê o que está bem debaixo do seu nariz. Para dormir em paz, precisa garantir que ninguém faça barulho, que os ventos da contestação não soprem forte o bastante para balançar a sua estabilidade.
A Girafa já não fazia coito há tempos. Não porque não queria, mas porque simplesmente não conseguia. O barulho da floresta, as esquinas cheias de vozes, as imagens que saltam da televisão, os debates sem nexo na internet — tudo isso lhe tirava o desejo, apagava-lhe o apetite. A comida não descia no estômago, a cabeça pesava, o corpo reclamava. Não há espaço para prazer quando a floresta inteira se contorce na agonia de uma governação que, em vez de soluções, só oferece reuniões fúteis com animais desnecessários, discursos tardios e sorrisos forçados.
Foi por isso que, em plena noite, chamou a Raposa para um encontro. Mas a Raposa, astuta e perspicaz, como sempre, sabia que não fora convidada para um banquete nem para discutir o destino da savana. O que a Girafa queria era simples: domesticá-la, torná-la inofensiva, fazê-la parte do sistema. Porque uma Raposa solta na floresta pode ser um grande problema — ela sabe onde estão os rastros dos predadores, conhece os atalhos do poder e, acima de tudo, pode ensinar os outros animais a não caírem nas armadilhas da Girafa.
Os Girafinhos, pequenos, mas vorazes, inquietaram-se. Durante muito tempo, reinaram absolutos, negociando tudo que podiam – da carne dos búfalos ao próprio destino dos filhotes indefesos. A savana era deles, e ninguém ousava contestar a sua autoridade. Mas, de repente, o inesperado aconteceu, houve barulho. A floresta agitou-se, os ventos mudaram de direcção. As hienas ficaram alertas, os elefantes trombetearam desconfortáveis, e até os abutres interromperam o seu banquete para observar a movimentação. Algo estava fora do controlo. O tumulto era perigoso. O que aconteceria se o tumulto continuasse? O tráfico de presas e ossos corria o risco de parar. O comércio dos órgãos, das caças clandestinas, das riquezas da floresta, tudo poderia ser afectado e, os negócios poderiam parar e, com isso, os Girafinhos perderiam a sua fonte de alimento.
A Girafa, sentindo a perturbação no ar, precisava agir rápido. Mas como? Os seus aliados já não conseguiam mais conter os rumores. Os tambores da floresta batiam cada vez mais forte.
Ela tentou acalmar os animais com discursos de unidade, prometeu mudanças, ofereceu lugares na mesa do poder. Mas todos sabiam que era apenas teatro. Foi então que a Girafa decidiu agir. A solução parecia óbvia: selar um acordo com a Raposa. Mas como convencer um animal astuto a fazer parte de um jogo que sempre o excluiu?
A floresta inteira estava em alvoroço, e a Girafa, desesperada por silêncio, já não conseguia fazer coito. Porque, no fundo, a política e a vida se entrelaçam de formas inesperadas.
Quando uma floresta está doente, quando a esperança evapora, quando tudo cheira à podridão e conluio, nem mesmo os corpos respondem como deveriam. Não há prazer onde a fome se impõe, onde a incerteza paralisa, onde o futuro parece ser apenas uma repetição do passado.
Foi nesse contexto que chamou a Raposa para um encontro privado. Propôs-lhe um lugar especial na Assembleia dos Animais, onde poderia estar perto dos poderosos e longe dos perigos. Afinal, a Constituição dos Animais exigia que a Raposa tivesse um assento entre os conselheiros do reino. Mas a pergunta era: ela aceitaria esse papel ou continuaria sendo uma ameaça?
A Raposa hesitou. Aceitou o encontro, sim. Mas sabia que se sentar à mesa da Girafa significava perder parte de sua astúcia. Ser vigiada. Ser controlada. Por outro lado, recusar poderia significar continuar lutando sozinha, cercada, correndo riscos imprevisíveis. O que fazer?
Mas a verdadeira questão não é apenas o que a Raposa fará. A questão é: o que os outros animais — os que realmente vivem da terra, bebem dos rios e caminham sobre o chão árido — iriam fazer diante desse grande teatro onde poucos se alimentam enquanto muitos apenas assistem?
Os Leões dissidentes, rugiam nos bastidores: “Esse encontro não é sobre o futuro da floresta. É sobre a Girafa tentar pacificar a Raposa, antes que ela cause estragos.” Mas seria a Raposa tão facilmente domesticada?
A política da savana não se decide em debates públicos, mas nos bastidores, onde os animais de pescoço longo tramam longe dos olhares da alcateia.
Enquanto isso, a floresta inteira observava.
Os babuínos, que riam nos bastidores.
Os abutres, que esperavam ver quem cairia primeiro.
Os elefantes, que fingiam neutralidade, mas nunca esqueciam.
E, claro, os simples habitantes da terra, que só queriam viver as suas vidas sem que a grande política os sufocasse.
No final do dia, a Girafa só quer dormir bem, fazer coito com a sua fêmea, gozar da tranquilidade do poder, cuidar dos seus filhotes e garantir que os Girafinhos continuassem seus negócios escusos sem perturbações.
Mas a Raposa aceitaria a proposta?
Ou manteria sua astúcia e continuaria a desafiar a ordem imposta pelos pescoços longos da savana?
Na política da savana, a paz nunca é real — é apenas um intervalo entre os próximos movimentos do jogo.
Talvez um dia o sono volte, talvez até o coito do Girafa aconteça.
Mas só quando as ruas estiverem realmente livres — e não apenas silenciosas porque todos aprenderam a temer.