Quantos dos que escrevem/ chegam a dizer o que quiseram que fosse dito?
Filimone Meigos
Um poeta nasce, cresce e morre. Se a sorte sobrar, antes da morte o abraçar, reproduz e espalha poesia por tudo quanto é lado, em livro, perfeita janela para eternidade. Nada gratuito, pois tudo nesta vida tem preço. Por isso, neste contexto, a eternidade paga-se com a delicadeza conquistada ao lapidar-se a palavra enquanto recurso que afaga a alma daquele criador ou que lhe condena a um labirinto obscuro, sem nenhum fio de Ariadne para de lá retirar-se com vida.
Enfim, parece que o verso acaba por se tornar um reflexo de quem escreve, algo grave quanto a consequência daí resultante, sobretudo se for negativa, afinal os livros podem sempre decepcionar como tudo. Assim, valerá a pena lançar uma obra e assumir os riscos causados pela exposição? Bernardo Soares, no “Livro do desassossego”, proporciona-nos uns versos categóricos a este respeito: “SABER QUE SERÁ má a obra que se não fará nunca, pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita”. E esta “As idades do vento”, de Jaime Munguambe, diga-se o que quer que seja, está feita e vale tanto por essa coragem escassa nesta época em que urge inventar uma nova “Geração da utopia”.
A pena deste autor distinguido com o Prémio Literário do Banco de Moçambique, na categoria de poesia, em 2015, reflecte permanentemente o desejo de existir (por se perceber que o anonimato nesta atmosfera é um acto cobarde) e de ser vivido. Assim, com a sua inocência, Jaime Munguambe passeia pelo seu interior para buscar os primeiros frutos de uma árvore ainda pequena, mas cheia de vida. Com isso, o poeta vai redescobrindo o encanto da palavra (repetindo-a exageradamente ao longo das páginas, é certo) ao mesmo tempo que a tenta colorir com subtileza. Nesse aspecto, Munguambe é instintivo e muito sensitivo. Não admira, por essa razão, o retrato das imagens captadas pelo olhar, pelo tacto dos dedos. Em sintonia, esta harmonização poética resulta, obviamente, na subjectividade quase que na mesma dose que acaba na sugestão feita de possibilidades: de ser, estar ou partir para um lugar distinto, onde se pode “(…) reencontrar a coreografia da lua/ entre os braços longos das estrelas” (p. 42).
“As idades do vento” é um livro de partida, no qual ainda é notável a contensão do poeta. Como livro de partida, talvez não se deva procurar uma poesia estupefacta, que nos deixe abananados. Deve-se, sim, gozar-se esta partilha literária como quem testemunha, eventualmente, o começar de um percurso vasto, cujos percalços apenas podem advir da impossibilidade de se escutar a solidão.
Sem revelar-se um alto livro do seu tempo, longe disso, “As idades do vento” trazem o compromisso do autor com escrita lírica, feita de universos em que as asas dos pássaros constituem desejo como subterfúgio para o alcance do firmamento e dos mais apreciáveis mistérios naturais. É neles que se esclarecem “As sílabas da fantasia”: “Chego à Vénus/ com o corpo aberto/ sobre o poema/ e com as mãos antigas do sonhar/ abro as blusas do tempo” (p. 24). Este pacto com a palavra, portanto, permite-nos renascer na nossa infinidade.
Título: As idades do vento
Autor: Jaime Munguambe
Editora: Fundação Fernando Leite Couto
Classificação: 11.5