O País – A verdade como notícia

A difícil missão de informar

“O banco standard Totta está a arder. Vai agora para lá trazer-me a notícia”, ordenava o meu chefe de redacção. Foi uma vergonha para mim. Não havia nenhum incêndio. O gerente do balcão riu-se e perguntou-me: onde está esse incêndio? Por acaso estas a ver algum fumo ou algo queimado por aqui?” – Nada, respondi.

… A Organização Nacional dos Professores (ONP) ia reunir-se numa manhã. Eu era o repórter acompanhante. Na parte de tarde, ja na redacção, o reporter senior com quem fui ao terreno não voltou mais do almoço e as minhas notas não davam para construir uma notícia.

… Era hora do almoço no centro social do SNJ (arroz com carapau aguado) que não chegava para todas as pessoas, quando um colega do “Notícias” perguntou-se o que eu iria escrever. Revelei-lhe o tema e ele foi sacar a notícia da minha fonte e publicou primeiro que eu. O Diário de Moçambique onde trabalhava não saiu à rua e perdi a concorrência.

… O pai do Presidente Samora Machel, Malengane Machel, morre em Chilembene e sou destacado a cobrir o enterro. Abel Faife, um jornalista muito bom em reportagem, estava entre a equipa. O que temia aconteceu. No dia seguinte estavam todos os pormenores no jornal. Nao sobrou nada para mim que não consegui enviar a história por falta de energia na Beira.

Foi com estes choques que comecei a minha carreira profissional no “Diário de Moçambique”. Quando as linhas de transporte de energia eléctrica fossem sabotadas pela Renamo, ficavamos sem jornal por uma ou duas semanas seguidas.

Percebi que quando o meu chefe me mandou trazer uma notícia do incêndio que não existia estava a transmitir a mensagem de que o lugar para um jornalista è na rua, pois é lá onde rolam as notícias: nas paragens de autocarros, nos machimbombos, nos mercados, em suma, à nossa volta, nos bairros onde vivem, etc, etc.

Quando naquela tarde o reporter a quem acompanhei e que tinha a responsabilidade de cobrir a reunião da ONP não regressou à redacção era um aviso de que tenho que contar com os meus próprios pés, gatinhar à minha maneira. Cometer erros até chegar à superação.

Aprendi através da história com o meu colega do jornal notícias que me roubou a minha história do dia que o jornalista tem que tem sigilo e deontologia profissional.

Com o episódio de Chilembene, fiquei triste por perder a oportunidade de desafiar Aber Faifa com os meus poquíssimos anos de carreira profissional, mas foi uma oportunidade para aprender, uma vez mais, com o meu mestre como se faz uma reportagem descritiva como mandam as regras de jornalismo.

Foi com desafios como o da minha indicação para a cobertura da Assempleia Popular, hoje Assembleia da Repúbica fruto de multipartidarismo, quando eu achava que não estava ainda preparado para isso, que mais cedo superei as dificuldades básicas de quem está a iniciar a profissão: descobrir notícia, identificar fontes de informação, registar dados com segurança e dominar as técnicas de notícia.

Se hoje é difícil “furar” para conseguir informação de utilidade pública com o papel que a comunicação social tem de contribuir para o desenvolvimento da democracia no país, imaginem em 1982, no sistema monopartidário, em que a informação era controlada pelo poder político.

Comecei a carreira numa altura em que era obrigatório as direcções dos órgãos de informação apresentarem planos temáticos para três ou seis meses ao Departamento do Trabalho Ideológico do partido que se sobrepunha ao Ministério da Informação e o nosso trabalho tinha que ser feito dentro dessas balizas.

Para o meu caso,  as notícias eram ditadas ao telefone, a partir da delegação de Maputo onde estava afecto, com um copo de água ao lado, pois era aos gritos. Pouco ouvia-se. O país estava atrasado em termos de telecomunicações.

A outra alternativa para enviar os textos era o avião, mas nem sempre havia voos para a cidade da beira. Às vezes tomavamos conhecimento do cancelamento do único voo do dia já no aeroporto, com o envelope das notícias na mão.

Eram frustrações atrás de frustrações quando escreviamos e as notícias não saiam no dia seguinte no jornal. As circunstância obrigavam-nos a apostar, como saida, em histórias exclusivas ou que não perdiam a actualidade para ganharmos a concorrência.

Mais tarde, recebemos das Telecomunicações de Moçambique uma máquina para a redacção chamada telex através da qual passamos a enviar as notícias para a sede do Diario de Moçambique na Beira. Compunha-se o texto e este ficava gravado numa fita amarela picotada e fina que depois era montada na cabeça do equipamento.

O operador tinha que marcar o número do destino que eram quatro algarismos. Assim que conseguisse a linha, primia o botão para começar a passar a fita e a notícia ser recebida do outro lado numa máquica idêntica num rolo de papel com a largura de um A4. E era difícil estabelecer a ligação devido ao atraso nas telecomunicações.

As gráficas dos dois jornais que existiam até então, o “Notícias” e o “Diário de Moçambique”, incluindo a “Revista Tempo”, usavam um equipamento muito atrasado e que correspondia a essa época. Depois de batidos na máquina de escrever, os textos passavam para um compositor que os batia novamente.

As frases, que ficavam gravadas em barrinhas de chumbo, iam caindo num recipiente agregado à máquina de onde eram, depois, recolhidas e arrumadas em caixas de chapa próprias formando uma página do jornal.

Resolvi escrever este artigo como uma homenagem a todos os jornalistas desse tempo, incluindo a mim próprio, por ocasião da passagem de 11 de Abril, Dia do Jornalista, que com dificuldades de comunicação e acesso às fontes, faziam o seu melhor para manter a população informada sobre o movimento revolucionário iniciado com a proclamação da independência nacional em 1975.

Os jornalistas faziam omolete sem ovos no seu papel de educar e informar numa altura em que 97 por cento da população moçambicana era constituida por analfabetos e decorria um programa nacional de educação de adultos nas empresas e nos bairros para reverter a situação. Mesmo sem condições, muitos se tornaram grandes jornalistas, como é o caso de Narciso Castanheira, António Sefane, Abel Faife, Mário Ferro e outros.

O artigo é também uma homenagem aos mais novos que resolveram abraçar esta carreira, mesmo cientes de que é uma profissão ingrata e de grande risco. Dizia meu professor de jornalismo que se quer ficar rico, escolheu uma profissão errrada.

Ao longo dos meus 38 anos de profissão não fiquei rico, mas conquistei algum prestígio na sociedade. Viajei pelo mundo. Conheco muito bem o meu pais, desde a localidade, passando pelo posto administrativo e distrito até à capital provincial.

Privei com altos dignatários: presidentes da República, ministros, embaixadores e outras figuras estrangeiras. Isso para mim é um grande capital. É mais do que dinheiro.  

Aqui fica uma mensagem de encorajamento a todos que estão a seguir o jornalismo porque gostam e não por uma questão do emprego. Ter vocação nesta profissão é um bom começo e a garantia de sucesso nesta difícil missão de informar e com responsabilidade.

Hoje, o jornalista tem todas as ferramentas necessárias em termos de tecnologias para fazer o seu trabalho. Além das redes sociais, do facebook, twitter, google e de outras plataformas, há leis que propiciam o seu trabalho, nomeadamente a liberdade de imprensa e de expressão. Se têm tudo nas mãos, de quem estão à espera para brilhar?

 
Por Alexandre Chiure
Jornalista
alexchiure@gmail.com

 

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