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A democracia está em perigo em Moçambique!

Os grupos que estão no controlo do Estado ou influenciam amplamente as decisões do Estado (movers and shakers) estão a conduzir o país no sentido antidemocrático. Promovem a manipulação das eleições, limitam o exercício de direitos civis e políticos, exercem controlo sobre as instituições do Estado, destacadamente o judiciário, sobretudo nos casos em que os litígios põem em causa interesses do partido no poder ou de seus grandees.

Moçambique nunca foi uma democracia plena, e a situação está a piorar desde há alguns anos, sobretudo desde que o presidente Chissano saiu do poder (2004). Os mais importantes índices globais que avaliam a efectividade da democracia, o desempenho da governação e o respeito pelas liberdades individuais mostram inequivocamente que o país está em queda livre nos indicadores mais importantes.

No Freedom House index, que avalia os direitos políticos e liberdades civis em todo o mundo, a pontuação de Moçambique está abaixo da metade e a tendência é de queda. No relatório publicado em 2024, Moçambique tem 44 dos 100 pontos possíveis. Ou seja, o exercício das liberdades em Moçambique é de apenas 44%. O nosso país já esteve melhor neste índice. Em 2016, por exemplo, Moçambique tinha 56 pontos no Freedom House Index. Significa que, em 8 anos, caiu 8 pontos (ou 8%) no respeito e exercício dos direitos políticos e liberdades civis. Esta é considerada uma queda dramática em 10 anos. Ainda assim, o país é considerado parcialmente livre, mas, a seguir esta tendência, não tardará que seja considerado um país não livre.

No The Economist Intelligence Unit Democracy Index referente ao ano 2022 (o mais recente disponível), que avalia a efectividade da democracia, Moçambique tem uma pontuação de 3,51 em 10 pontos possíveis. Ou seja, a democracia em Moçambique é de apenas 35%. [Imagine-se se fosse desempenho escolar de um aluno, seria mais do que medíocre e não iria agradar a nenhum pai.] A este nível, Moçambique é classificado como um regime autoritário desde 2018, e a manipulação das eleições autárquicas desse ano foi o que justificou que o regime de governação em Moçambique fosse considerado autoritário. Com a manipulação ainda mais arrogante nas eleições de 2023, não se pode esperar melhor classificação do nosso país neste índice.

No Mo Ibrahim Index of African Governance de 2022, Moçambique tem uma classificação global 48,6 de 100 pontos possíveis (um desempenho de governação de 48,6%). Neste índice também o país já esteve melhor. Em 2008, Moçambique tinha 54 pontos ou 54% de desempenho da governação. O nosso país já foi considerado muito bem governado neste índice, de tal forma que o Presidente Joaquim Chissano faz parte de um restrito grupo de líderes africanos que já venceram o prémio de melhor governante do continente, atribuído pelo patrono do índice, o Sir Mo Ibrahimo.

Este índice avalia indicadores como a ausência da influência negativa no Governo, pluralismo político, ausência da violência contra civis, ausência de conflito armado, liberdade de expressão e de crença, eleições democráticas, políticas de redução de pobreza, igualdade na representação política (de vários grupos), checks and balances (controlo e equilíbrio) institucionais.

Os índices captam e sistematizam apenas a realidade que os moçambicanos vivem no dia-a-dia. Eles (os índices) são o reflexo de que a democracia e a governação do país vão mal. E isto acontece porque os indivíduos e grupos que controlam e influenciam as decisões do Estado decidiram sacrificar os interesses e o bem-estar da colectividade para ganhar benefícios políticos e económicos próprios e imediatos. De forma consciente ou não, estas pessoas estão a fragilizar e a corroer a credibilidade das instituições democráticas. Estão a pôr em perigo a democracia em Moçambique.

A democracia é um sistema de governação baseado na confiança. Os governados acreditam que os governantes irão defender os seus interesses (dos governados). Em termos práticos, os governados acreditam que os governantes irão criar e equipar forças armadas e policiais capazes garantir a segurança de todos; confiam que os governantes irão adoptar e implementar políticas públicas capazes de gerar o bem-estar para todos ou para a grande maioria da população; acreditam que os tribunais irão dirimir os conflitos com justeza e independência, protegendo os mais fracos dos abusos dos mais poderosos e sancionando, também, os mais fracos quando estão errados.

É com base nestas expectativas – legítimas – que as pessoas escolhem um grupo de governantes em detrimento de outros. E se os eleitos falham em cumprir com as expectativas dos cidadãos eleitores, a relação de confiança é quebrada. Se as falhas forem sistemáticas, a relação colapsa e há uma forte probabilidade de que os eleitores conscientes não voltem a eleger os mesmos grupos que falharam no cumprimento dos seus deveres.

No caso de Moçambique, as falhas no comprimento das funções do Estado são sistemáticas e os mecanismos de escolha livre dos dirigentes não são efectivos. Por outras palavras, os governantes governam mal e, quando os eleitores os tentam trocá-los por outros que julgam que vão fazer melhor trabalho, os governantes recusam-se a sair, recorrendo a manipulações dos processos eleitorais. Os dirigentes permanecem por mais anos no poder e não melhoram a qualidade de governação.
É daí que o pior pode surgir, e geralmente surge. As pessoas perdem a confiança, não somente nos dirigentes, mas também nas instituições democráticas. Primeiro porque não desempenham as funções que era suposto desempenharem, e segundo porque, mesmo assim, mantêm no poder dirigentes com desempenho insatisfatório, contra a vontade da maioria ou de uma grande parte da população.

Como sair disto? Há muitas formas. As mais comuns são duas. O mais recomendável é que as pessoas e instituições com poder tomem, elas próprias, a decisão de mudar o rumo das coisas. Esta é a melhor e menos dolorosa forma de mudança. Mas significa que os governantes devem renunciar aos seus privilégios obtidos e mantidos de forma ilegítima, para poder beneficiar a maioria. Se isso for bem feito, o país cresce a todos os níveis (económico, democrático e social).

A segunda forma é a mudança imposta de fora (do Governo), geralmente através da violência política organizada. Esta forma é muito dolorosa e imprevisível quanto à probabilidade de gerar os resultados desejados. Em muitos casos, a situação da democracia, governação, liberdades individuais, desenvolvimento, direitos humanos deteriora-se enquanto se busca fazer a mudança imposta por fora. Infelizmente, esta é a forma mais comum a nível global, e Moçambique já passou por isso na transição do regime monopartidário para democracia multipartidária.

Infelizmente, parece que nos esquecemos rápido da nossa história. Mas a história não costuma falhar. Quando uma nação toma rumo como o que o nosso país tomou, a mudança sempre irá acontecer. Só não se pode prever de que forma. Seria bom que a mudança fosse por decisão dos que detêm o poder. Seria menos doloroso para todos. A questão é quem dá as cartas!

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