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A crónica sobre a Mutchangana que conquistou a cidade

A 13 de Maio de 1960, nasceu um bebé chamado Jaquelina Novela. Nessa data, a recém-nascida nem poderia imaginar que, precisamente 63 anos depois, isto é, no dia 13 de Maio de 2023, pela primeira vez, estaria num concerto da sua querida filha: Assa Matusse. Quis o destino que fosse na Sala Grande do Centro Cultural Franco-Moçambicano, em Maputo. Ali, Jaquelina Novela viu a sua “pequena” conquistar a cidade, desinibida como quando, há alguns anos, ainda mamava ansiosa no seu colo. Durante a presença na Sala Grande, Jaquelina Novela poderia ter pensado nesse passado ainda presente na sua memória, poderia ter-se perguntado quando a sua “criancinha” deixou para trás os becos de Mavalane para se tornar numa cidadã do mundo, tendo Paris, agora, como o centro do seu universo. Mas não, não houve naquela sala lotada muito tempo para inventar pensamentos que se poderia transformar em lágrimas no rosto. À semelhança de toda a gente, sem sequer poder se anunciar, Jaquelina Novela ficou ali quieta, e, num lugar discreto, viu a dona daquela voz vibrante apresentar-se ao palco entre gritos e aplausos do público.

Ao som do xigubo, mesmo a condizer com o título do seu segundo álbum, Mutchangana, Assa Matusse interpretou o tema homónimo. Os ponteiros do relógio, a essa altura, registavam 18 horas. No entanto, como se o horário não valesse para nada, Assa Matusse levou os bons apreciadores da música a uma intensa viagem pela magia da sua sonoridade, ora promovendo as composições do seu mais recente disco, ora recuperando os já conhecidos temas do álbum +Eu.

Antes do concerto começar, confessara estar ansiosa em apresentar o trabalho discográfico lançado recentemente na capital francesa. No palco, essa ansiedade não teve razão de ser percebida. Pelo contrário, actuou como se cantasse a vida inteira, como se tivesse nascido apenas para alimentar essa cumplicidade com o microfone. Numa noite muito bem celebrada, Assa Matusse revelou-se uma artista madura, treinada e consistente na forma como se apresenta e controla cada momento do seu concerto. Nada a escapou e ainda respeitou quem foi ao Franco para ouvir boa música com banda.

Um pouco mais elegante do que a sua última aparição naquela mesma Sala Grande, há algum tempo, a Menina do Bairro mostrou o que tem estado a fazer lá fora do país: cantar com dedicação como quem valoriza o legado do pai que, bem antes de partir para eterna viagem, seguiu a carreira de músico. O velho Matusse não chegou tão longe quanto podia na música. Cedo, as armadilhas do percurso traíram o seu entusiamo. Por isso mesmo, no princípio, não era nada de música o que queria para a filha. Não queria que a sua menina corresse o risco, que se frustrasse ou que se perdesse na música. Ainda assim, contra todos os argumentos, Assa assumiu as ferramentas do pai e continuou a caminhada sempre pensado em homenageá-lo. Assim foi no álbum +Eu. A cantora retrabalhou o tema Txintxile, original do pai. Ficou legal, como diriam os brasileiros! Neste Mutchangana, o tema “Aprendeste aonde”, por exemplo, diz o seguinte: “Gostaria de dizer o meu pai que sinto amor”. Aliás, o Mutchangana a que Assa se refere é o pai. Quer isto dizer que ao tentar desconstruir tabus inerentes à educação das raparigas em Moçambique, ao pensar na condição das mulheres em temas como “Xo teka mintxumu sva ku”, Assa coloca a figura do pai para incitar uma certa aproximação entre pais e filhos.

Bem dito, no Franco-Moçambicano, com efeito, Assa Matusse revelou que o seu segundo álbum é um pretexto para reflectir à volta dos dramas da mulher de origem pobre. Partindo do seu bairro, Mavalane, inclusive, assume como suas as dores daquelas mulheres que, neste mundo banal e machista, são violentadas, humilhadas e mortas por terem escolhido amar. Há-de ser por tudo isso que a música “A que preço?”, a última de Mutcangana, coloca perguntas graves e expressa sentimentos muito além de serem apenas da cantora.

Claro está, passa-se muita coisa na cabeça de Assa Matusse, e não é só a cabeleira farta. Na cabeça de Assa passam-se também os jogos dos equilíbrios, a capacidade de conduzir o concerto e as pessoas para onde ela quer. Assa explorou tanto a vibração do público quanto soube criar pequenos intervalos para descansar as cordas vocais que um dia poderia ter perdido; soube gerir os timings, tomar sei lá o quê numa pequena chávena bem a lembrar-nos o que era comum nos concertos do eterno Queen, Freddie Mercury.

Na Sala Grande, foi mesmo isso tudo e mais alguma coisa o que aconteceu neste sábado. Quando quis ver o público cantar, bater palmas, sorrir, brincar ou dançar, Assa conseguiu. Foi um concerto interactivo, com respostas recíprocas e, como diriam os docentes primários, muita elaboração conjunta. Assa ofereceu-se às pessoas, amou-as e fez valer os 600 meticais que custou a entrada. Mais, como nunca tinha feito antes, a artista ainda teve a sagacidade de felicitar a mamã pelos seus 63 anos de idade. Quem não conhecia a senhora Jaquelina Novela, ali pôde ver o berço da Menina do Bairro, que, afinal, conquistou a(s) cidade(s).

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