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A Bíblia e a Constituição

“Não há pensamentos perigosos. O pensar em si já é perigoso”,

Hannah Arendt

Entre a Bíblia e a Constituição que conhecimento nos é necessário para melhorar a condição humana? Quando me refiro à Bíblia, incluo também todas as escrituras sagradas que alegam conter a palavra divina capaz de aperfeiçoar os homens e religa-los ao divino. Quanto à Constituição, refiro-me à Lei-mãe que visa regular a convivência entre homens dentro de uma nação, no sentido de lhes garantir o bem-estar, a segurança e a justiça. A resposta para questão supracitada passa, portanto, por uma reflexão sobre os maiores problemas da humanidade.

E os maiores problemas que afectam a espécie humana têm sido a pobreza e os conflitos no mundo. Os homens estariam numa condição satisfatória se, dia-a-dia, não lhes faltassem os alimentos e não precisassem entrar em conflitos para atingir os seus interesses. Mas que causas geram mais pobreza e conflitos no mundo? A falta do conhecimento e prática da palavra sagrada ou a falta do domínio das leis seculares? Esta disjunção é duplamente justificável. Ora há quem possa defender que a falta da palavra divina no homem torna-o corruptível ao ponto de ele tomar decisões que geram mais pobreza e conflitos no mundo. Ora haverá quem diga que o desconhecimento das leis da polis torna os homens fáceis de serem roubados os seus direitos e deveres ao ponto de haver mais pobreza e conflitos no mundo.

De modo a ultrapassar-se este impasse da busca de causa primeira responsável pela pobreza e conflitos no mundo, urge perguntar-se: entre promover o conhecimento bíblico e conhecimento da constituição, que conhecimento aprimoraria mais a condição humana.  Ora o conhecimento bíblico tem o poder de nos levar à introspeção no sentido de avaliarmos e guiarmos a nossa vida na retidão dos mandamentos divinos, enquanto o conhecimento constitucional lança-nos para fora de nós mesmos, coloca-nos perante o contrato social e apresenta-nos as nossas responsabilidades para podermos conviver como homens civilizados dentro duma polis segura e cada vez mais próspera. Se a Constituição actual não nos permite esta condição, ao menos, dispomos de infinitas possibilidades de altera-la até adaptar-se às nossas utopias, pois as suas leis são, por natureza, revogáveis. Ao contrário, temos as escrituras sagradas que por natureza são mensagens dogmáticas que se arrogam ser verdades eternas.

Por isso, para fim último de melhorar a condição humana, mais vale os homens dedicarem-se mais ao conhecimento da lei secular do que da lei divina, pois enquanto eles confinarem-se às igrejas, consumindo versículos, o mundo lá fora continuará descuidado e inalterado. Mas, quando mediante a Constituição, os homens têm conhecimento dos seus direitos e deveres e fazem esforço para vê-los cumpridos, ainda que desapareçam as escrituras sagradas, haverá avanços na defesa dos direitos humanos, bem-estar e segurança. Sem o conhecimento da Constituição, por mais crentes que sejam, os homens continuaram extremamente propensos à manipulação das elites políticas responsáveis pelo desenvolvimento econômico e humano duma nação.

Não sugiro a erradicação das escrituras sagradas, mas proponho uma maior atenção a coisas da polis, pois este é o espaço onde dispomos de todos os instrumentos necessários para construirmo-nos como uma geração superior daquela que nos precede e deixarmos melhores condições para florescimento da geração posterior e um mundo melhor. A humanidade lucraria mais se a Constituição fosse comprada e lida à mesma frequência quanto o é a Bíblia e se as palestras sobre cidadania ganhassem mais espaço que as sessões de pregação que temos assistido nas praças, paragens, transportes públicos, etc.

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