João Paulo Borges Coelho foi o autor convidado a inaugurar a feira do livro virtual, realizada pela editora Fundza, semana passada. Durante a conversa online, o escritor afirmou que, para si, a Beira é um ponto de onde se olha o mundo e ainda explicou como o seu processo criativo assenta, de algum modo, na capital de Sofala, seu lugar de pertença.
O tema da conversa proposta a João Paulo Borges Coelho foi “Beira como reinvenção literária: uma viagem pelo espaço e pela memória”. No dia da abertura da feira do livro virtual e da livraria da editora Fundza, a única a operar no Chiveve, o autor de Ponta Gea explicou o que a capital de Sofala representa para si. Em primeiro lugar, o escritor assegurou que percebe aquela cidade como um território literário, e, segundo, que tem uma relação muito intensa do ponto de vista emocional com a Beira. Essa relação, tentou esclarecer, reflecte o que se pode assumir lugar de pertença, mesmo vivendo em Maputo há mais de 40 anos.
Se, por um lado, a Beira é um lugar da infância, e a infância é um lugar de ficção e que alimenta a imaginação, por outro, é igualmente um lugar onde o escritor entra sempre inseguro, longe da acomodação. Aliás, o romancista escreveu o livro Ponta Gea sem ir a Beira, exactamente para que a cidade não se transformasse num lugar estranho da memória e tanto da realidade. “A Beira que eu Deixei na infância era um lugar muito compartimentado, um lugar muito colonial, mas, ao mesmo tempo, um lugar que atribuía características específicas aos seus habitantes, e tinha uma Geografia muito própria”.
Na feira virtual realizada pela Fundza, Borges Coelho explicou que concebe a literatura não só como uma relação com a palavra, mas uma relação com o espaço e o com o tempo. Os espaços e as geografias dos lugares são fundamentais. “Eu não consigo escrever sem imaginar um espaço, e não consigo escrever sem intercalar o tempo. Então a Beira é o lugar de onde eu saí e para onde simbolicamente volto sempre”.
As feridas da Beira
Num contexto em que a Beira ainda tem marcas do ciclone Idai, da tempestade Eloise e, agora, confronta-se com a morte do Presidente do Município, Daviz Simango, João Paulo Borges Coelho acredita que a cidade vai resistir a todas as intempéries sem mudar de lugar. Simultaneamente, disse que se as tendências climáticas actuais se mantiverem, dois terços de Moçambique vão desaparecer, pois o mar entra em transgressão e a Beira está na vanguarda neste aspecto, por quase estar em baixo da água. Ainda assim, “eu acredito que a Beira se reconstrói por cima da adversidade e vai se reconstruindo sempre até não puder. Eu acredito nas forças positivas dos beirenses”.
Na abertura da feira do livro da Fundza, Borges Coelho frisou que a capital de Sofala é um ponto de onde se olha o mundo, sendo que a literatura ajuda muito nesse processo de se pensar em nós próprios. Por isso, acrescentou, para que a livraria inaugurada naquela cidade tenha um papel magnífico deve disponibilizar livros sobre a Beira e sobre o mundo, de forma que os jovens e os leitores que lá estão possam ter acesso ao que se faz e ao que se fez em todo o mundo. “Essa é a magia da literatura: abrir horizontes”.
O Livro em Moçambique
Durante a conversa disponível no Facebook da Fundza, o autor de As visitas do Dr. Valdez, outro livro que também tem a Cidade da Beira como espaço privilegiado, lamentou não se estar a fazer nada pelo livro em Moçambique. “Não há políticas do livro. Eu acho que temos que ser duros, levantar o dedo a esse respeito. O poder e os governos não dão importância ao livro. O livro é como se fosse um bem de luxo”. Além de dizer que o livro tem uma conotação elitista, Borges Coelho realçou nunca ter visto algo feito pelo livro de forma sistematizada e continuada no país. “Eu acho que é preciso fazer muito mais”.
A conversa de João Paulo Borges Coelho inseriu-se nas celebrações do quinto aniversário da editora Fundza, o que aconteceu, como se disse, com a inauguração de uma livraria.