O País – A verdade como notícia

Ganância pelo terceiro mandato empurra países africanos para golpes de Estado

Analistas em relações internacionais defendem que os golpes de Estado em África resultam da falência das instituições e da democracia. Defendem ainda que a luta dos presidentes pelo terceiro mandato contribui para a tomada do poder à força por parte dos militares

Já não é novidade que África é vista como um continente fértil para a ocorrência de golpes de Estado. O docente universitário Salvador Simango aponta algumas fragilidades que condicionam para que o continente seja assim rotulado.

“Em África, estamos perante Estados fracos, onde as instituições são fracas e temos uma elite que se sobrepõe às instituições. Isso cria condições para que não haja entendimentos razoáveis e para que haja uma governação saudável. Estando a situação assim, há uma tendência de resolver as crises políticas de forma militar. Volto a reiterar que isso é típico de Estados fracos e nós sabemos, de uma forma geral, que os nossos Estados são fracos, são Estados cujos partidos vencedores normalmente não satisfazem as necessidades da população que governam”, defendeu Salvador Simango, para quem essas fragilidades são utilizadas pelas elites militares para legitimar ou justificar os golpes.

“Eles conhecem as carências no acesso aos serviços públicos e eles fazem a leitura do ambiente envolvente e aproveitam-se do descontentamento social para tomar o poder. Temos visto que, depois dos golpes, grupos de populares invadem as ruas das cidades para celebrar o derrube do Governo anterior. Isso quer dizer que esses Estados já eram um barril de pólvora. As pessoas sempre acham que virá um elemento, de forma messiânica, libertá-las do sofrimento. O facto de os Estados terem militares profissionais e organizados em classes sólidas faz com que haja dificuldade para se impor.”

Para Calton Cadeado, os golpes de Estado em África resultam do facto de as democracias africanas estarem a falir, em boa parte devido à ganância dos políticos e líderes africanos que querem perpetuar-se no poder.

“As democracias desses países estão em crise e alguns analistas consideram que esta crise começa a partir do momento em que os golpes de Estado sofisticados começaram, com as revisões constitucionais para garantir os terceiros mandatos. Essa é uma das razões para os golpes de Estado contemporâneos. Outrossim, nota-se que, nesses países, as instituições estão fracas. Não podemos negar que esses golpes, a que estamos a assistir nos últimos tempos, estão a acontecer em países com tradição de golpes de Estado. Outro aspecto fundamental tem a ver com as relações entre os civis e militares que estão difíceis de consolidar em países onde os militares sempre tiveram uma ascendência em relação aos políticos; é só olhar para os casos do Egipto, Chade e Sudão, onde os políticos estão lá, mas são os militares que mandam”, defendeu o também docente universitário.

Mais ainda, ainda segundo Cadeado, as dificuldades para ter acesso aos meios financeiros e dificuldades de equipamentos para enfrentar ameaças terroristas também podem estar por trás dos golpes. “Nesses países, os militares têm muitas dificuldades de ter acesso aos recursos para poder sobreviver e muitos defendem que é culpa dos políticos que não têm a sensibilidade de dar aos militares as condições de que precisam para ter uma vida condigna. Por outro lado, temos a questão da segurança que é vista como razão da acção dos militares. Estamos a falar dos casos do Mali e do Burkina Faso, onde os militares tomaram o poder à força e acusaram os políticos de não terem dado as condições para enfrentar a acção dos terroristas. ”

GUINÉ-BISSAU: “GOLPISTAS NÃO ESTAVAM ORGANIZADOS E PARECEU-ME UM AJUSTE DE CONTAS PESSOAL”

Em relação ao recente caso da tentativa de golpe de Estado na Guiné-Bissau, Simango revela que os golpistas foram despreparados para o ataque e que visavam atingir o Presidente Umaro Sissoco Embaló e o Primeiro-Ministro do país.

“Acredito que esse grupo de golpistas não estava organizado e não tinha apoio de uma boa parte dos militares. Pareceu-me que foi uma tentativa de um grupo descontente, que tem contas a ajustar com o Presidente e o Primeiro-Ministro”, defendeu.

Para Calton Cadeado, a tentativa de golpe de Estado foi atípica. “Essa tentativa traz-nos elementos que não estão presentes nos golpes a que já assistimos na Guiné-Bissau. O primeiro ponto tem a ver com a identidade dos golpistas que é uma incógnita até agora, não se sabe quem está na liderança da iniciativa. No passado, sempre ficou claro que eram os militares que estavam por trás dos golpes e tinham algum apoio político, mas, nesse caso esses, elementos não estão patentes. Outro elemento que levanta alguma estranheza é o facto de esse grupo não se ter apresentado fardado”.

“GUINÉ-BISSAU ESTÁ EM BUSCA DESESPERADA DE POLÍTICOS PROFISSIONAIS”

Com um largo histórico de instabilidade, Calton Cadeado recuou para o passado e abordou o presente para analisar as crises sistemáticas na Guiné-Bissau. “Temos uma Guiné-Bissau que vive desesperadamente e à procura de políticos profissionais. Não é um país que se pode dizer que tem políticos com tradição. Muitos políticos, que estão a surgir, são de ocasião. Não são indivíduos formados na tradição política. Um exemplo é que Domingos Simões Pereira é um tecnocrata que saiu da tecnocracia para entrar para a política e está a forjar-se como político. Outro elemento actual é que a eleição de Umaro Sissoco Embaló foi forçada e isso pesa até hoje. Além disso, está a sua forma de governação que é mais divisionista que de unificação”, terminou.

 

GANÂNCIA, TERCEIRO MANDATO, GOLPES DE ESTADO EM ÁFRICA

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos