“Só há duas forças neste mundo: O espírito e a espada.
Mas no final o espírito supera a espada!”
Napoleão Bonaparte
Toda a virtude clama continuamente por circunstâncias adversas para poder se afirmar. A sabedoria requer problemas para poder enaltecer-se. A temperança precisa passar por meio de tentações para provar-se, assim como a coragem só se revela em momentos de perigo. E é por meio da coragem que homens viris distinguem-se dos efeminados. Há homens que mesmo destruídos revelam-se mais corajosos que os seus próprios destruidores. Um pigmeu que enfrenta um gigante em proteção à sua família, ainda que seja esmagado no meio da luta, é digno duma laje de valentia, o mesmo não podendo valer para o gigante que teve um opositor desnivelado em termos da força e altura. Isto significa que, em termos de coragem, a força é uma propriedade de menos relevância que a predisposição em defender um determinado bem contra todos os perigos.
Neste sentido, o guia moral de um homem valente é de quem pratica um acto nobre, não porque pode, mas porque deve. Não se trata de conseguir fazer, trata-se de fazer o que tem de ser feito. É digno de ser chamado corajoso o pai do Heitor que, sozinho na sua velhice, foi recuperar o corpo do filho na cabana de Aquiles, principal inimigo da Troia. Sabia dos perigos que corria, mas julgou que fosse opróbrio permitir que o corpo do seu filho se consumasse sem ter tido um funeral condigno devido ao medo de Aquiles. Afigura-se-nos que a coragem resplandece melhor em indivíduos que se encontram em situação que lhes é desfavorável. Dai que o prémio de valentia não cabe aos vencedores, mas àqueles que se dispuseram a enfrentar o perigo cujo fim era incerto.
Não obstante as guerras não sejam bem-vindas ao mundo pelo número de vidas que cobram em troca da paz, elas são, por excelência, arenas onde a coragem se torna objeto de elogio. A guerra se apresenta um caça-valente no embate dos guerreiros adversário. Nela se conhecem heróis, vilões, corajosos e cobardes. Deste modo, resistir ao medo da morte e violência é a prova belicosa que honra os corajosos e avilta os cobardes. Embora com pêsames, a guerra travada por soldados entre nações permite-nos medir a valentia dum povo para com outro. Da mesma forma que a guerra Peloponeso nos permitiu descobrir a valentia dos espartanos, as conquistas ecuménicas do Alexandre o Grande nos provaram a sua valentia e mestria na arte da guerra. Toda a virtude clama continuamente por circunstâncias adversas para reafirmar-se.
Todavia, com o advento da nuclearização dos países como forma de garantir a sua soberania no séc. XXI, o nosso mundo incorre no risco de perder o aparato para avaliação da valentia dos povos. Quando a força dum Estado deixa de consistir na valentia dos seus homens e passa a incidir em bombas nucleares, consequentemente se arranca ao homem a honra de ser um guerreiro. Num mundo em que as guerras entre as nações são feitas com disparos de mísseis balísticos intercontinentais, não haverá mais necessidade de existir tropas altamente treinadas nem tampouco estrategos militares. O pouco de exército a ser formado servirá para assuntos de ordem interna civil. E há menos honra em guerreiros que combatem os filhos da sua própria terra que os adversários estrangeiros.
A guerra como uma arte, a honra e a glória lhe importam. Tal entendimento pode ser obtido no encontro histórico entre Cipião Africano e Aníbal do Cartago, na véspera da batalha de Zama. Conta-se que Cipião, imperador romano, e Aníbal, líder do Cartago, não obstante grandes inimigos fossem, teriam agendado um encontro pessoal para discutir termos e condições duma provável guerra. Quando, pela primeira vez, se avistaram, um sentimento de honra comoveu-lhes o espírito por causa da imensurável consideração que um tinha pelo outro. Porém, tal admiração não foi razão suficiente para impedir que a guerra acontecesse. Os dois definiram o local onde era suposto deflagrar a segunda batalha púnica longe dos civis inocentes. Foi deveras esta brilhante diplomacia que tornou a guerra púnica honrosa e justificou a glória de Cipião que comandava um grupo reduzido de homens, mas altamente destros contra Aníbal que liderava um extenso grupo de homens com uma frente de elefantes, no dia 19 de outubro de 202 a.C.
Esta nobre guerra tem menos chances de ter lugar em séc. XXI, tempo em que as nações acreditam que seu futuro só pode ser guarnecido por bombas nucleares. Mas basta carregar-se num botão nuclear para que uma cidade toda desapareça junto com milhões de humanos em menos de poucos minutos. Ao contrário dum ataque de forças militares que levaria semanas ou meses para destruir um inimigo como uma cidade. Ou seja, as bombas nucleares têm a propriedade de acelerar o tempo de uma guerra por causa do seu poder de destruição massiva. E quando a guerra torna-se um fenómeno que se consome em minutos ou horas, ela escamoteia consigo as oportunidades diplomáticas entre as partes conflituosas que poderiam resultar em armistícios ou cessação definitiva da guerra.
É consabido que desde sua presença no planeta terra, os homens sempre atentaram contra sua própria existência e, por um triz, voltam à reconciliação. Mas ponderando-se o nível de perigo das armas com que os homens ameaçam sua existência hoje em dia, o fim duma parte considerável da humanidade tornou-se uma questão iminente. O mundo estaria em boas condições de segurança se todos os Estados dispusessem de armas nucleares, pois haveria medo entre eles de directamente destruir-se como acontece entre a Rússia e os Estados Unidos da América. Por outro lado, o mundo seria relativamente um lugar mais seguro se nenhum dos Estados fosse nuclearizado, assim não haveria sérios riscos de destruição em massa.
Enfim, o que se mantém fora de hipóteses da cogitação é a guerra. Os homens são naturalmente propensos a desencadear conflitos por conta dos seus interesses pessoais. É sempre preciso um esforço racional para conter-se os nossos instintos egoístas e deliberar-se pelo bem de todos, ou ao menos, da maioria. Sendo assim, é uma responsabilidade da humanidade envolver-se em actos de educação na construção de um mundo que dê oportunidades aos homens de provar suas virtudes. Tudo quanto nos possa proibir de manifestar o que há de mais sublime em nós, deveria ser banido da esfera humana. E porque as armas nucleares colocam em risco as virtudes de um guerreiro deviam ser conduzidas à destruição.