As paredes da Fundação Fernando Leite Couto estão desde o terceiro dia do mês revestidas de sangue. Sim, este é o símbolo da tinta vermelha que passeia forçosamente por (quase) todos quadros que revestem a sexta exposição individual de Vasco Manhiça.
O sangue é por si sinónimo de dor, luto e, por que não, miséria. Este é o espectáculo que o artista plástico nos sugere em “Pandza Show”. Aliás, pandza é nome de um estilo musical que provoca discursos ferozes quando se tenta legitimar a música jovem orgulhosamente moçambicana.
O ritmo mistura marrabenta e sonoridades estrangeiras, mas essa não é a questão que provoca alarido. A mensagem e a qualidade sonora de muitas criações deixa os especialistas com profunda enxaqueca. Ou seja, Manhiça transporta-nos para um concerto onde a possibilidade de se sair dolorido é toda possível. A dor, essa, não é pelo facto da sua pintura ser pandza é sim pelo que o autor nos conta.
Por outro lado, Pandza não deixa de ser o reflexo dos dias contemporâneos, das últimas vivências tal como é o ritmo, a juventude ou, se quisermos, a prematuridade. Com isso, o artista está a contar-nos estórias recentes de um país que tem pouco do que se orgulhar. Essa imagem é nítida nas telas que cobrem as paredes da galeria e do restaurante.
Ainda que Manhiça explore uma técnica mista, em telas, cartolinas e em madeira, é nítido o seu grito. Aliás, este grito não é exclusivo de Manhiça. É de todos os moçambicanos desiludidos com a inversão de valores sociais, inconstância e a corrupção “industrial”.
Quase todas as telas reflectem esse grito que não poderia passar ao lado das artes. Aliás, não passa ao lado desse artista, as suas anteriores exposições – “Sentimento alto” (2006), “Entre mundos” (2007), “Pim-Pam-Pum” (2009), “The Black Box” (2013) e “Ponto de vista” (2015) – são disso exemplo. Mas neste universo há uma tela que nos transporta para esse pensamento. Recortes de jornais dão a entender esse reboliço que se vive actualmente. Palavras como “Dhlakama”, “Polícia”, “amiguismo” e “Ematum” são por si reveladoras. Nesta tela, Manhiça transporta-nos à reflexão sobre os problemas candentes na nossa sociedade. “Dhlakama” está umbilicalmente ligado à crise política e militar. A falta de paz condiciona o desenvolvimento do país, cria sangue e luto, ou seja, à miséria.
“Polícia”, essa, é alvo de críticas pela corrupção e por acções criminosas noutros casos. “Ematum”, por outro lado, é o rosto da crise económica. Uma das empresas fruto das dívidas ocultas, dívidas que arruinaram o país.
Na tela em causa, Manhiça dispensa outras palavras com o seu pincel e, ao mesmo tempo, coloca a sua mão em acção. As cores branca, vermelha e laranja ganham corpo entre retalhos de jornais. Como que a sugerir novos ventos, o artista, com a caligrafia de arte, cravou a palavra “amor”.
A primeira tela, para quem usa a entrada principal da Fundação, é um mural que também traduz essa miserável realidade moçambicana. Denominado “Bestas sem noção”, exibe uma rica pintura com traços descompassados em que se agregam anúncios de médicos tradicionais entre outras publicações que traem os sofredores. Neste emaranhado de coisas e palavras, “país do pandza” é a mais presente. “País do pandza” é título da música do rapper moçambicano Slim Nigga. Neste single, o jovem traz à tona uma série de problemas que o país enfrenta. É, igualmente, isso que Manhiça propicia com este espectáculo.
Até ao dia 27 pode se assistir este espectáculo que, segundo Amosse Mucavele, disponibiliza uma música ensurdecedora que trespassa o palco de eleição das massas. É um facto, porque mais do que uma contemplação, Manhiça sugere uma profunda discussão sobre os nossos actos como moçambicanos quer para se alcançar a estabilidade económica ou estabilidade psicológica.
Nota-se a veia de activista que Manhiça tem, quem pensa no país inspirado pelas ruas do bairro de Aeroporto. Um bairro que, à semelhança de todos suburbanos, estão revestidos de muita miséria, esta que exibe sem quaisquer preconceitos, no seu “Pandza show”.