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Novas provas desmentem versão da PRM sobre acidente mortal na EN1 em Inhambane

As imagens não deixam dúvidas: a viatura embateu violentamente na traseira da motorizada, e não o contrário, como inicialmente afirmara a Polícia da República de Moçambique (PRM). O trágico acidente, que ceifou a vida de três jovens com idades entre 17 e 25 anos, continua a gerar indignação na província de Inhambane, não apenas pela gravidade do sinistro, mas também pelas contradições na versão apresentada pelas autoridades policiais.

O caso aconteceu há poucos dias, num ponto da Estrada Nacional Número Um (EN1), no distrito da Maxixe. Na altura, a porta-voz da PRM em Inhambane, Nércia Bata, disse ao jornal “O País” que o motociclo teria colidido na traseira da viatura, responsabilizando o condutor do mototáxi pela tragédia. A versão, contudo, caiu por terra com o surgimento de novas imagens que mostram claramente que foi o automóvel — uma viatura de marca Toyota — que atingiu a motorizada por trás, lançando os três ocupantes ao asfalto e causando a sua morte imediata.

As imagens obtidas por O País mostram o rasto do impacto, os destroços espalhados pela estrada e a distância que a viatura percorreu após o embate — cerca de 50 metros —, reforçando o argumento de que o choque foi causado por excesso de velocidade e imprudência do condutor do carro. A tragédia, que mergulhou famílias em dor profunda, expôs também a fragilidade das investigações preliminares conduzidas pela polícia.

Confrontada com as novas evidências, Nércia Bata admitiu inconsistências na versão anterior e apresentou uma nova explicação sobre o acidente:
“O que aconteceu é que o motociclo e a viatura seguiam o mesmo sentido. O primeiro interveniente, que é a viatura de marca Toyota, embateu no mototaxista, e estes, de imediato, caíram no local. Infelizmente, as três pessoas que seguiam na motorizada perderam a vida instantaneamente”, explicou a porta-voz da PRM, acrescentando que o sinistro foi causado por excesso de velocidade.

Ainda assim, a polícia afastou a hipótese de embriaguez do condutor da viatura. “Das informações que temos, o teste de álcool feito ao condutor não deu positivo. Quer dizer que ele não estava embriagado”, afirmou Nércia Bata, rejeitando a versão dos familiares que insistem que o motorista apresentava claros sinais de intoxicação alcoólica no momento do acidente.

Entre as vozes inconformadas está Jaime Cumbane, pai de uma das vítimas, que presenciou o cenário de destruição poucas horas após o sinistro.
“O que nos contaram é que o carro atingiu a motorizada por trás, com tanta força que a arrastou por vários metros. Depois do embate, o veículo só parou cerca de 50 metros adiante. Não era possível o condutor explicar nada, porque estava completamente embriagado”, disse o pai, visivelmente abalado, com a voz entrecortada pela dor.

No quintal da família, o ambiente é de luto e silêncio. Isabel Domingos, mãe da jovem de 17 anos, fala com o olhar perdido:
“Não tenho palavras… o meu coração está despedaçado. Fui eu quem a trouxe ao mundo, mas agora nada pode trazê-la de volta. Se ela partiu, resta apenas aceitar. Nada apaga esta dor.”

As vítimas regressavam a casa após um convívio com amigos, segundo familiares. As três seguiam na mesma motorizada, sem capacete nem qualquer proteção, o que agravou a gravidade do acidente. Neusa Cumbane, irmã de uma das vítimas, reconhece que houve imprudência também da parte dos jovens:
“O que sei é que, normalmente, na motorizada só seguem duas pessoas. Ficámos surpreendidos quando nos disseram que as três estavam juntas. É difícil compreender como isto aconteceu, mas algo precisa ser feito para evitar novas mortes.”

O acidente, além de expor a vulnerabilidade dos motociclistas nas estradas da província, levanta questões sobre a transparência e o rigor das comunicações oficiais da polícia. A primeira versão divulgada pela PRM apontava para erro humano do mototaxista, sem qualquer menção à possibilidade de colisão provocada pela viatura. Agora, as novas declarações de Nércia Bata confirmam que houve, de facto, uma falha na informação inicial.

“Infelizmente, temos registado vários casos de acidente de viação que têm semeado dor e luto nas famílias aqui em Inhambane. Aproveitamos para apelar aos automobilistas a que façam uma condução defensiva e respeitem as regras de trânsito. Também pedimos aos motociclistas que não transportem mais do que duas pessoas e que usem capacetes para a sua própria segurança”, alertou a porta-voz da PRM.

Os acidentes de viação continuam entre as principais causas de morte na província de Inhambane. Dados preliminares apontam para dezenas de sinistros com vítimas mortais apenas nos últimos três meses, muitos dos quais envolvendo mototaxistas que circulam sem equipamentos de proteção e frequentemente em excesso de velocidade.

A tragédia do povoado de Agostinho Neto não é, infelizmente, um caso isolado. É o retrato de uma realidade cada vez mais preocupante nas estradas moçambicanas, onde a combinação entre imprudência, álcool e ausência de fiscalização continua a custar vidas — e a deixar famílias destroçadas.

Para os familiares das vítimas, resta agora a esperança de que a verdade prevaleça e que, desta vez, o caso não seja mais um número nas estatísticas, mas um ponto de viragem na forma como os acidentes de viação são investigados e comunicados em Moçambique.

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