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Professores contestam cálculo das horas extras em Inhambane e exigem pagamento integral da dívida

O anúncio do desembolso de mais de 207 milhões de meticais pelo governo de Inhambane, destinado ao pagamento de horas extras em atraso a mais de 5.100 professores referentes aos anos de 2022 e 2023, trouxe alívio momentâneo, mas rapidamente deu lugar ao descontentamento. Longe de verem a medida como solução definitiva, os docentes afirmam não concordar com a base usada para o cálculo da remuneração, que consideram injusta e desajustada ao esforço efetivamente prestado.

Para muitos professores, a matemática aplicada pelo governo deixa mais dúvidas do que certezas. “Temos informações que apontam para um total de 80 mil meticais em dívida. No entanto, apenas 20 mil foram validados. Onde foram parar os 60 mil restantes?”, questionou um dos docentes durante o encontro com colegas. A explicação apresentada pelas autoridades, de que feriados e fins de semana foram retirados do cálculo, é vista como uma justificação “não plausível” e que fere os princípios básicos da contagem de horas extraordinárias.

“Quando se faz cálculo de horas extras, não se descontam feriados ou finais de semana. O que conta são as horas efetivamente trabalhadas. Por isso, não aceitamos este modelo como justo”, insistiu outro professor, visivelmente frustrado.

Apesar do descontentamento, os professores afirmam esperar que o valor remanescente seja pago com a maior brevidade possível, sob pena de se agravar o clima de desmotivação já instalado no setor. “O salário de um funcionário é sagrado, é muito sagrado. Estamos a pairar sem informação clara sobre o pagamento da segunda tranche. Gostaríamos que fosse antes do dia 12, porque quando há demora no pagamento, isso desmotiva o professor e compromete a qualidade do ensino”, afirmou um docente, sublinhando que a liquidação faseada da dívida poderia, ao menos, “melhorar um ou outro assunto na educação”.

O mal-estar em torno da questão levou os professores a reunirem-se à porta fechada com deputados da Assembleia da República, que se deslocaram a Inhambane. No encontro, os parlamentares comprometeram-se a intensificar a pressão junto do governo para assegurar o pagamento integral do montante em dívida, reconhecendo a legitimidade das queixas apresentadas pelos professores.

“É do nosso conhecimento que o ano de 2022 já foi pago. Contudo, ainda faltam meses referentes a 2023 e, claro, o ano de 2024, que deverá ser incluído nesta lógica de compensação. Estamos confiantes de que o governo tem o domínio da situação e esperamos que responda positivamente às nossas expectativas”, afirmou um dos representantes dos docentes.

Para além da questão das horas extras, os professores levantaram também outras reivindicações, com destaque para a retoma imediata dos atos administrativos, que continuam suspensos devido às dificuldades financeiras. Para os docentes, essa paralisação tem impacto direto na progressão de carreira e na motivação profissional.

“Não se trata apenas de dinheiro, mas também de dignidade e reconhecimento. Os atos administrativos são fundamentais para a valorização do professor e para que possamos trabalhar com ânimo redobrado. Se continuarem suspensos, fica comprometido o nosso futuro e o futuro da educação na província”, declarou outro professor, em tom de apelo.

No centro da contestação está a perceção de que o esforço extra dos docentes não está a ser devidamente valorizado. Muitos afirmam ter dedicado horas além da jornada regular para suprir carências do sistema, sobretudo em contextos de falta de professores em várias escolas da província. “As horas extras não são luxo nem escolha. São uma necessidade para garantir que os alunos não fiquem sem aulas. Retirar parte desse esforço sob pretextos questionáveis é desrespeitar o trabalho do professor e prejudicar o futuro dos nossos alunos”, desabafou uma professora da cidade de Inhambane.

O governo provincial, por sua vez, sustenta que o processo de pagamento ainda depende da validação da Inspeção-Geral das Finanças, o que, segundo as autoridades, visa garantir maior rigor e transparência na utilização dos fundos públicos. Contudo, para os docentes, esse argumento não basta para justificar a demora e os cortes que consideram indevidos.

No meio da tensão, uma mensagem ecoa de forma unânime entre os professores: o apelo para que o governo cumpra integralmente com o prometido. “Queremos acreditar que o Estado vai honrar a sua palavra. Só assim será possível recuperar a moral dos professores e dar tranquilidade às nossas famílias”, disse um dos docentes, acrescentando que a valorização do professor é condição essencial para melhorar a qualidade do ensino em Moçambique.

Em Inhambane, os mais de 5 mil professores abrangidos pela medida aguardam, entre a esperança e a frustração, por uma solução definitiva. O desembolso anunciado foi recebido como sinal positivo, mas para os docentes só haverá verdadeira justiça quando o pagamento integral for feito e o cálculo das horas extras respeitar o esforço que cada um colocou no trabalho. Até lá, o ambiente continuará marcado por incerteza e apreensão.

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