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Estado viola lei e acumula 115 mil milhões de meticais sem títulos desde 2005

Um parecer recente do auditor independente sobre as demonstrações financeiras do Banco de Moçambique relativas ao exercício financeiro de 2024 revelou que o Estado Moçambicano continua sem emitir títulos da dívida pública a favor do banco central para cobertura das variações cambiais acumuladas desde 2005.

O incumprimento resultou num montante expressivo de cerca de 115 mil milhões de meticais quantificado até à data do balanço, levando o auditor a emitir uma opinião com reserva sobre as contas do banco emissor.

“Estado Moçambicano não assume as suas responsabilidades desde o exercício de 2005, no montante acumulado de 115 366 652 milhares de Meticais”, lê-se no relatório auditado, a que o jornal O País Económico teve acesso, numa clarividência de que o Estado atropela a lei orgânica do Banco de Moçambique no seu  artigo 14º da Lei (Lei nº 1/92 de 3 de Janeiro), que estipula que os saldos devedores das flutuações cambiais devem ser reconhecidos pelo Estado Moçambicano, que por sua vez deve emitir títulos de dívida pública a favor do Banco.

O auditor acrescenta que, para além deste montante, o Banco de Moçambique registou um prejuízo no exercício de 2024, acompanhado de passivos não reconhecidos formalmente pelo Estado, elevando o risco sobre a saúde financeira da instituição. Só o impacto das diferenças cambiais em 2024 totalizou cerca de 27 mil milhões de meticais, agravando o quadro já deficitário.

 

ECONOMISTAS ALERTAM PARA A NECESSIDADE DE REGULARIZAR DÍVIDA, SOB RISCO DE LESAR TRANSPARÊNCIA PÚBLICA

O economista Otávio Manhique considera preocupante a não emissão, há mais de 20 anos, de títulos da dívida pública a favor do Banco de Moçambique, que totalizam mais de 115 mil milhões de meticais. Embora descarte tratar-se de uma dívida oculta, Manhique classifica a situação como irregular, que pode lesar a transparência das contas públicas, defendendo que o montante deveria estar reflectido directamente no stock da dívida do Tesouro.

“Não é que seja uma dívida oculta como foram outras no passado. Sempre esteve evidenciada nos relatórios do Banco de Moçambique. Mas está no local errado. Deveria estar no stock da dívida pública do Governo moçambicano”, explicou.

Segundo Manhique, o banco central vem acumulando este valor sobretudo devido a diferenças cambiais, actuando em nome do Tesouro. O problema é que, por lei, a dívida deveria ser assumida formalmente pelo Estado por via da emissão de títulos, processo que nunca aconteceu.

O economista alerta que este procedimento fere a regularidade legal, enfraquece o controlo da dívida e diminui a transparência fiscal. “É menos transparente por causa desta deslocação do valor. Não está onde devia estar, que é nas contas do Tesouro. Isso fragiliza a forma como se acompanha o estoque real da dívida pública”, acrescentou.

Apesar disso, Manhique não vê impacto directo imediato sobre a inflação ou taxa de câmbio, nem sobre o desempenho do próprio Banco de Moçambique. Contudo, adverte para o risco de no futuro haver maior pressão caso a situação continue sem solução.

“É preferível que o Governo comece a absorver valores menores ano após ano, do que esperar e fazer um enorme ajustamento de uma só vez, num Estado já altamente endividado”, defendeu.

Para o economista, é fundamental que o Governo estabeleça um plano claro de regularização, cumprindo a lei e fortalecendo a confiança dos cidadãos na gestão das finanças públicas. Manhique destacou ainda o papel dos órgãos de comunicação social e da sociedade civil em manter o tema no debate público.

“O principal objectivo é tornar mais transparente a gestão da coisa pública. A lei prevê mecanismos de compensação. O que não se deve fazer é deixar acumular no balanço do Banco de Moçambique.” Por fim, elogiou o trabalho dos auditores externos que têm trazido o assunto à tona, permitindo maior fiscalização e debate público.

“Sem as auditorias, este assunto poderia ter ficado restrito. É o trabalho do auditor que cruza o que está na norma com o que está a ser feito, aumentando a transparência”, concluiu.

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