O País – A verdade como notícia

Lei do Conteúdo Local em auscultação para posterior submissão ao Parlamento

O Governo garantiu, recentemente, que a redacção do projecto de Lei do Conteúdo Local está concluída e que, neste momento, decorre o processo de auscultação pública para posterior submissão ao Parlamento. O instrumento, que deverá reger as relações entre o sector privado e os megaprojectos, deverá entrar em vigor ainda neste ano, segundo o Executivo.

A proposta de Lei do Conteúdo Local está no centro das atenções, num contexto marcado pela retoma de megaprojectos estratégicos, como o Coral Norte e as operações da Total. O debate gira em torno de três eixos principais: o impacto económico e social para as comunidades locais, o equilíbrio entre garantir conteúdo local e não atrasar a implementação dos investimentos, e a importância do processo de auscultação pública para tornar a legislação mais sólida e inclusiva.

Entre as questões em destaque, sobressai a necessidade de garantir que as comunidades e as empresas moçambicanas sejam as principais beneficiárias, sem transformar as obrigações legais numa restrição para as multinacionais. Na visão dos economistas e especialistas ouvidos, a entrada em vigor da lei não deve ser encarada como a solução para todos os problemas que assolam o empresariado local, mas sim como um instrumento que deve ser associado a vários outros elementos para tornar o ambiente de negócios mais inclusivo e gerar ganhos para todas as partes envolvidas.

Os analistas questionam o nível de preparação técnica das empresas locais, a abrangência e transparência do processo de auscultação pública e as garantias para que as contribuições recolhidas sejam efectivamente reflectidas no texto final da legislação. Discutem igualmente qual o equilíbrio ideal entre obrigatoriedade e incentivo para tornar as regras eficazes e qual o impacto esperado desta legislação para a estrutura e sustentabilidade dos megaprojectos no país. A dúvida central passa por definir o próximo passo para transformar esta proposta num instrumento claro e eficaz, num contexto marcado por pressões e prazos para a retoma de investimentos cruciais para a economia nacional.

Lei do Conteúdo Local não deve andar sozinha, defendem economistas

Elthon Chemane, especialista em gás, destaca que a futura Lei do Conteúdo Local em Moçambique é necessária e importante, mas não deve ser encarada como uma solução única para todos os desafios do sector. Explica que “esta legislação funcionará como uma estrutura para aumentar a participação das empresas locais nos megaprojectos, mas requer uma acção coordenada entre vários sectores para gerar impacto significativo”.

Embora o Governo esteja a avançar rapidamente para elaborar e socializar a proposta de lei, Chemane alerta para a importância de não alimentar falsas expectativas, uma vez que contratos antigos não poderão ser alterados retroactivamente por estarem protegidos por cláusulas de estabilidade jurídica e mecanismos internacionais de resolução de conflitos. Por isso, o impacto directo desta legislação só será visível nos futuros contratos e concessões.

“O conteúdo local não depende apenas de uma norma jurídica, mas de um ecossistema integrado, com destaque para o sector privado e para a capacidade das empresas locais responderem às exigências dos contratos”, explica o economista, enquanto sublinha que, actualmente, muitas PME não estão preparadas para suportar contratos de grande envergadura, especialmente no que diz respeito à disponibilidade de capital e à capacidade técnica.

Durante o debate económico desta quinta-feira na STV, o especialista destacou a importância de uma indústria financeira e de um quadro regulatório adaptado para fornecer garantias e melhorar o acesso ao financiamento. Chemane recordou, durante a sua intervenção, que a legislação deve prever uma declaração clara das demandas específicas de bens e serviços ao longo de toda a cadeia de valor dos mega‑projectos, para que o Estado e o sector privado possam identificar e priorizar investimentos estratégicos, aumentar a capacidade interna e garantir uma maior retenção de valor no país.

Para o economista Dereck Mulatinho, é necessária uma estratégia abrangente de industrialização para garantir que o investimento e o rendimento fiquem no país e não sejam simplesmente transferidos para o exterior. Para Mulatinho, um dos caminhos para alcançar este objectivo passa por aproveitar as demandas conjuntas dos diferentes projectos para tornar viáveis investimentos estratégicos no país, como, por exemplo, a fabricação de parafusos ou equipamentos básicos, cuja necessidade não se justifica num único projecto, mas passa a valer a pena quando considerada em todas as operações ao longo do tempo.

Sobre a relação entre a legislação e o sector privado, Mulatinho destaca que “o sucesso não depende apenas do Governo, mas passa pela capacidade das empresas moçambicanas de entregarem com qualidade e eficiência. Não basta ganhar contratos, é preciso demonstrar que são capazes de executá-los e, assim, ganhar credibilidade para futuras oportunidades”.

Mulatinho vai mais fundo ao afirmar que um dos grandes entraves está no sistema financeiro. “A maioria das PME não tem capacidade para suportar contratos de grande dimensão, e a banca comercial não está estruturada para financiar esse tipo de operação, dadas a legislação e as normas do regulador. Nesse sentido, uma mudança nas regras financeiras e no entendimento do risco por parte das instituições bancárias e do regulador torna‑se crucial para permitir às PME locais aproveitar as oportunidades”, conclui.

Os processos de regulamentação do conteúdo local decorrem em paralelo com a revisão da Lei do Petróleo no país.

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos