Caiu o pano do Moçambola. E, com ele, uma mescla de sentimentos. Mas, mais do que sentimentos, para trás ficaram também algumas lições, frustrações e ilações. A certeza é apenas uma – a Associação Black Bulls é campeã nacional.
A bola rolou, ainda que no meio de tantas incertezas. A rigorosa e mortífera pandemia do novo Coronavírus adiou emoções, colocando em sentido não só a tribo do futebol, bem como o universo. Sucessivos adiamentos marcaram e criaram crateras no mundo imaginário, em que o Moçambola deveria acontecer a todo custo, mas também no ideal, no qual o contexto e o estendal de problemas se sobrepunham às vontades de uma minoria regida pelas 17 leis do futebol.
Sublinhe-se, religiosamente, a pandemia veio provar que, na verdade, não há países do primeiro nem terceiro mundo. Os campeonatos de futebol ressentiram-se, quer na terra de Sua Majestade, bem como na Pátria Amada. Enfim, concentremo-nos em nós!
LIÇÕES
Aos soluços e sem perspectivas de alcançar a” terra prometida”, a verdade é que o “nosso” Moçambola foi disputado. Das profundezas da incerteza, a Liga Moçambicana de Futebol (LMF) fez das tripas coração, de modo a garantir que a maior prova futebolística nacional tivesse lugar. E teve. Mas, na hora de colher os louros, não só a LMF tem o “privilégio” de exultar sozinha, pois houve vários actores envolvidos. Ora, essa é conversa para outros cafés. Ainda assim, ficou a lição. No rol das lições, há um clube que salta à vista: Associação Black Bulls (ABB).
Ilustre desconhecido, tanto sob ponto de vista gestacional, assim como no que diz respeito às conquistas materiais, com o seu inquestionável e nível organizacional provou à tribo de futebol moçambicano que, afinal de contas, quando se têm ideias claras é possível fazer a diferença. E nesse quesito, a debutante Associação Black Bulls deixou várias lições para quem quis aprender. É preciso ter uma mente aberta para tal.
Desde logo, os “touros” apresentaram-se com uma mente iluminada, pois perceberam que o sucesso e os resultados positivos são alcançados, não tão-somente dentro do campo, mas também fora do mesmo. O seu patrono terá feito bem o trabalho de casa, na medida em que “fintou” os erros da maioria, trazendo novas valências e variáveis ao nosso campeonato. Sorrateiramente e fingindo-se de mortos para enganarem o coveiro, na medida em que nunca se assumiram como candidatos ao título, os “touros” fizeram um percurso que para muitos era inimaginável, pois, como já o dissemos, não passavam de um mero ilustre desconhecido. Enquanto uns dormiam bem refastelados na sombra da bananeira, a ABB se mostrava mais astuto.
E no fim soltou sorrisos largos, marcando, igualmente, uma nova era para o nosso futebol. Na verdade, da Associação Black Bulls há muitas lições que se podem tirar. Mas há que ter em conta esta: para se alcançar o sucesso sem usar atalhos é preciso ter a cabeça no lugar. A outra grande lição veio do Planalto dos Matacas, com o Ferroviário de Lichinga a provar que é possível fazer a diferença, sem que necessariamente se tenham muitos anos de estrada. Principiantes no Moçambola, os ˝locomotivos˝ da cidade mais fresca do país arrebataram corações. A quarta posição na tabela classificativa é, por isso, merecedora.
FRUSTRAÇÕES
A felicidade de uns é tristeza dos outros. Essa frase até poderia ser uma lei, mas esse desiderato não passará de uma simples intenção. O Moçambola teve o condão de “fabricar” emoções, mas também dele vieram ao de cima frustrações. De jornada em jornada, os resultados desfavoráveis de algumas equipas fizeram brotar cântaros de lágrimas.
O sentimento de insatisfação e o rótulo de fracasso tomou conta do Desportivo Maputo que, de resto, experimentou vários dissabores. Da crise financeira, estrutural e de resultados, os ˝alvi-negros˝ foram sombra de si mesmos. Não só os resultados não eram satisfatórios, o que até certo ponto criou uma pilha de nervos no seio da complacente mas também exigente massa associativa, assim como a mística e a crença deixaram de existir.
Ao Deus dará o Desportivo Maputo que tentou sobreviver, numa selva em que só os mais fortes tinham a capacidade de comprar o oxigénio para respirar. No fim foi o que se viu, um Desportivo jogado à desprestigiante “liguilha” para onde vai tentar garantir o seu lugar na fina-flor do futebol moçambicano no próximo ano. Nos últimos oito anos esta é a terceira vez que os “alvi-negros” descem de divisão. Motivo mais do que suficiente para as frustrações terem mais ênfase.
O Textáfrica de Chimoio carrega consigo também o fardo das frustrações. Impotentes e paupérrimos, os “fabris” do Planalto foram, também, sombra de si mesmos. Os bons resultados foram como uma espécie de verão na Cibéria: raros! Durante o Moçambola, houve sempre motivos para se escrever alguma coisa sobre o Textáfrica. Ora por causa da crise financeira, ora por causa da crise directiva e de resultados. O futebol é jogado também fora do campo.
Enfim, um percurso sinuoso para o primeiro campeão de Moçambique independente. A verdade é que, tal como o Desportivo Maputo, o Textáfrica terá também de se aplicar a fundo para evitar jogar nos “quarteirões”. Essa também é uma frustração indisfarçável. O Matchedje de Mocuba engrossa a lista dos frustrados.
Talvez seja até pior para as hostes dos “militares”. Na sua primeira aventura no Moçambola, os “militares” não conseguiram fazer a diferença. Por via disso, devem disputar a “liguilha”. O sonho, esse, que fique para outras ocasiões.
Mas há mais! Os três clubes submeteram, semana passada, uma carta à Federação Moçambicana de Futebol (FMF), na qual, dentre várias coisas, o “tridente” alega que a decisão do organismo reitor do futebol moçambicano foi unilateral. Ou seja, os clubes não foram consultados sobre a mesma.
Por isso, os três clubes dizem não estarem em condições de disputarem a prova. Aliás, no rol das lamúrias alegam também que não tem dinheiro para custearem a sua presença nesta prova. Por isso, entendem que a FMF deveria responsabilizar-se no que diz respeito aos encargos financeiros. Será um subterfúgio para justificarem o seu fracasso? Ou então será uma nítida demonstração de frustração? Enfim, o tempo irá encarregar-se de dar respostas.
ILAÇÕES
Da presente edição do Moçambola se podem tiram várias ilações. O certo é que, uma das maiores ilações é que, enquanto alguns clubes, como é o caso da ABB e Ferroviário de Lichinga, este último que foi a equipa sensação, fizeram bem o trabalho de casa e, por isso mesmo, alcançaram o sucesso, outros pararam no tempo. Ficaram tão estagnados e ancorados na sua grandeza, que não tomaram nota dos erros do passado. E isso ter-lhes-á custado caro.