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Porquê e para quê? Só a FMF sabe!

É uma daquelas narrativas cujos actores secundários assumem o protagonismo no lugar dos que realmente deveriam dar a vida à mesma. Deixaram a gota do seu suor em campo, elevaram a bandeira nacional no concerto das nações, ao mesmo tempo que fizeram ecoar o hino nacional.

É, sem dúvidas, um símbolo de patriotismo inalienável e cujos efeitos poderão ser multiplicadores para as futuras gerações. Pela primeira vez, os Mambas “ousaram” atingir os quartos-de-final de uma competição sob égide da Confederação Africana de Futebol (CAF), feito que deveria orgulhar todo o moçambicano do bem e com um coração limpo.

E como resultado dessa façanha, a Federação Moçambicana de Futebol (FMF) viu-se bafejada pela sorte, ao encaixar, nos seus cofres, 400 mil dólares norte-americanos, o equivalente a 25 milhões de Meticais, valor desembolsado pela CAF.

Em face disso, os jogadores, legítimos e verdadeiros obreiros desse feito inédito, exigiram o incremento do prémio de qualificação para os quartos-de-final de 40 mil para 150 mil Meticais. Ora, depois de muitas rondas de negociação, a FMF comprometeu-se a pagar 75 mil Meticais.

Não estando satisfeitos com essa medida, os jogadores chegaram a ameaçar não viajar à cidade de Constantine, local onde deveriam defrontar o Madagáscar. Os Mambas foram ao jogo contra a selecção malgaxe dissecados, visto que a sua preocupação não estava a ser correspondida.

Depois da partida contra o Madagáscar, em que o combinado nacional perdeu por 1-3, terminando a sua epopeica participação na 7ª edição do CHAN, prova destinada aos jogadores que militam nos campeonatos internos, o enredo ganhou outros contornos.

Na hora do regresso, os jogadores recusaram-se a sair do hotel, caso não se resolvesse a sua situação, facto que concorreu para que atrasassem o voo. Face à exigência, a Federação Moçambicana de Futebol, representada pelo vice-presidente para a Área de Administração e Finanças, Jorge Bambo, assinou um termo de compromisso no qual assumia que a FMF pagaria o valor exigido pelos jogadores em Maputo.

Os Mambas chegaram ao país cabisbaixos, com rostos que, em vez de denotarem um sentimento de missão cumprida, eram de preocupação. É que pouco ou nada sabiam sobre a resolução do seu problema em solo pátrio.

Contra todas as expectativas, a Federação Moçambicana de Futebol divulgou, na última sexta-feira, um comunicado no qual, dentre várias medidas, suspendeu cinco jogadores, no caso Isac, Telinho, Kito, Chico e Shaquille, tidos pelo organismo que superintende o futebol moçambicano como “agitadores”.

Ou seja, os cinco jogadores criaram, segundo o comunicado da FMF, um ambiente de crispação no seio da selecção nacional. O assistente de Chiquinho Conde, Eduardo Jumisse, também não escapou à suspensão, na medida em que a federação julga que o mesmo foi também um dos agitadores.

No referido comunicado a FMF diz que “os 23 atletas exteriorizaram um comportamento grosseiro, irresponsável e de chantagem, recusando-se inicialmente a ir a jogo nos quartos-de-final e, posteriormente, a deixar o hotel para iniciar a viagem de regresso a Maputo, no dia 01 de Fevereiro de 2023. Os atletas extravasaram os princípios éticos e de boa conduta desportiva em vigor na FMF, manchando os símbolos da Pátria Amada”.

Pois bem, a FMF teve tempo até de sobra para produzir um comunicado pejado de gongorismo, no lugar de encontrar uma solução para a resolução de diferendo com os jogadores. Não quero aqui discutir a legitimidade da exigência dos atletas ou dar razão aos mesmos, mas também não acho que a atitude da federação seja a mais acertada possível.

No seu estilo característico, a Federação Moçambicana de Futebol encontrou, num universo de 23 jogadores, cinco anti-heróis. Isac, Telinho, Kito, Chico e Shaquille são a rampa que a FMF encontrou para sair desse imbróglio de forma airosa, como, aliás, sempre o fez em situações similares.

Para já, os cincos jogadores vão carregar a cruz de todos os problemas do futebol moçambicano, tão-somente porque, em nome do grupo, deram a cara para reclamarem os seus direitos. Mais uma vez, abstenho-me de discutir a razoabilidade da atitude dos jogadores, pois só eles sentiram na pele o peso de vestir a camisola da selecção nacional e carregarem, nas suas costas, mais de 30 milhões de moçambicanos.

Dirão os arautos da moralidade que o que os jogadores fizeram no CHAN é seu dever, pelo que não merecem nenhum respeito, não somente em valores monetários, mas um pouco de dignidade.

É fácil, sim, para os analistas de teclado e sofá produzir uma opinião numa sala climatizada, crucificando os que, ao sol e à chuva, souberam honrar a camisola de uma nação, num país em que quem tem o poder de redigir comunicados eruditos é quem ganha a razão. Os “anti-heróis”, os quais não têm a possibilidade nem habilidades para produzir comunicados, serão sempre julgados pela história e, acima de tudo, continuarão a ser pessoas “grotescas e infames”, como a FMF os apelida no eloquente comunicado.

A mensagem é clara, os jogadores nunca passarão de autênticos marionetas de uma instituição que só dá valor a si própria. A FMF é a melhor instituição do mundo, quando se escreve num quadro invertido. A nossa inovadora federação nomeou uma “Comissão de Inquérito para, num período de três meses, averiguar os factos e as circunstâncias que ditaram a prática de indisciplina no seio da selecção nacional durante a disputa do campeonato africano”.

Que bonito! Ora, a experiência manda dizer que as comissões de inquérito neste país nunca produziram resultados palpáveis, senão informações difusas e escamoteadas. Neste caso, o resultado do referido inquérito não irá fugir do que a federação já concluiu, que os jogadores tiveram um comportamento grosseiro. Mais uma vez, a culpa vai morrer solteira. Porquê e para quê? Só a FMF sabe!

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